Acórdão nº 1043/03.8TBMCN.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - No Tribunal de Marco de Canavezes, AA intentou esta ação emergente de acidente de viação, sob a forma ordinária, contra: BB.

Alegou, em síntese, que: Circulava na sua bicicleta a pedal, pela via que ligava Marco de Canaveses a Alpendorada e neste sentido de trânsito; Quando concluía manobra de mudança de direção à esquerda, atento aquele sentido de marcha, foi embatido pelo veículo 00-00-00, seguro na Ré, o qual seguia naquela mesma via atrás de si, fazendo condução desatenta e a velocidade superior a 80 km/h; Do embate resultaram para si os danos patrimoniais e não patrimoniais que detalhadamente descreve.

Pediu, em conformidade: A condenação da ré a pagar-lhe € 473.076,67, acrescidos de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

A ré contestou.

Apresentou uma versão do acidente em que imputou a responsabilidade do mesmo ao Autor, por este ter encetado a aludida manobra de mudança de direção repentinamente, sem a sinalizar e sem atender que o condutor do veículo por si seguro já havia iniciado manobra de ultrapassagem.

E impugnou ainda os danos invocados.

Após a apresentação deste articulado de contestação, veio Liberty Europeia de Seguros, S.A. requerer a sua Intervenção nos autos ao lado do autor, fazendo seu o articulado deste quanto à dinâmica do acidente, mais adiantando que, estando em causa um acidente que também era de trabalho e porque era a seguradora da entidade patronal para quem o Autor prestava trabalho dependente, lhe assistia o direito de ver-se reembolsada dos montantes que havia pago àquele último, por via do contrato de seguro celebrado com a aludida entidade patronal.

Nessa medida, atingiu o montante já liquidado de pensões e indemnizações € 69.051,30 euros.

Mais tarde foi tal montante ampliado para mais € 83.391,60 euros, atingindo o total pago € 152.442,90, cuja condenação no pagamento, por parte da ré, pediu.

Também quanto a este pedido se pronunciou a ré, negando a sua responsabilidade.

II – A ação prosseguiu e, na altura oportuna, foi proferida sentença, condenando-se a ré: 1. A pagar ao Autor a quantia de 177.474,85 euros, acrescida de juros de mora, a calcular à taxa de 4 % ao ano, sobre: A quantia de 124.974,95 euros, a partir de 11.7.2003 até efetivo pagamento; E sobre: A quantia de 52.500 euros, a partir da data da prolação da sentença até efetivo e integral pagamento; b/ 70% da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, correspondente: Ao custo de manutenção e substituição da cadeira de rodas que o Autor terá de suportar de 23.4.2009 até 1.10.2026; Ao custo da aquisição das fraldas que o Autor terá de suportar de 23.4.2009 até 1.10.2026; Ao custo de aquisição de produtos necessários à prevenção e tratamento de úlceras de pressão que o Autor terá de suportar de 23.4.2009 até 1.10.2026; Quantias estas que, a liquidar em execução de sentença e somadas ao valor da indemnização já liquidado ao Autor em 1, não poderão exceder o montante do pedido, ou seja, 473.076,67 Euros.

  1. A pagar à Interveniente € 106.710,03, acrescidos de juros de mora, à taxa de 4 % ao ano, a calcular sobre a quantia de: a) 48.335,91 euros, a partir de 16.9.2004 até integral pagamento; b) 58.374,12 euros, a partir de 27.4.2009 até integral pagamento.

III – Apelaram autor e ré e o Tribunal da Relação do Porto decidiu: “… julgar improcedente a apelação interposta pelo Autor, enquanto a interposta pela seguradora/ré vai julgada parcialmente procedente e, nessa medida, alterando-se o sentenciado, vai aquela última condenada a pagar ao Autor a indemnização global – que é possível desde já liquidar – de 166.974,95 euros.

Quanto ao mais, vai mantida a sentença recorrida.” IV – Pedem revista, quer o autor, quer a ré.

Visto que os recursos têm fundamentação reportada, em grande parte, aos mesmos pontos, vamos conhecer de ambos em simultâneo.

Conclui o autor as alegações do seguinte modo: 1 . Os factos apurados, por um lado, a legalidade (teor do art° 506°, n° 1, "in fine") e a boa jurisprudência e doutrina, por outro - no que respeita à repartição de responsabilidades com base no risco e à fixação do montante atribuído a título de danos morais - determinam a violação, entre outros, do art°s 721 ° e 722° do CPC e 487° e 506° do CC.

2 . O Tribunal "a quo" não fez uma correta avaliação do sinistro. Efetivamente, se a "bicicleta" circulava pela sua hemifaixa direita, atento o sentido de marcha Marco - Alpendorada e o BD à sua retaguarda; se na estrada em que ambos seguiam - fato assente em A) - entroncam duas vias públicas - fato assente em K) e o R.te. foi embatido, "em ponto que não foi de todo possível apurar” [Cfr. ponto 16 na pág. 5 do Acórdão], pela frente do BD, a conduta do condutor do BD sempre terá que vir a ser considerada ilícita.

3 . Efetivamente, apurada a dinâmica sinistral acima enunciada, sempre haverá que ter em conta que mesmo a concluir no sentido de não ter sido possível apurar, com precisão, o local de embate - o que, por manifestamente contrário à normalidade das coisas, se não aceita, sempre haverá que ter em conta o seguinte: - que se a "bicicleta" circulava à frente do automóvel e foi embatida, das duas, uma: - ou estava a ser ilícita e indevidamente ultrapassada - existiam no local dois entroncamentos e, passe a redundância, foi a própria R.da a, na contestação, admitir que o BD encetou uma manobra de ultrapassagem - cfr. art° 8°, - ou foi abalroada pelo BD.

Assim. concluindo neste aspeto, apesar de convictos de que a colisão ocorreu na hemifaixa esquerda, em momento e que o BD efetuava manobra de ultrapassagem, ainda que assim se não entenda, há que convir que a seguinte circunstância, a seguir sublinhada, é inegável: o velocípede seguia à frente do BD e, por isso, ou foi ilicitamente ultrapassado, ou foi abalroado - hipótese esta que, a ter ocorrido, até reforça o pendor ilícito e culposo do comportamento estradal do condutor do BD.

5 . Em sede de responsabilidade pelo risco, o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação, entenderam que a matéria apurada apenas permite concluir que o acidente se traduziu num embate entre uma bicicleta a pedal e um veículo ligeiro de passageiros e que nem o R.te, nem a R.da, fizeram prova de ele ter eclodido em consequência direta e necessária de condução ilícita e culposa - concluindo, em decorrência, pela subsunção da questão ao disposto os artigos 499° a 510° CC - responsabilidade pelo risco.

6 . Embora reiterando que o litígio deveria ter sido resolvido à luz da responsabilidade civil subjetiva, uma vez que havia, e há, matéria fáctica bastante para condenar a R.da; pensamos que, mesmo a concluir-se desta forma, sempre haveria que, ao abrigo do art. 506°, n° 1, do CC, levar a cabo diferente repartição de responsabilidades.

7 . Efetivamente, apesar de estarmos em face de "colisão de veículos" (bicicleta vs automóvel), há que reconhecer que ela configura "colisão especialíssima" - e que, por essa razão, ao abrigo do princípio da igualdade (tratar de forma igualo que é igual e de forma diferente o que é diferente) [13 Vide Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 429/2010, proc. 72/10 que a propósito do princípio da igualdade nos diz: "O poder do legislador, implícito na tradicional formulação do princípio da igualdade - tratar de forma igualo que é igual e de forma diferente o que é diferente, na medida da diferença, é um poder composto, decomponível nos poderes de a) Determinar a finalidade da comparação; b) Eleger o elemento da comparação entre os sujeitos a tratar; c) Decidir quem é ou não igual; d) Definir o tratamento; e) Aplicar o tratamento, igual ou desigual]” deverá ser tratada de modo diverso relativamente a evento entre dois automóveis.

8 . O art. 506°, n.º1, do CC (o n° 2 não tem, na concreta situação sub judice, aplicação útil), que nos diz: "se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar" (sublinhado e negrito nosso).

9 . Ora, na situação presente é essencial atentar em duas relevantíssimas questões: a saber, que o embate se deu entre um automóvel e uma bicicleta e que o condutor desta ficou paraplégico, carecendo, para o resto da sua vida, da ajuda de 3.ª pessoa e, pelo contrário, de modo bem diferente, que o BD apenas partiu o para-brisas.

10 Em face de tal contexto fáctico, entendeu o Meritíssimo Juiz, com confirmação do Tribunal da Relação, ser repartição adequada, ao abrigo da equidade, a distribuição do risco fixada pelo Tribunal de 1.ª instância: 70% para o automóvel e 30% para a bicicleta.

11 . O Tribunal da 1.ª instância fundou os (70%/30%) nos seguintes termos: " .. .Sendo as viaturas colidentes, respetivamente, veículo automóvel e uma bicicleta a pedal que a maior massa e o maior peso do primeiro em relação ao segundo, independentemente das circunstâncias concretas em que a colisão se deu tiveram, necessariamente, de ter contribuído em grau substancialmente superior para os concretos danos sofridos pelo Autor do que o contributo para eles dado pela bicicleta. É que colidindo uma bicicleta com um veículo automóvel, atento o maior peso do último, à sua maior massa e até à maior velocidade que este atinge quando em confronto com a bicicleta a pedal (refira-se que pese embora não se tenha apurado a velocidade concreta a que seguiam ambas as viaturas quando se deu a colisão, tendo o embate ocorrido numa reta que, atento o sentido de marcha de ambas as viaturas, apresentava perfil ascendente - a subir cfr. fls. 410 [vide fotografias juntas com a P.I.) -, aliado à idade do Autor, que na altura já contava com 51 anos de idade - cfr. certidão de assento de nascimento de fls. 19. - tratando-se, por...

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