Acórdão nº 710/2007-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Abril de 2007

Magistrado ResponsávelLUÍS ESPÍRITO SANTO
Data da Resolução17 de Abril de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ).

I - RELATÓRIO.

Maria Teresa […] requereu inventário judicial por óbito de Maria de Assunção […], verificado em 26 de Dezembro de 1961.

Por testamento outorgado em 29 de Abril de 1949, no […] Cartório Notarial de Lisboa, Maria de Assunção […] dispôs de todos os seus bens, através da instituição de diversos legados, determinando que, se à data do seu falecimento, já tivesse falecido qualquer dos legatários beneficiários do testamento, os bens que constituíssem o respectivo legado reverteriam a favor dos herdeiros testamentários ou legítimos destes.

A requerente identificou os legatários que sobreviveram ao de cujus e os herdeiros dos legatários pré-falecidos.

Por despacho de fls. 179, foi nomeada para desempenhar as funções de cabeça de casal Maria Júlia […].

Prestou juramento e declarações, conforme acta de fls. 183 a 208.

Foi apresentada a relação de bens de fls. 237 a 248.

Foi ordenada a citação dos interessados, nos termos e para os efeitos do art.º 1341º e 1348º, do Cod. Proc. Civil ( cfr. fls. 314 ).

Veio o interessado Luís […], a fls. 389 a 392, requerer a exclusão do inventário das verbas relacionadas sob nºs 18 a 22.

Apresentou a cabeça de casal Maria Júlia […] a resposta constante de fls. 459 a 465.

Por despacho judicial de fls. 598 a 601, datado de 6 de Janeiro de 2006, decidiu-se que a requerente Maria Teresa […], por ser legatária e não herdeira do de cujus, não tinha legitimidade para requerer o presente inventário, o qual, por este motivo, se indeferiu.

Apresentou Maria Teresa […] recurso desta decisão, que foi admitido como de agravo ( cfr. fls. 624 ).

Juntas as competentes alegações, a fls.630 a 645, formulou Maria Teresa […] as seguintes conclusões : 1º - A razão de ser deste inventário está no facto da maior parte das pessoas indicadas pela requerente como interessadas a notificar no âmbito dos presentes autos de inventário serem-no na qualidade de herdeiros ( sobrevivos ) legais, legitimários ou testamentários dos primitivos beneficiários ( e ascendentes entretanto falecidos ) do testamento da inventariada.

  1. - A requerente é também um dos vários herdeiros que, entretanto, herdaram dos seus ascendentes já falecidos.

  2. - Falecidos que, por sua vez, tinham herdado os imóveis ( legados e agora partilhados ) após o óbito das primitivas legatárias, Emília […] e Cândida […], cujos legados estas tinham recebido por testamento da irmã ora inventariada Assunção […], porque esta foi a primitiva dona e deles dispôs a favor das suas identificadas irmãs.

  3. - Os bens partilhandos são todos provenientes do património da inventariada.

  4. - Será até mais claro, explícito e cómodo descrever as sucessivas transmissões operadas, tal como se fez, no sentido de montante ( autora dos legados ) até jusante ( herdeiros vivos dos ascendentes entretanto falecidos mas que tinham herdado os legados após o óbito das duas legatárias primitivas ), do que estarem a ser requeridas sucessivas cumulações de inventários por óbitos de numerosos herdeiros das primitivas legatárias, cujos herdeiros vivos destas não se entendem quanto à partilha, como já dos autos se vê ( contudo, a ser entendido como sendo formalmente mais correcto a cumulação de inventários fazer-se, justificar-se-á, então, a aplicação dos artsº 476º ou 508º, nº 4, do Cod. Proc. Civil, facultando-se à requerente a apresentação de nova petição inicial, em novos moldes formais, isto é, requerer a cumulação de inventários por óbito dos herdeiros, falecidos, daquelas duas legatárias ).

  5. - Estas foram as razões práticas porque assim se procedeu e foi instaurado o presente inventário judicial por óbito de Maria de Assunção […] nos moldes constantes da petição.

  6. - Nestes casos - herança toda distribuída em legados - os legatários são concebidos como um tertium genus, mais próximos do conceito de herdeiros do que de legatários, pois o património pulveriza-se em tantos patrimónios menores quanto os legados. Cada um destes passa a ser uma universalidade mais reduzida, com o seu activo e o seu passivo. Basta dizer isto para ver como o legatário se aproxima então do herdeiro. O legatário torna-se sucedâneo do herdeiro que falta. O legatário já não é credor. É devedor à semelhança do herdeiro ; é ele quem sucede no passivo, a cujo pagamento tem de proceder, embora inter vires legati.

  7. - É de inferir que o nosso vigente ordenamento sucessório não só criou um regime especial para a distribuição de todo o activo patrimonial em legados, como prescindirá da presença do herdeiro nessas situações.

  8. - Temos a existência de dois sistemas diferentes de regular a sucessão por morte, no nosso Direito : Um, alicerçado no direito romano, o ordenamento mantém a unidade do património do de cujus, destinando-o a ser adquirido pelos herdeiros, que não só administram o património em que sucedem, como cumprem os legados dispostos pelo testador. O outro, destrói essa unidade, pulverizando o património do de cujus pelos vários sucessores, que são apenas legatários. Na ausência de um herdeiro, são os legatários os responsáveis pelo pagamento das dívidas do falecido e os encarregues da administração do seu património, o que, efectivamente, os aproxima muito da figura do herdeiro.

  9. - Daí que, em hipóteses como a ora em apreço, tenha toda a actualidade, validade e sobretudo pertinência, na actualidade normativa sucessória vigente, o entendimento do Dr. Pedro Cluny sobre o alcance da expressão interessado ( art.º 1327º, do Cod. Proc. Civil, conceito mais amplo do que o de herdeiro ou outro ) no inventário em que toda a herança é distribuída em legados ; pois que considera ter o legatário legitimidade para requerer o processo de inventário judicial dado o seu manifesto interesse directo em ver definida a sua situação sucessória, quer quanto ao passivo, quer quanto aos demais aspectos e implicações da herança.

  10. - Já que está prescindida a presença de um herdeiro em hipóteses como a em apreço, já que o Direito Português, tal como a legislação internacional, oferece hoje a...

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