Acórdão nº 00638/11.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelJo
Data da Resolução13 de Janeiro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

MUNICÍPIO DO PORTO veio interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF) que julgou procedente a Providência Cautelar de Suspensão de Eficácia de Acto Administrativo, instaurada por A…, tendo em vista a suspensão do acto que ordenou o seu desalojamento de habitação em bairro municipal.

Em alegações o Recorrente formulou as seguintes CONCLUSÕES: 1 - No contexto de uma providência cautelar antes de averiguar pelo periculum in mora compete ao juiz averiguar pela existência do fumus boni iuris, pois se direito que se pretende acautelar não existe, pelo menos aparentemente, não vale a pena averiguar se existe perigo na demora do processo, pois nada há a acautelar.

2 - Decorre do artigo 8º do CC que o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio e igualmente que o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.

3 - Ora, mesmo dando de barato que as rendas que não foram pagas no período anterior à vigência desta lei não contam para despejar o aqui requerente e não poderiam servir de fundamento para que a requerente aqui apelante decidisse pela cessação da ocupação em causa nos presentes autos – no que não se consente – sempre se dirá que: A Lei em causa 21/2009 foi publicada em 20 de Maio de 2009; Entrou em vigor 30 dias depois, ou seja, em 20 Junho de 2009; O que significa que se aplica, em 2009, a factos ocorridos entre Julho a Dezembro esse ano.

4 - O que significa que o apelado deve referente a 2009 e ao aqui apelante 6 meses de renda e basta tomar em consideração estes simples dados para logo se poder concluir pela incorrecção da conclusão a que chegou o tribunal a quo.

5 - E se assim é, o aqui apelado não tem um direito a acautelar e, por isso, é manifesto que a sua pretensão principal tendente a anular o acto administrativo de cessação em causa só poderá improceder, pelo que a providência cautelar deveria ter sido indeferida sem a consequente anterior apreciação do periculum in mora, pois é manifesta a falta de procedência da pretensão principal daquele, uma vez que não falta à decisão que se pretende suspender o fundamento de facto ao qual a lei atribui relevância para a decisão de cessar a utilização do fogo.

6 - O Tribunal a quo que, ao decidir como decidiu, defende que o município é obrigado – mesmo na sua autonomia local - a ser titular de habitações usadas sem qualquer contrapartida, só porque os titulares de determinado direito à habitação não têm possibilidades económicas de pagar a taxa ou renda que devem pela ocupação da mesma.

7 - É patente que na acção principal a falta de pagamento de renda determinará a validade do acto administrativo praticado e, por isso, a apreciação do periculum in mora para além de intempestiva, foi espúria.

8 - Conclui-se que o Tribunal a quo deveria ter considerado não existir fumus boni iuris, ou seja, direito a acautelar no caso concreto e, por conseguinte, deveria, sem mais, ter indeferido a providência cautelar em causa, pelo que se impõe a revogação desta decisão e a substituição por outro que não decrete a providência em causa.

Em contra-alegação o Recorrido formulou estas CONCLUSÕES: 1 - Contrariamente ao defendido pelo apelante, na análise dos requisitos da providência cautelar conservatória, o Juiz terá de seguir o que está descrito na Lei, em que tem precedência a análise da situação concreta alegada pelo requerente cautelar, para avaliar se há uma situação de risco efectivo a acautelar.

2 - Isto é, o requisito de fumus boni iuris aparece inscrito na norma numa posição de complementaridade em relação ao requisito periculum in mora, que tem uma premência muito mais vincada na letra da norma, enquanto aquele apenas requer um juízo sumário sobre a possibilidade de o requerente vir a obter êxito no processo principal.

3 – O Tribunal a quo não se absteve de julgar, nem deixou de aplicar a lei e muito menos decidiu contra a Lei como alegado pelo apelante, antes pelo contrário, fez o que devia ao integrar a situação de doença que afecta três dos quatro elementos do agregado familiar, tratando-a de forma análoga às situações de precariedade constantes da mesma norma (cfr. Nº. 2 do artº. 10 C.C.), onde nem sequer necessitou de inovar como lhe é até consentido pelo nº3 do art. 10 C.C.

4 – De facto, tanto a lei antiga – Decreto 35106 de 1945 - que manda atender à “alteração sensível nas possibilidades económicas dos moradores”, como a lei nova – Lei 21/2009 – que manda atender a “alterações do rendimento dos ocupantes”, tem subjacente o mesmo espírito de preocupação de o senhorio do arrendamento social dever atender às situações de precariedade económica do agregado familiar quando atingido por factos capazes de afectar as suas capacidades económicas.

5 – Os factos alegados pelo requerente cautelar de doenças que afectam 3 dos 4 elementos do agregado familiar, autorizam o Tribunal a quo, em sede interpretativa (cfr art. 9 C.C.), a fazer a suficiente correspondência à letra e ao espírito da Lei, dentro da noção que é dada por Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado – vol. I – 4ª Edição, Coimbra Editora, pág. 58 no comentário ao artº. 9 CC: “O facto de o artigo afirmar que a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir dos textos, não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para esse efeito, nomeadamente do espírito da lei (mens legis)”.

6 – Na verdade o intérprete não poderá esquecer que estamos em presença de uma relação de arrendamento social, em que o senhorio é o Estado, sob...

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