Acórdão nº 469/04 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução29 de Junho de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 469/04

Proc.º n.º 251/2004

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Bravo Serra

    Em 28 de Abril de 2004 o relator proferiu a seguinte decisão:

    “1. Nos autos de expropriação litigiosa que correu seus termos pelo Tribunal de comarca de Torres Vedras, autos esses nos quais figuram, como expropriante, A., e, como expropriado, B., e em que foi objecto de expropriação uma parcela de terreno, pertença do expropriado, foi, em 8 de Janeiro de 2002, proferida sentença que, considerando tal parcela como «solo para outros fins», fixou o montante da indemnização global em Esc. 7.996.800$00, sendo Esc. 6.720.000$00 correspondentes à parcela expropriada e Esc. 1.276.800$00 correspondentes à parcela sobrante.

    Não se conformando com o assim decidido apelou o expropriado para o Tribunal da Relação de Lisboa.

    Na alegação adrede produzida, o mesmo expropriado formulou (após convite que, para tanto, lhe foi dirigido) as seguintes «conclusões»:

    ‘1 A decisão a proferir neste recurso refere-se, essencialmente, à qualificação da parcela expropriada: solo apto para construção ou solo para outros fins, sendo certo que nos autos existem avaliações de acordo com cada um daqueles critérios:

    a. na arbitragem - que constitui a primeira instância jurisdicional neste tipo de processos -, foi proferido o Acórdão Arbitral que, classificando a parcela como solo apto para a construção, calculou a indemnização devida ao Expropriado em 25.929.600$00 (cfr. fl.77 dos autos);

    b. na sequência do recurso interposto deste Acórdão Arbitral, foi realizada a peritagem em que foram apresentados os seguintes valores indemnizatórios:

    i. os peritos designados pelo Tribunal ponderaram 2 cenários indemnizatórios:

    - classificando a parcela expropriada como terreno ‘fora do aglomerado urbano’ ou ‘solo para outros fins’, calcularam uma indemnização de 7.996.800$00 (cfr. fls. 251 e ss. dos autos);

    - se a parcela for classificada como ‘solo apto para construção’, 2 dos Peritos nomeados pelo Tribunal, os Peritos Eng. C. e Eng. D., entendem como correcto o valor determinado no Acórdão Arbitral recorrido (cfr. a Adenda ao Relatório de Avaliação a fl. 255 dos autos), isto é, 25.929.600$00 (cfr. fl. 77 dos autos ).

    ii. o perito designado pelo Expropriado, classificando a parcela expropriada como solo apto para construção, calculou uma indemnização de 39.418.000$00 se for adoptada a metodologia do Código das Expropriações de 1991, ou de 20.914.000$00 se for seguido o Código das Expropriações de 1976 (cfr. fl. 269 e ss., maxime, fl. 280 dos autos).

  2. A Sentença recorrida classificou a parcela expropriada como solo apto para outros fins e aderiu ao valor indemnizatório que os Senhores Peritos designados pelo Tribunal calcularam para essa classificação do terreno (7.996.800$00), pelo que deverá ser revogada, pois esta parcela, sob qualquer perspectiva, deve ser classificada como solo apto para a construção .

  3. A declaração de utilidade pública desta expropriação foi proferida e publicada (1990) quando ainda vigorava o Código das Expropriações de 1976.

    No entanto, como bem se decidiu na Sentença recorrida, a classificação a adoptar deve fundar-se no Código das Expropriações de 1999. Na verdade, aquele Código de 1976 foi objecto de múltiplos juízos de inconstitucionalidade que afectaram a sua estrutura essencial e impedem a sua coerente interpretação e aplicação literal, designadamente quanto à classificação dos solos a que aí se procedia - solos integrados em aglomerado urbanos, em zona diferenciada de aglomerado urbano e fora de aglomerado urbano - e respectivos critérios indemnizatórios (neste sentido a jurisprudência citada a págs. 24-25 e 26-27 das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002).

  4. A parcela expropriada não pode deixar de ser qualificada como solo apto para construção, pelas seguintes razões principais:

    a. pela classificação que o Plano Director Municipal de Torres Vedras faz deste terreno: Espaço destinado à construção da Estação Elevatória de Águas (cfr., pág. 5, e., das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002);

    b. pelo aproveitamento urbanístico determinado na declaração de utilidade pública para a parcela expropriada: construção de edifícios e infra-estruturas urbanísticas – este terreno foi expropriado para a construção de um complexo industrial denominado 'Estação Elevatória de Águas', um edifício servido por todas as infra-estruturas urbanísticas, que foi aí efectivamente construído (acerca das características deste complexo e edifício, v. págs. 5-6 das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002);

    c. pela situação urbanística da parcela expropriada: uma parcela de terreno edificada e infra-estruturada numa zona envolvente edificada e infra-estruturada - (i) a parcela situa-se a cerca de 1.200 m. da Cidade de ----------------, a cerca de 300/450 metros da povoação --------------, núcleo urbano servido por todas as infra-estruturas urbanísticas, e a cerca de 300 metros de um outro núcleo urbano constituído pelo Hospital E. e diversas moradias destinadas a habitação, também servido por todas as infra-estruturas urbanísticas (cfr., pág. 7-8 das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002); e (ii) esta zona é servida por redes de infra-estruturas urbanísticas como energia eléctrica, água, saneamento e rede de telecomunicações, fixas e móveis (cfr., pág. 8, p., das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002).

    d. A parcela expropriada integra-se num terreno que margina com via pública pavimentada a betuminoso (CM ----------) a partir da qual se faz o acesso à parcela por caminho também pavimentado a betuminoso (cfr., pág. 6, h., das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002);

    e. A parcela expropriada é hoje servida por todas as infra-estruturas urbanísticas: electricidade, saneamento, água, telefones e esgotos pluviais; e à data da declaração de utilidade pública o prédio em que se integra já era servido por via pública pavimentada dotada de rede de electricidade e telefones (cfr., pág. 6, i., das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002);

  5. Neste contexto. são decisivas as seguintes teses do Tribunal Constitucional:

    a. na classificação dos terrenos expropriados torna-se essencial verificar se o solo expropriado tem uma próxima ou efectiva aptidão urbanística (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nº. 131/88, de 88.06.08, BMJ 378/168. e nº. 52/90, de 90.03.07, BMJ 395/91).

    A parcela expropriada tem uma próxima ou efectiva aptidão urbanística, pois foi efectivamente destinada à construção de um projecto urbanístico-edificativo que implicou a construção de edifícios de carácter industrial com todas as inerentes infra-estruturas urbanísticas.

    b. O Tribunal Constitucional também considerou inconstitucional a norma do artigo 24°, n° 5, do Código das Expropriações de 1991, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para construção’ os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n° 267/97, Processo n° 460/95. DR II Série. n° 117, de 21.05.1997) - no mesmo sentido pode ainda ver-se a jurisprudência citada a págs. 34-35 das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002).

  6. A classificação da parcela expropriada como solo apto para construção independe da referência temporal a utilizar para o efeito: 1990, ano da publicação da declaração de utilidade pública, ou a data das avaliações efectuadas, em que já vigorava o Plano Director Municipal de Torres Vedras.

    Se à luz deste Plano esta classificação não oferece quaisquer dúvidas (a parcela expropriada encontra-se classificada como espaço destinado à construção de estação elevatória), também a data da declaração de utilidade pública assim o determina. Na verdade, para além das infra-estruturas urbanísticas que já então serviam a parcela expropriada (cfr., supra, conclusão 4ª), o regime jurídico-urbanístico da parcela que vigorava ao tempo da declaração de utilidade pública determina o mesmo reconhecimento da efectiva capacidade urbanística e edificativa deste terreno, pois nessa época a parcela expropriada não estava sujeita a quaisquer limitações urbanísticas (cfr. pág. 9, t., das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002) e, por outro lado, a construção da estação elevatória nesta parcela. isto é, a execução do projecto expropriante, foi determinada pela própria declaração de utilidade pública, de acordo com as normas jurídicas que vigoravam ao tempo. Daqui a necessária conclusão de que, sob pena de nos depararmos com uma obra ilegal, ao tempo da declaração de utilidade pública o Direito aplicável já permitia a construção na parcela expropriada do complexo industrial e que aí foi efectivamente construído. Assim, qualquer que seja a data referência a ponderar, um regime que permitia a construção na parcela expropriada do complexo industrial e que aí foi efectivamente construído.

    7° A classificação da parcela expropriada como solo apto para construção resulta ainda do princípio da proibição de enriquecimento sem causa da Administração Pública à custa dos expropriados. Na verdade, se a A. expropriou este terreno para dele fazer um específico aproveitamento urbanístico-edificativo não pode pretender pagar o preço de um solo puramente agrícola: se assim fosse estaria a enriquecer à custa do expropriado, pois pagaria muito menos do que teria que pagar se tivesse que adquirir o bem no mercado imobiliário de acordo com o fim que pretende. Nesta perspectiva, a justa indemnização corresponde ao valor económico de um bem e este traduz a soma de dinheiro que alguém se dispõe a pagar para adquiri-lo em função das suas aptidões e funcionalidades.

  7. O suporte constitucional das teses que ficaram expostas nas conclusões anteriores resulta, desde logo, da ideia de Estado de Direito, logo Estado de Justiça (artigo 2° da Constituição), e do princípio constitucional da justiça, compreendendo aí as necessárias justiça indemnizatória nas expropriações, igualdade...

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