Acórdão nº 243/08.9TBPTL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução15 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

O Estado Português, representado pelo Ministério Público, propôs a presente acção declarativa de simples apreciação, com processo comum, na forma ordinária contra o Conselho Directivo dos Baldios da Facha, representado pela Junta de Freguesia da Facha, com sede em Outeiro do Rio, da mesma freguesia, pedindo que: a) - Se declare que é o proprietário do prédio sito no lugar de ........, freguesia de Facha, Ponte de Lima, denominado “casa florestal A-162”, composto por casa de rés - do - chão, cozinha, casa de banho, três divisões assoalhadas, duas arrecadações, escritório, com a superfície coberta de 106 m 2, anexo com a superfície de 15 m 2 e logradouro com cerca de 179 m 2; b) - A condenação do réu a reconhecer tal direito.

Em reconvenção, o réu peticionou que: a) - Se declare que o universo dos compartes dos baldios da freguesia da Facha são proprietários comunitários do baldio onde se situa a identificada casa, incluindo as parcelas em que a mesma foi edificada; b) - Se condene o autor a reconhecer tal direito e a restituir aos compartes essas parcelas, sem prejuízo do regime decorrente da submissão do baldio ao regime florestal e da sua integração no Perímetro Florestal de Entre Lima e Neiva.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o réu do pedido.

Por seu turno, a reconvenção foi julgada procedente e, em consequência: 1) - Declarou-se que os compartes dos baldios da freguesia da Facha são proprietários comunitários do baldio da mesma freguesia, incluindo a parcela onde foi edificada a casa florestal A-162, no lugar de ........; 2) - Condenou-se o autor a reconhecer tal direito e a restituir aos compartes essa parcela, sem prejuízo do regime decorrente da submissão do baldio ao regime florestal e da sua integração no Perímetro Florestal de Entre Lima e Neiva.

Inconformado, apelou o autor para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 11/01/2011, decidiu julgar a apelação procedente e, em consequência: 1) - Revogou a sentença recorrida; 2) - Declarou que o autor é proprietário do prédio sito no lugar de ........, freguesia de Facha, Ponte de Lima, denominado “casa florestal A-162”, composto por casa de rés - do - chão, cozinha, casa de banho, três assoalhadas, duas arrecadações, escritório, com a superfície coberta de 106 m.

2, anexo com a superfície de 15 m.

2 e logradouro com cerca de 179 m.

2; 3) - Condenou o réu a reconhecer tal direito; 4) - Julgou o pedido reconvencional improcedente.

Inconformado, o réu recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1ª - A decisão recorrida defende que o autor Estado agiu sempre com «animus domini», mas sem se apoiar em factos concretos que tenham sido dados como provados na presente acção.

  1. - Bem pelo contrário, o acórdão recorrido arrima-se à presunção de “animus” firmada pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 24/05/1996, segundo o qual, “podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”.

  2. - Para além disso, o acórdão recorrido, na esteira do Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 6/99, de 24/06/1999, e também do que foi sustentado no acórdão da Relação do Porto de 22/02/2005, conclui que “as casas de guardas florestais edificadas pelo Estado, em baldios, são propriedade deste e que as parcelas de terrenos baldios onde as mesmas foram implantadas, na estrita medida correspondente a assento de cada casa e ao respectivo logradouro, se tornam participantes da destinação pública (daquela), não podendo ser incluídas da devolução do uso, fruição e administração dos baldios aos compartes; ou seja, não podem ser englobadas na afectação dada aos baldios pelo DL n.º 39/76 e legislação posterior”.

  3. - Acontece, porém, que o autor Estado não invocou nos autos a aquisição originária por usucapião do prédio sub judice.

  4. - Não o fez, desde logo, porque bem sabia que não teve nunca “animus domini” sobre o mesmo.

  5. - Mas também não o invoca, porque é consciente, que não decorreu o necessário prazo desde 1952 até à entrada em vigor do DL n.º 39/76, de 19 de Janeiro, que no seu artigo 2º declarou fora do comércio jurídico e insusceptíveis de apropriação privada por qualquer forma ou título, considerados os prazos de 30 e 20 anos prescritos, respectivamente, no artigo 529° do Código Civil de 1867 e no artigo 1296° do Código Civil de 1966.

  6. - Desse modo, considerar que o autor Estado adquiriu por usucapião as casas de guardas florestais e as parcelas de terreno baldio onde as mesmas foram implantadas, constitui uma condenação “ultra petitum”, em frontal violação do dispositivo contido no artigo 661°, nº 1, do Código de Processo Civil.

  7. - Por outro lado, não podia a decisão recorrida amparar-se na presunção de posse sancionada pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 24/05/1996.

  8. - É que nos autos ficou provada a posse dos moradores da freguesia da Facha sobre as parcelas em causa.

  9. - Assim, tem-se por ilidida qualquer eventual presunção de posse do autor Estado.

  10. - A tese defendida pelo Parecer da Procuradoria da República n.º 6/99, de 24/06/1999, não é a que melhor subsume os factos ao direito.

  11. - A doutrina mais correcta é aquela que o mesmo Tribunal da Relação de Guimarães expendeu em Acórdão de 14/01/2008, de acordo com o qual “as parcelas de terreno baldio destacadas deste para efeitos de edificação das denominadas casas florestais e respectivo logradouro, não passam a propriedade do Estado. Tais terrenos (parcelas) estão abrangidos na devolução ao uso, fruição e administração dos baldios aos compartes a que alude o n.º 3 do DL 39/76 de 19/1”.

  12. - Doutrina essa que havia sido também sustentada pelo Acórdão de 23/03/2006 do Tribunal da Relação do Porto.

  13. - É que, de resto, o instituto que mais se enquadra na situação em análise é a do direito de superfície, como se refere no voto de vencido constante do dito Parecer n.º 6/99 do Conselho Consultivo da PGR.

  14. – O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 661°, n.º 1, do CPC, os artigos 1287° e 1296° CC e o artigo 4° da Lei n.º 68/93, de 04/09.

    O autor contra – alegou, formulando as seguintes conclusões: 1ª - Em causa no presente recurso a questão da propriedade das casas de guardas florestais edificadas pelo Estado em terrenos baldios e das parcelas de terreno onde as mesmas foram implantadas.

  15. - Como se escreve na decisão recorrida, o regime das Leis 39/76, 40/76 e 68/93 (com a redacção da Lei 89/97) visou regularizar e legalizar construções e empreendimentos privados ilegais, sendo inaplicável às casas de guardas florestais edificadas pelo Estado, parcelas em que foram edificadas e respectivos logradouros.

  16. - O recurso deve ser julgado improcedente.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: II.

    As instâncias consideraram provados os seguintes factos: 1º - No lugar de ........, freguesia de Facha, Ponte de Lima, existe um prédio, denominado “casa florestal A-162”, composto por casa de rés-do-chão, cozinha, casa de banho, três divisões assoalhadas, duas arrecadações, escritório, com a superfície coberta de 106 m.2, anexo com a superfície de 15 m.2 e logradouro com cerca de 179 m.2 (alínea A).

    1. - Esse prédio encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Facha, sob o artigo 863, sendo titular de tal inscrição o Estado Português (alíneas B e C).

    2. - O prédio em causa confronta de todos os lados com terreno baldio, que pertence a todos os compartes dos baldios da freguesia da Facha, embora se encontre sob a administração do Conselho Directivo de Baldios da Facha (alíneas D e E).

    3. - O prédio em causa foi construído pelo Estado Português, tendo a sua construção terminado em 1952 (alínea F).

    4. - Na altura, o terreno onde foi construído encontrava-se submetido ao Regime Florestal e integrado no Perímetro Florestal de Entre Lima e Neiva, por força de acto legislativo publicado no Diário do Governo, II série, de 10 de Maio de 1945 (alínea G).

    5. - O Estado construiu tal casa à vista de toda a gente, tendo-lhe dado a destinação de casa de morada de guardas florestais, o que sempre foi feito à vista de toda a gente (alíneas H, I e J).

    6. - O Estado procurou obter título para registo do imóvel em causa através do processo de justificação administrativa regulado pelo DL nº 34565, de 2 de Maio de 1945 (alínea L).

    7. - No âmbito do processo de justificação administrativa, foi publicado anúncio para citação edital de incertos, a quem pertencesse o direito de propriedade do imóvel, no jornal “Alto Minho”, e afixaram-se editais no lugar de estilo (alínea M).

    8. - Veio o Conselho Directivo dos Baldios da Facha deduzir reclamação na Repartição de Finanças de Ponte de Lima, alegando que o prédio objecto de justificação está localizado numa área de baldios, denominada “Baldios da Facha”, e que os moradores da Facha retiraram deles todas as vantagens destinadas à satisfação das necessidades diárias da comunidade, tendo-o feito com conhecimento e aceitação de toda a gente, ininterruptamente, sem oposição e na convicção de exercerem um direito comum de vizinhos (alíneas N e O).

    9. - Afirmou, ainda, que os factos alegados têm sido objecto de apreciação em processos judiciais, nos quais a reclamante sempre foi reconhecida como legítima proprietária desses terrenos (alínea P).

    10. - A construção referida na alínea H) foi feita sem oposição de quem quer que fosse (resposta ao quesito 1º).

    11. - Após a sua construção, o prédio serviu de habitação permanente dos guardas florestais que aí prestavam serviço ao Estado, bem como das respectivas famílias (resposta aos quesitos...

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