Acórdão nº 0838/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Novembro de 2011
Magistrado Responsável | DULCE NETO |
Data da Resolução | 16 de Novembro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
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O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DIRECTOR GERAL DOS IMPOSTOS recorre da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, em 21 de Agosto de 2011, no âmbito do meio processual de intimação para prestação de informações que o MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE FAMALICÃO instaurou contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, e que, na procedência do pedido, intimou a Entidade Requerida a «no prazo de 10 (dez) dias prestar ao Requerente informação sobre quem são os sujeitos atingidos pela base de incidência tributária da derrama na área do Município em 2009 e a quem foi liquidado esse imposto em 2010.».
1.1.
Terminou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: I. O pedido formulado pela R. é vago e indeterminado, não permitindo à ER a exacta definição dos elementos pretendidos.
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Não dispõe a R. de qualquer poder legal de fiscalização junto da DGCI relativamente às operações administrativas por esta praticadas com intuito de liquidar e/ou cobrar tal prestação tributária, de onde resulte o direito a obter a identidade dos sujeitos passivos da derrama, assim como a identificação dos sujeitos passivos a quem esta foi liquidada, nem tão pouco a informação relativa à situação tributaria daqueles que deriva da mera comparação das listas identificativas com o universo empresarial do concelho.
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A Derrama é um imposto que incide sobre o lucro tributável das entidades sujeitas e não isentas de IRC, que corresponda à proporção do rendimento gerado na respectiva área geográfica por sujeitos passivos residentes e que exerçam a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável em território nacional.
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Para os sujeitos passivos que possuem estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria colectável superior a 50.000 euros, o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional.
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Os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.
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O sigilo fiscal abrange os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal das pessoas singulares e colectivas.
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O dever de sigilo fiscal cessa nos casos de cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, quando exista norma legal expressa para o efeito, não bastando para tal a existência de um dever geral de colaboração.
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A alínea b) do n.º 2 do artigo 64.° da LGT não é uma norma de aplicação directa, mas de remissão para outros preceitos legais que consagrem expressamente o afastamento do dever de sigilo fiscal.
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A Lei das Finanças Locais não consagra nenhuma norma que afaste expressamente o dever de sigilo fiscal, confere apenas às Câmaras Municipais o acesso a informação geral sobre a liquidação e cobrança dos impostos municipais, e sobre a transferência da respectiva receita, sem qualquer menção à obrigatoriedade de individualização dos sujeitos passivos dos referidos tributos.
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O princípio da administração aberta previsto no artigo 65° do Código de Procedimento Administrativo não afasta expressamente o sigilo fiscal, o que resulta do próprio texto legal dessa norma (vide artigo 65°, n° 1, in fine do CPA).
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O artigo 136.° do CIRC reforça, expressamente, o carácter sigiloso dos elementos constantes dos processos individuais dos sujeitos passivos de IRC.
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Estão abrangidos pelo dever de sigilo fiscal os dados relativos à situação tributária dos contribuintes, nomeadamente quaisquer informações, quaisquer elementos informatizados ou não, que reflictam de alguma forma a situação patrimonial dos sujeitos passivos da obrigação de imposto, sejam pessoas singulares ou colectivas.
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A expressão «situação tributária dos contribuintes» abrange os dados detidos pela Administração Fiscal, que, de um modo ou de outro, parcelar ou globalmente, digam da capacidade contributiva dos cidadãos.
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A decisão proferida em primeira instância condena a ER a prestar informações que permitem, directa ou indirectamente, a R obter dados relativos a situação tributária dos sujeitos passivos em geral, e a sua capacidade contributiva em especial.
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A decisão recorrida, salvo melhor opinião, limita-se a considerar o sigilo fiscal enquanto mera garantia dos interesses dos particulares, no entanto, este tutela outros valores, nomeadamente a protecção da confiança na AT por parte dos particulares, e constitui uma verdadeira condição do sucesso da actividade desta.
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Assim sendo, o tribunal de primeira instância ao decidir nos termos supra expostos não procedeu à correcta interpretação da norma legal prevista no artigo 64° da LGT.
1.2.
A Recorrida apresentou contra-alegações para sustentar a manutenção do julgado, tendo concluído do seguinte modo: 34. A Recorrida tem direito a ser informado pelo Recorrente, sobre quem são os sujeitos atingidos pela base de incidência tributária da derrama na área do Município em 2009 e a quem foi liquidado esse imposto em 2010.
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A Derrama é um imposto não estadual, consubstanciando, por sua vez, uma receita dos municípios.
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Os Municípios são os sujeitos activos da titularidade da receita proveniente da cobrança da Derrama, desencadeada por deliberação da Assembleia Municipal, podendo ir até 1,5% do lucro sujeito a IRC.
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O sigilo fiscal cessa em caso de cooperação legal entre a administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes.
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Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 64.° da LGT, a cooperação legal entre a Administração Tributária com outras entidades públicas deve desenvolver-se na medida dos seus poderes.
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A Lei das Finanças Locais confere à Recorrida o direito à informação actualizada.
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Assim, está no âmbito dos poderes da Recorrida o direito de ser informado sobre a Derrama, poderes estes conferidos pelo artigo 11.° alínea a) da Lei das Finanças Locais.
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O pedido não é indeterminado, porquanto se encontra em perfeita conformidade com os poderes atribuídos pelo artigo 11.° alínea a) da Lei das Finanças Locais, uma vez que esta atribui aos Municípios o “Acesso a informação actualizada dos impostos municipais e da derrama, liquidados e cobrados, quando a liquidação e cobrança seja assegurada pelos serviços do Estado, nos termos do n.º 4 do artigo 13.°”.
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A Recorrida pretende tão só obter as informações necessárias para o exercício pleno dos poderes sobre a Derrama que lhe são conferidos por lei, 43. Bem como a informação necessária a um bom planeamento da sua actividade, atenta a importância que a receita proveniente da derrama representa no seu orçamento.
1.3.
O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, com a seguinte argumentação: «Quer parecer que resulta violado o dever de confidencialidade actualmente previsto no art. 64.° da LGT, em que, aliás, o recorrente assenta o seu recurso, e não havendo norma excepcional que o afaste quanto ao que foi decidido — no sentido de assim ser de entender face à LGT, em que aquele dever até foi reforçado, cfr. ainda o parecer do Conselho Consultivo da P.G.R. de 27-3-2003, publicado na 2ª S. do D.R. de 20-6-2003, p. 9292 e ss.
Com efeito, o constante do art. 11.º al. a) da Lei de Finanças Locais (n.º 2/07, de 15/1) em que se prevê, a propósito, que “os municípios dispõem de (...) acesso à informação actualizada dos impostos municipais e da derrama, liquidados e cobrados”, parece não integrar excepção ao dito dever com o conteúdo constante do n.º 1 do dito art. 64.°, pois o fornecimento de dados como o nome em associação ao demais também teriam de ser incluídos, não obtém cobertura, pelo menos, de uma forma clara na dita norma da Lei das Finanças Locais.
Crê-se ainda que o entendimento contrário ao que foi aplicado é aquele que corresponde aos direitos à identidade pessoal e à reserva da intimidade da vida privada, os quais obtêm tutela constitucional no art. 26.° n.° 1 da C.R.P., em termos de envolverem também o respeito do anonimato, para além do decorrente de outros comportamentos.
Assim, parece que apenas seria possível ao dito Município obter, a propósito da derrama em causa, elementos de carácter genérico, mas sempre sem a identificação dos contribuintes a que se referem as derramas liquidadas.».
1.4.
Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir em conferência.
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Na decisão...
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