A política de proteção do consumidor no sistema de integração regional do Mercosul La politique de protection du consommateur dans le système d’intégration régionale du Mercosud

AutorRoberto Grassi Neto
CargoProfessor e Coordenador do Núcleo de Pesquisa do Curso de Mestrado da Faculdade Autônoma de Direito (FADISP); Mestre em Direito Agrário e Doutor em Direito do Consumidor pela Universidade de São Paulo (USP); Diretor da Comissão Permanente de Responsabilidade Civil do Fornecedor do Brasilcon (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor)
1. A formação dos blocos regionais

A concepção clássica de comunidade internacional historicamente sempre veio atrelada à idéia de que a soberania dos Estados que a compõem se reveste de caráter absoluto, intangível. Sob tal ótica, os interesses isoladamente considerados imperam, na medida em que tais Estados não têm, pairando sobre seus ordenamentos jurídicos, nenhuma ordem que lhes seja superior e, como conseqüência, as relações entre eles dão-se em plano meramente horizontal.

A nova ordem sócio-econômica mundial, porém, tem sido marcada pelo fenômeno da integração, que é baseado em modelo comunitário, atualmente atingido em sua plenitude apenas pela União Européia, no qual os Estados limitam sua soberania, delegando-a a um poder supranacional, que com eles se relaciona verticalmente.

O sucesso do sistema vem tornando real a perspectiva de evolução do quadro sul-americano, que assumidamente teve na experiência européia sua fonte de inspiração, em direção ao surgimento de pólos regionais, que são verdadeiras estruturas supranacionais envolvendo países que, embora diversos, possuem inúmeras características comuns.

1.1. As Fases de Integração Econômica

No caminho da integração econômica, diversas são as etapas intermediárias existentes entre a mera cooperação e o modelo comunitário: Zona de Livre Comércio, União Aduaneira, Mercado Comum, União Econômica e Monetária1

Os textos legais nos fornecem a conceituação de alguns deles.

A idéia de zona de livre comércio, por exemplo, é mencionada no artigo XXVI do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT)2, como sendo: “Um grupo de dois ou mais territórios aduaneiros entre os quais se eliminam os direitos de aduana e as demais regulamentações comerciais restritivas (...) com respeito ao essencial dos intercâmbios comerciais dos produtos originários dos territórios constitutivos de dita zona de livre comércio”3.

O conceito de União Aduaneira pode igualmente ser encontrado no texto do acordo do GATT. Nesta, os países integrantes, além de abrirem suas fronteiras internas, baixando a zero a tarifação entre os países-membros, fixam uma tarifa externa comum para produtos importados de terceiros países4. Atualmente é esse o estágio no qual se encontra o Mercosul, do qual participa o Brasil.

A etapa relativa ao estabelecimento de um mercado comum corresponde a uma fase mais elaborada, na qual se faz presente a livre circulação de bens, desfazendo-se totalmente as barreiras alfandegárias; a livre circulação de pessoas, de forma que o nacional de um Estado-membro pode transitar pelos demais Estados-membros com total liberdade; a livre circulação de serviços e a liberdade de estabelecimento, complementando a liberdade anterior, permite às pessoas estabelecerem-se e prestarem serviços em qualquer dos países-membros; e por derradeiro, a liberdade de capitais, de certo modo também inerente às anteriores, uma vez que a liberdade de circulação e de prestação de serviços pressupõe a necessidade de ausência de barreiras à circulação do capital necessário a tal prestação.

A União Monetária, por sua vez, é a etapa derradeira do processo de integração, na qual os Estados participantes adotam uma moeda única. Este é o estágio no qual a União Européia ingressou com a adoção do Euro.

1.2. A criação do Mercosul: dos primórdios ao Tratado de Assunção e os Protocolos de Brasília, de Ouro Preto e de Olivos

A 26 de março de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram o Tratado de Assunção, instituindo o Mercado Comum do Sul – MERCOSUL, com fins à integração regional dos Estados Partes, condição fundamental para a ampliação das dimensões dos respectivos mercados nacionais e para o desenvolvimento econômico acompanhado de justiça social5.

O tratado internacional determinou a implementação inicialmente de uma união aduaneira, dotada de tarifa externa comum para os produtos importados de países dela não participantes, e regida por um regime de livre circulação de bens, de serviços e de fatores produtivos. Foram estabelecidas, além disso, a adoção de política comercial comum, a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, e a harmonização de legislações nas áreas pertinentes6.

O Tratado de Assunção, contudo, prevê não apenas normas aduaneiras, mas traça políticas comuns de atuação, deixando nítida a tendência de seguir os passos dados na Europa, no sentido de uma uniformização econômica e jurídica7.

Complementam-no os Protocolos de Brasília, de Ouro Preto, e de Olivos. O primeiro, assinado em 17 de dezembro de 1991, instituiu a solução dos litígios por um Tribunal Arbitral. Em 2002, o Protocolo de Brasília foi derrogado pelo Protocolo de Olivos, segundo o qual, na hipótese de falharem as negociações diretas entre os Estados-Partes, a questão poderá ser levada a Tribunal Arbitral ad hoc, de cuja decisão caberá recurso para um Tribunal Arbitral permanente. Assinado em 17 de dezembro de 1994, o Protocolo de Ouro Preto, por sua vez, ratifica a união aduaneira e conferiu uma nova estrutura jurídico-institucional, mais abrangente, ao Mercosul.

Com efeito, compromissado com a consolidação da democracia, com a segurança jurídica, com o combate à pobreza, com o equânime desenvolvimento econômico e social, e com a proteção do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, o Mercosul passou a ser, a partir do Protocolo Adicional de Ouro Preto, dotado de personalidade jurídica internacional8. Sua estrutura jurídico-institucional foi, enfim, configurada, sendo composta pelos seguintes órgãos decisórios, de natureza intergovernamental: o Conselho do Mercado Comum (órgão superior, ao qual é atribuída a condução política do processo de integração); o Grupo Mercado Comum (órgão executivo), e; a Comissão de Comércio do MERCOSUL (órgão de assistência ao Grupo Mercado Comum). Constituiu-se ainda uma Comissão Parlamentar Conjunta (órgão representativo dos Parlamentos dos Estados-partes no âmbito do Mercosul), que dentre outras tarefas deverá coadjuvar na harmonização de legislações, tal como requerido pelo avanço do processo de integração.

Caracterizado, em sua fase atual, como sendo uma zona de livre comércio e uma união aduaneira, o Mercosul aspira a alcançar etapa em que possa vir a constituir mercado único, gerador de um maior crescimento das economias dos Estados-Partes, mediante aproveitamento do efeito multiplicador da especialização, das economias de escala e do maior poder de negociação do bloco.

2. A proteção ao consumidor no Tratado de Assunção e nos Protocolos de Brasília, de Ouro Preto, de Olivos e de Santa Maria

No âmbito do Direito do Consumidor, inexiste no Tratado de Assunção, assim como nos Protocolos de Brasília, de Ouro Preto e de Olivos, qualquer dispositivo prevendo especificamente mecanismos comuns de desenvolvimento das estruturas de proteção ao consumidor no Mercosul. Como bem mencionou o atual Diretor de Assuntos Jurídicos Internacionais da OEA, à época em que era coordenador jurídico da Consumers International, Jean Michel Arrigh, o consumidor foi o grande esquecido na assinatura do Tratado de Assunção de 1991.

Ao instituir o Mercosul, todavia, o Tratado De Assunção estabeleceu em seu artigo 1°, ainda que de modo meramente genérico, a coordenação de políticas macroeconômicas entre os Estados-Partes em diversos setores, dentre os quais pode-se incluir aquele referente às relações de consumo9. Mais adiante, em seu artigo 5°, o legislador do Tratado de Assunção estabelece, ainda, que tal coordenação de políticas macroeconômicas constitui, ao menos no período inicial, um dos principais instrumentos para o estabelecimento do mercado comum10.

Mais recentemente, em 1996, foi assinado o Protocolo de Santa Maria, ainda não em vigor, adotando regras comuns sobre jurisdição internacional em matéria de relações de consumo derivadas de contratos entre fornecedores de bens ou prestadores de serviços e consumidores ou usuários.

3. Os trabalhos do CT-7 e o “Regulamento Comum para a Defesa do Consumidor”

A política de proteção e defesa do consumidor no âmbito do Mercosul empresta especial ênfase a mecanismos de harmonização normativa, dentre os quais assumiu destaque a realização de antigo projeto dos Estados Partes, consistente na edição de um "Regulamento Comum para a Defesa do Consumidor”.

Sua elaboração era um dos objetivos do "Programa de Ação do MERCOSUL até o ano 2000", aprovado em 1995, e ficou a cargo de Comitê Técnico 7 (CT-7), cujo trabalho culminou, em 1996, na edição de uma série de Resoluções do Grupo Mercado Comum (GMC) abordando conceitos, direitos básicos, proteção à saúde e segurança, publicidade e, por fim, a garantia contratual.

As Resoluções são as seguintes: Resolução GMC 123/96 -...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT