Acórdão nº 695/05 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Dezembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução14 de Dezembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 695/05

Processo n.º 14/05

Plenário

Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

1.1. Pedido

O Procurador Geral da República requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 281º n.º 1 alínea a) e n.º 2 alínea e) da Constituição, 51º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro) e 12º n.º 1 alínea c) do Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 60/98 de 27 de Agosto), que declare com força obrigatória geral a inconstitucionalidade das normas constantes dos números 2, 3 e 4 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 262/2002 de 25 de Novembro, diploma que disciplina o processo de extinção da Administração-Geral Tributária, imposta pelo artigo 2º da Lei n.º 16-A/2002 de 31 de Maio. O preceito tem a seguinte redacção:

Artigo 6.º

Transição de pessoal

1 - Os funcionários a exercerem funções na AGT à data da sua extinção regressam aos respectivos serviços de origem na categoria, escalão e índice a que têm direito.

2 - O pessoal que se encontre a prestar serviço no Centro de Estudos Fiscais e Apoio às Políticas Tributárias e no Serviço de Auditoria interna é afecto, respectivamente, ao Centro de Estudos Fiscais e ao Gabinete de Auditoria Interna da DGCI, na situação jurídica que actualmente detém, sendo candidato obrigatório ao primeiro concurso externo que venha a realizar-se para ingresso na carreira que integre as funções que desempenha.

3 - A situação transitória do pessoal a que se refere o número anterior cessa com a nomeação dos candidatos aprovados para os quadros de pessoal do Centro de Estudos Fiscais ou do Gabinete de Auditoria Interna da DGCI, ou com a sua exclusão ou não candidatura ao referido concurso.

4 - Caduca o contrato individual de trabalho do restante pessoal contratado com este vínculo jurídico.

1.2. Fundamentos do pedido

O Procurador-Geral da República alegou, em suma, o seguinte:

- O artigo 6º deste Decreto-Lei contém normas atinentes à “transição de pessoal”, dispondo – n.ºs 2 e 3 – que o pessoal afecto a certos serviços da AGT (Centro de Estudos Fiscais e Apoio às Políticas Tributárias e Serviço de Auditoria Interna) transita para os serviços correspondentes da DGCI, na situação jurídica que detinha, sendo, porém, candidato obrigatório ao primeiro concurso externo que se realize para ingresso na carreira que integre as funções que desempenha – e cessando tal situação transitória ou com a nomeação, se aprovado for no concurso, ou com a respectiva exclusão ou não candidatura ao mesmo.

- Por outro lado, dispõe o n.º 4 do citado artigo 6º – quanto ao pessoal que estivesse sujeito ao regime do contrato individual de trabalho (cfr. artigo 26º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 376/99 de 21 de Setembro) – que a extinção da AGT determina a caducidade de tal vínculo.

- Tendo o Decreto-Lei n.º 262/2002, de 25 de Novembro, sido editado no exercício da competência legislativa própria do Governo, estava-lhe vedado dispor inovatoriamente sobre o regime da relação de emprego público, bem como sobre o destino das relações laborais privadas existentes no âmbito da entidade pública extinta, já que tais matérias se situam na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, por incidirem sobre direitos fundamentais dos trabalhadores e respeitarem às bases do regime e âmbito da função pública (alíneas b) e t) do n.º1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa).

- Assim – e no que respeita ao regime estatuído nos n.ºs 2 e 3 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 262/2002 – verifica-se que se criou, para todo o pessoal que estivesse a prestar serviço no Centro de Estudos Fiscais e no Serviço de Auditoria Interna e que não devesse regressar aos respectivos serviços de origem, nos termos do n.º 1 – sem qualquer distinção no que toca à concreta situação jurídica do agente e à natureza do vínculo existente com a Administração – um ónus de submissão ao primeiro concurso público de ingresso para funções equiparáveis, sendo “sancionado” com a cessação da relação jurídica de emprego, quer a não candidatura, quer a exclusão no referido concurso.

- Ora à data da edição do Decreto-Lei n.º 262/2002 de 25 de Novembro, a problemática da colocação e afectação de pessoal, no caso da extinção de serviços, estava já prevista e regulada no Decreto-Lei n.º 193/2002 de 25 de Setembro, regulando os artigos 8º, 9º e 10º e seguintes os mecanismos de colocação, afectação ou integração do pessoal no “quadro de supranumerários”, não se prevendo aqui qualquer “dever de apresentação” a concurso de ingresso, cujo incumprimento fosse sancionado com a perda ou extinção da relação de emprego com a Administração (cumprindo, aliás, notar que o artigo 12º, alínea h), desse diploma legal apenas prevê um “direito de apresentação a concurso”, mesmo em relação a agentes inseridos nos quadros de supranumerários).

- Deste modo – e após a vigência do Decreto-Lei n.º 193/2002 de 25 de Setembro (que se iniciou no dia seguinte ao da sua publicação) – não é lícito ao Governo, em diploma que opera e regula a extinção de certo serviço ou organismo administrativo, afastar-se – no que toca ao regime de colocação, afectação ou reintegração de pessoal – do quadro normativo básico traçado no referido Decreto-Lei n.º 193/2002, publicado no exercício da autorização legislativa outorgada pela Lei n.º 16-A/2002 de 31 de Maio.

- Pelo que os n.ºs 2 e 3 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 262/2002, ao instituírem um mecanismo de “concurso obrigatório” para todos os agentes de certos serviços extintos, cujo insucesso é susceptível de ditar o termo da relação de emprego público, inova no quadro normativo criado pelo Decreto-Lei n.º 193/2002, padecendo, desde logo, de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto nas alíneas b) e t) do n.º1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa.

- Por outro lado – e no que respeita ao regime de caducidade “automática” das relações laborais de direito privado, existentes no âmbito dos serviços e organismos extintos, instituída pelo n.º 4 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 262/2002 – ocorre idêntica violação de normas e princípios constitucionais.

- Na verdade – tendo este regime sido editado antes da vigência da Lei n.º 23/2004 de 22 de Junho, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública – estava o Governo, ao regular o processo e os efeitos da extinção de qualquer ente público, vinculado à disciplina do contrato individual de trabalho, não podendo criar um regime de verdadeiro despedimento “colectivo” específico e sem contemplação da indemnização devida, nos termos gerais da legislação laboral, aos trabalhadores afectados.

1.3. Resposta do autor da norma

Notificado do pedido, veio o Primeiro-Ministro responder, alegando, no que respeita à pretensa inconstitucionalidade dos n.ºs 2 e 3 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 262/2002, substancialmente o seguinte:

- A arguição de inconstitucionalidade orgânica carece manifestamente de procedência, já que o requerente terá procedido a uma interpretação incorrecta das normas em causa.

- O sentido que decorre do n.º 3 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 262/2002, conjugado com o n.º 2 da mesma disposição consiste, muito simplesmente, na regra segundo a qual a aprovação no concurso mencionado no número anterior constitui um requisito obrigatório, não para a manutenção da relação de emprego público, mas sim para o ingresso definitivo do pessoal oriundo da extinta AGT nas correspondentes carreiras do Centro de Estudos Fiscais e do Gabinete de Auditoria Interna da DGCI.

- Se, de acordo com as referidas normas, a afectação do sobredito pessoal aos mencionados serviços da DGCI assume carácter transitório até à realização do concurso, verifica-se que o único efeito que pode resultar para aqueles que se não candidatarem ou que candidatando-se, ficaram excluídos desse concurso, é a sua dispensa do exercício de funções nesses serviços e o seu ingresso no quadro de supranumerários.

- Isto porque, sendo as duas normas sindicadas omissas sobre as consequências da não candidatura ou da não exclusão do mesmo pessoal no concurso externo que venha a ser realizado haverá que buscar essas mesmas consequências.

- O Decreto-Lei n.º 193/2002 de 25 de Setembro abrange, de acordo com o disposto no seu artigo 3º, “os funcionários e agentes dos serviços que sejam objecto de extinção, fusão ou reestruturação, independentemente de se encontrarem em exercício transitório de funções noutros serviços (…)” situação aplicável ao pessoal oriundo da extinta AGT e que tenha sido afecto ao Centro de Estudos Fiscais e Gabinete da Auditoria Interna da DGCI.

- De acordo com o artigo 7º do mesmo diploma “É criado junto da secretaria-geral de cada ministério ou do departamento de recursos humanos, quando exista, um quadro de supranumerários, para afectação de pessoal que, em resultado da extinção, fusão, ou reestruturação de serviços não seja directamente colocado noutro serviço”.

- Por outro lado, o n.º 2 do artigo 8º desse Decreto-Lei reza que “nos casos de extinção ou fusão de serviços em que haja transferência de atribuições, no todo ou em parte, a transição do pessoal para os novos serviços faz-se na medida das necessidades destes e em lugares automaticamente aditados aos respectivos quadros de pessoal, quando não existam vagas disponíveis para o efeito”.

- Ora, no caso concreto, verificam-se os pressupostos fixados na primeira parte do n.º 2 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 193/2002, já que a extinção da AGT implicou, por força do n.º 4 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 366/99 de 18 de Setembro e nos termos da redacção que lhe foi dada pelo artigo 2º do Decreto-Lei n.º 262/2002, que as áreas da investigação tributária e da auditoria interna passassem a ser respectivamente prosseguidas em termos funcionais pelo Centro de Estudos Fiscais e pelo Gabinete de Auditoria Interna da DGCI.

- A transição do pessoal foi regulada de modo a processar-se:

a) Na “medida das necessidades” destes...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT