Acórdão nº 93/04 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Fevereiro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 93/2004

Processo 731/03 2ª Secção

Relator ? Cons. Paulo Mota Pinto

Acordam em conferência no Tribunal Constitucional

  1. Relatório AUTONUM 1.Em 18 de Dezembro de 2003 foi proferida nos presentes autos decisão sumária de não conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto por A., melhor identificado nos autos, com o seguinte teor:

    1. Por sentença datada de 21 de Janeiro de 2003, proferida no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, foi indeferido o pedido, apresentado por A., de suspensão de eficácia do acto administrativo, proferido em 12 de Novembro de 2002, pelo Inspector-Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Direcção Regional de Lisboa, Vale do Tejo e Alentejo), consubstanciado na ordem para abandonar voluntariamente o território português, no prazo de 20 dias, nos termos do n.º 1 do art.º 100º do DL n.º 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 1/2001, de 10 de Janeiro, dado se encontrar em situação irregular em território nacional, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 99º do citado diploma legal. Lê-se nessa decisão, no que ora interessa:

    Nos termos do artigo 76°, n.° 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos a suspensão da eficácia do acto recorrido é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:

    a) A execução do acto cause provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;

    b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público;

    c) Do processo não resultam fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso.

    Tais requisitos devem verificar-se cumulativamente para que o requerimento seja procedente e devem ser invocados com factos concretos e não com meras abstracções ou conclusões [Acórdãos do STA de 9-6-92 e de 3-5-94, in Acs. Douts. 379, pág. 723, e 403, pág. 759].

    Começando pelos dois requisitos de natureza negativa, considera-se que o interesse público relevante há-de ser um interesse público concreto e não o interesse público que subjaz a toda a actividade administrativa, e de um dano de intensidade tal que ponha em causa situações jurídicas materiais fundamentais, relevantes para a comunidade na sua totalidade e para cada um dos seus membros [Neste sentido, cfr. o Acórdão do STA de 11-7-96, proferido no âmbito do Recurso n° 40.493].

    E no que tange ao terceiro requisito, trata-se, não de apreciar os vícios de que enferme presumivelmente o acto em causa, pois que tal seria já conhecer de mérito [Vd. o Acórdão do STA, de 31-7-75, in Acs. Douts. 169, pág. 519], mas a legalidade da própria interposição do recurso [tempestividade, legitimidade do recorrente e da entidade recorrida, recorribilidade do acto, etc.], como forma de se garantir minimamente que o recurso à suspensão não constitua obstáculo injustificado da acção administrativa.

    Não há, assim, ao contrário do que parece pretender o requerente, que discutir nesta sede a [i]legalidade do acto suspendendo.

    No que diz respeito em particular ao primeiro requisito, tem-se fixado tradicionalmente na jurisprudência o entendimento de que prejuízo de difícil reparação é o que se verifica quando o dano decorrente da imediata execução do acto [o que pressupõe um nexo de causalidade adequada] não seja susceptível de avaliação económica [Acórdão do STA de 8-6-78, no BMJ n° 302, pág. 299], ou esta seja excepcionalmente difícil [Acórdão do STA de 4-7-85, Acs. Douts. xxv, (1986), págs. 670-1].

    Em caso de danos não patrimoniais, tal sucede quando se trate de danos com gravidade tal que justifique a tutela do direito [cfr. o disposto no artigo 496º, n.° 1, do Código Civil].

    Como vem referido, pertinentemente, pelo Ministério Público, os prejuízos que o requerente invoca como resultando da imediata execução do despacho suspendendo ? que consubstancia uma ordem de abandono voluntário do território nacional, por permanência ilegal nele, e por isso, ao contrário do que defende a entidade requerida, directamente lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos do requerente, donde contenciosamente recorrível, ?ex vi? artigo 268°, n° 4, da CRP ? não podem relevar em sede do requisito da mencionada alínea a), uma vez que, pelo menos em face do que aqui foi alegado pelo requerente, os mesmos não resultam directa e adequadamente do acto suspendendo, mas sim do facto de o requerente se encontrar em situação de permanência irregular em território nacional.

    Foi esse ? e não outro, nomeadamente a ordem de abandono voluntário do território nacional ? o facto determinante dos prejuízos que o requerente invoca, como seja a impossibilidade de continuar a prestar a sua actividade à firma B., em cumprimento do contrato de trabalho celebrado, caso venha a ser expulso do território nacional.

    Por conseguinte, não decorrem, pois, da execução do acto suspendendo sequer os danos invocados pelo requerente.

    Daí ter de se concluir pela não verificação do requisito da alínea a) do artigo 76º, n.º 1, da LPTA.

    Donde, e em conclusão, sendo os requisitos de verificação cumulativa, como já se disse, tal basta para ter de ser indeferida a pretensão do requerente.

    1. O demandante interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo alegando que:

      (...)

      14º A Administração Pública com a sua actuação suscitou no requerente uma confiança num direito que lhe está agora a ser negado.

      15º O acto em causa vem pois modificar essa situação de facto e de direito preexistente, com todas as consequências nefastas que daí decorrem.

      16º Como tal, e porque estão preenchidos todos os requisitos previstos no art.º 76º do Dec. Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, não resulta daqui ilegalidade na interposição do recurso contencioso de anulação.

      17º Tal entendimento violaria o princípio do acesso à justiça, já que a suspensão da eficácia do acto representa a única garantia ao alcance do requerente para evitar que os efeitos já produzidos se tornem ainda mais perniciosos.

      O tribunal a quo indeferiu o pedido de suspensão da executoriedade do acto administrativo por considerar, antes de tudo, que não advém ao recorrente prejuízo considerável com a ordem de abandono do País que a notificação consubstancia.

      A prevalecer a tese constante da douta decisão recorrida teríamos instalada uma autêntica selva em Portugal, legitimando-se a notificação para a saída do País de todos os trabalhadores estrangeiros que foram contratados para trabalhar por entidades portuguesas que não cumpriram as disposições legais atinentes ao trabalho de estrangeiros.

      Há um manifesto equívoco na douta decisão recorrida quando refere, na pág. 3, in fine ?uma ordem de abandono voluntário do território nacional, por permanência ilegal nele?.

      (...)

      A causa dos prejuízos que o requerente invoca não está numa ilegalidade de que ele próprio seria o responsável, que o impede de continuar a prestar a sua actividade à empresa que o empregou.

      É que o direito ao trabalho goza de protecção constitucional e prevalece sobre a questão administrativa inerente à existência ou inexistência de visto.

      A Lei n.º 20/98, de 12/5, que regula o trabalho dos estrangeiros em Portugal, impõe à entidade patronal o depósito do contrato de trabalho, punindo com coimas o incumprimento dos normativos referidos no seu art.º 7º.

      É, porém, inquestionável, à luz desse diploma e do art.º 15º, n.º 1, da Constituição da República, que tem aplicação imediata e prevalente à luz do art.º 18º da mesma lei fundamental, que o incumprimento daqueles normativos pela entidade patronal não pode prejudicar os direitos constituídos de que sejam titulares os trabalhadores estrangeiros contratados por entidades portuguesas.

      Sustentar o contrário seria, para além de uma violação frontal do art.º 15º da Constituição, regularizar essa pouca vergonha que consiste em permitir que se celebrem contratos de trabalho com trabalhadores estrangeiros que, depois, os próprios serviços públicos destroem, por via de notificações que mais não servem do que para manter o fluxo migratório de que aproveitam as organizações mafiosas que se dedicam à canalização de novos emigrantes para Portugal.

      É por demais óbvio que ordenar a um trabalhador estrangeiro, vinculado a uma empresa portuguesa por contrato de trabalho, que abandone o País lhe causa um prejuízo irreparável.

      Não foram apresentadas contra-alegações.

      O representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo juntou parecer no sentido de ser revogada a sentença do Tribunal a quo e deferido o pedido de suspensão da eficácia do acto, porquanto:

      ?(...) os factos alegados na petição e, nomeadamente, os supra referidos, bem como os documentos que junta, são suficientemente demonstrativos dessa existência [de prejuízos de difícil reparação, a que alude o artigo 76º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos].

      Efectivamente, como demonstra documentalmente, o requerente está vinculado por contrato de trabalho a prazo renovável, a uma empresa portuguesa, pelo que, se a ordem de expulsão for imediatamente executada, não só será detido, nos termos do art.º 109º do diploma citado, como também será submetido a um processo de expulsão que culminará com a sua saída definitiva do país.

      Tal acarretará, na verdade, como consequência necessária, a perda do emprego e demais regalias que invoca, que hoje detém, com as inerentes e notórias consequências, que são do conhecimento geral, pelo que, se a ordem de abandono voluntário vier a ser considerada ilegal terá que começar tudo de novo e procurar novo emprego, o que, dada a conjuntura em que se vive, não será fácil.

      Ora os prejuízos sofridos por um cidadão na situação do requerente são manifestos, do conhecimento geral e de muito difícil reparação, já que não são quantificáveis.

      (...)

      Também não existe manifesta ilegalidade na interposição do recurso.

      Nestes termos, verifica-se a existência dos três requisitos necessários ao deferimento do pedido, constantes das...

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