Acórdão nº 83/08.5JAFUN.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução30 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

1 I. RELATÓRIO 1.

Na 1.ª secção da Vara de Competência Mista do Funchal, no âmbito do processo comum colectivo n.º 83-08.5JAFUN, foram julgados, entre outros, os arguidos AA, BB e CC, identificados nos autos, estando os dois primeiros presos preventivamente à ordem dos presentes autos, respectivamente, desde 24-07-2009 e 12-02-2009, e a arguida CC, primeiramente presa preventivamente, agora sujeita à medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, todos eles acusados de prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos, 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas b), c) e j) e ainda (os arguidos DD e CC) a alínea i) do DL 15/93, de 22/01.

No final, foram condenados, o arguido AA, pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, mas apenas pelas circunstâncias das alíneas b) e c) do art. 24.º, na pena de 10 anos de prisão, e os outros dois arguidos, também pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado pelas circunstâncias das alíneas b), c) e i) do art. 24.º, na pena de 10 anos de prisão, por cada um deles.

Em concurso real com o crime de tráfico de estupefacientes, foi ainda o arguido AA condenado pelo crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, alínea d) e n.º 3 do CP, na pena de 10 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de 10 anos e 3 meses de prisão.

  1. Inconformados com a decisão, todos os referidos arguidos recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo visto os seus recursos não providos e confirmada totalmente a decisão recorrida.

  2. Ainda inconformados, os arguidos recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as respectivas motivações da seguinte forma: A) - O arguido AA: 1. O recorrente foi condenado pela 1ª Secção da Vara Mista do Tribunal do Funchal a uma pena única de 10 anos e 3 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na forma agravada p. e p. pelos art°s. 21°., n°. 1 e 24°., alíneas b) e c) do Dec.-Lei n°. 15/93, de 22 de Janeiro e de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art°. 256°., n°. 1, alínea d) e n°. 3 do Código Penal, decisão esta mantida pela decisão ora recorrida.

  3. Concluiu a decisão recorrida que o ora recorrente pugnou pela nulidade das intercepções telefónicas valoradas pelo Tribunal de 1ª. Instância, com fundamento no facto de ter sido violado o disposto no art°. 187º. do Código de Processo Penal.

  4. Contudo, não foi esse o fundamento adiantado pelo recorrente, mas sim, o facto de as escutas telefónicas terem sido quer o único meio de obtenção de prova em sede de investigação na fase de inquérito, quer as respectivas transcrições terem sido a única prova em que o Tribunal de 1ª Instância alicerçou a decisão.

  5. O que o recorrente alegou foi que as intercepções telefónicas só por si, desacompanhadas de qualquer outro meio de prova não podem levar — como levaram no caso dos autos -— à condenação.

  6. Sobre tal questão não se pronunciou o Tribunal, pelo que o respectivo acórdão se encontra ferido da nulidade prevista na alínea c) do n°. 1 do art°. 379°. do Código de Processo Penal, que ora se suscita.

  7. No decurso do processo suscitou o ora recorrente a nulidade da busca domiciliária à sua residência no Funchal, em 12 de Outubro de 2008, questão apreciada no acórdão recorrido.

  8. No entanto, a argumentação expendida pela Veneranda Relação de Lisboa é falaciosa e distorce despudoradamente a questão da invocada nulidade, ora em apreço, escamoteando, à custa desses argumentos, a legalidade e validade da busca, já de si frágeis, conforme se lê da fundamentação da decisão da 1ª instância.

  9. Os factos dados por provados no acórdão de 1ª. instância e confirmados pela Relação de Lisboa, apesar de se referirem ao momento da busca domiciliária não espelham os acontecimentos tal como se verificaram no dia 12 de Outubro de 2008, só tendo sido possível configurá-los desta forma, após a produção da prova efectuada na audiência de discussão e julgamento.

  10. Modestamente se entende que, não pode ser com referência ao momento do julgamento ou à prova que nele é produzida, que se pode aferir da validade e legalidade da busca, mas sim no exacto momento em que esta ocorre, ou seja, em 12 de Outubro de 2008.

  11. No dia 12 de Outubro de 2008, a busca à residência da casa do ora recorrente foi efectuada com o consentimento de quem não era o titular do direito à habitação e que não era o visado da busca.

  12. Os inspectores da Policia Judiciária, se julgavam haver suspeitas quanto à existência de elementos de prova no interior da residência visada para a investigação em curso, e estando na posse do conhecimento de que o titular do direito a permitir, ou não, validamente, a busca seria o ora recorrente, o qual se encontrava no Continente, deveriam antes, ter dado cumprimento ao disposto no n°. 6 do art°. 174°. por remissão do n°. 4 do art°. 177°., ambos do Código de Processo Penal.

  13. Efectivamente, foi um outro co-arguido quem autorizou a busca, o qual não era, nem no momento, nem em qualquer outro, nem o titular do direito de arrendamento, nem o visado da busca, nem habitava a casa.

  14. Acresce que o caso dos autos não é enquadrável em qualquer das situações previstas nas alínea a) a c) do n°. 5 do art°. 174°. do Código de Processo Penal, porquanto, no momento da busca, não estava em causa a iminência de qualquer tipo de crime que pusesse em perigo a vida ou integridade de quem quer que fosse.

  15. No momento da efectivação da busca não estava, igualmente, em causa situação de flagrante delito e a mesma visava a residência do ora recorrente, sendo mesmo este identificado como o “buscado”, não tendo o mesmo dado autorização para tal acto, não estando, sequer presente no local.

  16. Na ausência de pressupostos que justificassem a necessidade da busca no momento em que foi realizada, deveriam os inspectores da Policia Judiciária ter preservado o local, impedindo o acesso ao mesmo a terceiros — mecanismo a que poderia ter recorrido ao abrigo do disposto no art°. 171°., n°. 2 do Código de Processo Penal, e obtido o competente mandado de busca, o que não aconteceu.

  17. A ter-se verificado a busca como se efectuou esta carecia imperativamente de validação judicial, o que não ocorreu em momento nenhum da investigação.

  18. Caso se entenda que o consentimento para a realização de busca domiciliária possa ser prestado, no momento da sua efectivação, por pessoa diversa do visado, titular do direito, sem que a mesma seja judicialmente ordenada ou validada, então, o disposto no art°. 174°., n°. 5, alínea b), deverá ser declarado inconstitucional, por violação do art°. 34°., n°. 2 da Constituição da República Portuguesa.

  19. Verificada a falta de consentimento válido, por ter sido dado por quem para tal não tinha legitimidade, para a busca realizada a mesma deve ser declarada nula, írrita e de nenhum efeito, não podendo, por isso, serem valoradas as provas obtidas em resultado da mesma.

  20. Na fixação da medida da pena é necessário elencar, relacionando-as, a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se, para isso, em conta os quadros agravativos e atenuativos, sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade.

  21. Atentos os factos provados, e a esses teremos de nos reportar, há que valorar, para aferir e determinar a medida da pena, o grau de culpa do agente — devendo o facto ilícito ser valorado em função do seu efeito externo - e, por outro lado, atender às necessidades de prevenção, como dispõe o art. 71° do Código Penal.

  22. Na determinação da medida da pena há que, num primeiro momento, escolher o fim da pena, depois há que fixar os factores que influem no seu doseamento, tecendo-se, por fim, os considerandos que fundamentam a pena concreta aplicável, cfr. ad. 71° n.° 3 do Código Penal.

    22.0 Tribunal a quo entendeu ser “justa a pena de 10 anos de prisão para o tráfico de droga e 9 meses para a falsificação” pelas razões apontadas a fls.

    5937 e 5938, mas não teve em consideração, como impõe o artº. 71°., n°. 2, alínea d) e e) do Código Penal as suas condições pessoais e situação económica, bem como a sua conduta anterior aos factos dos autos, fazendo tábua rasa do vertido no Relatório Social junto aos autos.

  23. Nos termos do art. 71° n.° 2 al. c), d) e e) do CP, o Tribunal deveria ter atendido a essas mesmas circunstâncias, além de outras, para a determinação da medida da pena, o que não fez.

  24. Da mesma forma agiu o Tribunal a quo na apreciação da determinação a medida única da pena, obliterando o disposto no art°. 77°., n°. 1.

  25. Ainda que se respeite a livre apreciação da prova e a convicção do Tribunal assiste ao ora recorrente, o direito de exigir que o(s) Acórdão(s) que determinam e confirmam a sua condenação — em especial a privação da sua liberdade — seja criteriosamente fundamentado e se sustente em factos que, por si só, permitam valorar o grau de ilicitude e a intensidade do dolo.

  26. Tal como não fundamentou, na perspectiva da defesa, a culpa do ora recorrente, também descurou o Tribunal a quo, na determinação das exigências de prevenção, nomeadamente, as exigências de prevenção especial.

  27. Mostra o ora recorrente o ensejo e desejo da sua reintegração na sociedade e em viver de acordo com as regras e as leis impostas.

  28. Nesse sentido se pronunciou a técnica dos Serviços de Reinserção Social, avaliando o ora recorrente como alguém que apresenta competências sociais e familiares que o habilitam para, uma vez em liberdade, retomar um modo de vida ajustado e de acordo com os ditames da sociedade e da Lei.

  29. Obliterou o Tribunal recorrido que as penas têm como fim -— para além da protecção dos bens jurídicos -— a reintegração do agente do crime na sociedade, tendo, por isso, carácter ressocializador.

  30. Ora, 10 anos e 3 meses de prisão é uma pena objectivamente muito longa, a qual, no caso do recorrente aparenta ser excessiva e desadequada à sua personalidade, pelo...

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