Acórdão nº 85047/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelARNALDO SILVA
Data da Resolução06 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os juízes, em conferência, na 7.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

Relatório: 1. O arrendamento do 2.º andar Esq. […] Odivelas, celebrado em 01-10-1985 entre a J. […] Ld.ª e Carlos […], não caduca face à venda judicial em sede de execução, bem como não há lugar à sua resolução, pois que o arrendamento do imóvel penhorado foi celebrado em data anterior à penhora, não frustra a expectativa dos credores e não cessa com a sua venda em execução, e nunca foi resolvido por nenhuma das partes, e o arrendatário continua a habitá-lo com a sua esposa e três filhos.

Em 12-01-2005 o arrendatário foi confrontado com a diligência judicial de entrega judicial do andar arrendado e até esta data não sabia do objecto da execução. O despacho de fls. 575 que ordena a entrega do andar arrendado à exequente Caixa […] é nulo, porque é omisso quanto à posse do arrendatário e é omissão de questão que o Tribunal deveria conhecer.

Com base nestes fundamentos e de que é terceiro, e de que os embargos de terceiro são tempestivos, nos termos do n.º 2 do art.º 353º do Cód. Proc. Civil, e por apenso aos autos de execução com forma ordinária que a exequente a Caixa […] (antes Caixa Económica de Lisboa) move contra a executada J. […] Ld.ª, veio Carlos […] residente no dito 2.º Esq.º […]Odivelas, deduzir contra a exequente a Caixa Económica […] embargos de terceiro.

Pede que sejam recebidos os embargos de terceiro e que seja ordenada a suspensão dos autos, nos termos do art.º 356º do Cód. Proc. Civil, que seja declarada a nulidade do despacho de fls. 575 que ordena a entrega ao exequente da fracção […]; e que seja reconhecido o direito de arrendamento da embargante.

* 2. Após as diligências probatórias, na fase introdutória, os embargos foram recebidos, e foram notificadas as partes primitivas para, querendo, contestarem (art.º 357º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil).

* 3. Apenas contestou a exequente Caixa Económica […].

Na sua contestação, a embargada diz que os embargos são extemporâneos, porque quando o embargante deduziu os embargos em 15-02-2005 (cfr. carimbo aposto na petição inicial), a diligência judicial de entrega da fracção alegadamente ofensiva da posse ocorreu no dia 12-05-2005 (art.º 6º da petição inicial), e nesta data já se encontrava esgotado o prazo de caducidade previsto no n.º 2 do art.º 353º do Cód. Proc. Civil, e porque a dedução dos presentes embargos é posterior à venda e adjudicação judicial da fracção autónoma em causa.

No mais impugna os factos e conclui pela improcedência dos embargos.

* 4. Na réplica, o embargante sustenta que os embargos são tempestivos, porque o prazo para a dedução dos embargos terminava em 11-02-2005, e a petição deu entrada em juízo, via fax, em 10-02-2005, e foi remetida via postal registada no dia 11-02-2005 [art.º 150º, n.ºs 1 als. b) e c) e 2 do Cód. Proc. Civil] e que, se os embargos de terceiro foram deduzidos depois da venda judicial da fracção em apreço, tal deve-se à actuação maliciosa da embargada, que tudo fez para não dar a conhecer os presentes autos a nenhum dos moradores do prédio, maxime o embargante.

* 5. Foi proferido despacho saneador-sentença no qual foram julgados procedentes os embargos de terceiro e, consequentemente, foi reconhecido: À embarganta-exequente Caixa Económica […] a qualidade de proprietária da dita fracção […] 2.º andar Esq.º […] Odivelas; β Ao embargante Carlos […] a qualidade de inquilino daquela exequente relativamente ao andar aludido em […].

Mais condenou a embagada-exequente em custas.

* 6. Inconformada, apelou a embargada-exequente. Nas suas alegações, em síntese nossa, conclui: 1.ª Quando os embargos de terceiro foram deduzidos, já se encontrava esgotado o prazo de caducidade previsto no art.º 353º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, dado que tal oposição se verificou em momento posterior à venda e adjudicação judicial da fracção autónoma em causa; 2.ª O Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre a excepção de caducidade, suscitada pela embargada, ora apelante, o que não fez; 3.ª Desde Maio de 1998, que o embargante conhecia os elementos essenciais do processo executivo, através de carta e notificação-postal ao mesmo dirigidos pelo fiel depositário em 02-05-1989 e pelo Tribunal, tudo na sequência dos requerimento e despacho de fls. 74 e 75, para além da publicidade legal sobre a venda, v.g. afixação de editais e publicação de anúncios; 4.ª Mesmo assim não entendeu dever acompanhar a execução para, em devido tempo, ali poder exercer o seu direito de preferência; 5.ª A fls. 592 dos autos de execução o embargante requereu e obteve a suspensão da diligência de execução da sentença, tendo posteriormente, em sede de embargos de terceiro, requerido, o reconhecimento do seu direito ao arrendamento e a nulidade do despacho de fls. 575, o qual inexiste; 6.ª A subsistência do alegado contrato de arrendamento é pois conflituante com a qualidade de credora adquirente com garantia real (hipoteca anterior) da ora apelante; 7.ª Pelo que, tal litígio tem que ser resolvido pelas normas que regulam a venda em execução, o que, com o devido respeito, não terá sido acautelado pelo Tribunal a quo; 8.ª O arrendamento é um direito pessoal de gozo, é um direito de crédito referente a uma coisa e não um direito sobre uma coisa, e constitui um ónus ou gravame que em nada se distingue dos restantes considerados no art.º 695º do Cód. Civil. Este artigo tem como natural complemento o art.º 824º do Cód. Civil, sendo o primeiro a chave deste último para a globalização do sua interpretação. Por isso, os bens objecto de venda judicial por credor com garantia real registada anteriormente à celebração de uma relação locatícia, como acontece, in casu, transmitem-se para o adquirente, novo proprietário, livres e desembaraçados do ónus locatício, nos termos e para os efeitos do art.º 824º, n.º 2 do Cód. Civil, uma vez que no expressão "direitos reais" ali mencionado se inclui, por analogia, aquele arrendamento; 9.ª A tramitação processual em fase executiva não se harmoniza completamente com a estrutura substantivo, e, por isso, contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo que defende o relevância do estatuído no art.º 1057º do Cód. Civil […]norma consagrou o velho brocardo emptio non tollit locatio este princípio deve ceder perante um contrato de locação realizado posteriormente à constituição da hipoteca; 10.ª Daí a exacta conclusão: « o art.º 1057º é também inaplicável à venda da coisa locada em processo executivo »; 11.ª Na expressão « direitos reais » (de gozo) sujeitos o caducarem por força da venda executiva, vazado neste normativo, incluem-se, por analogia, os contratos de arrendamento, registados ou não; 12.ª Verificando-se, in casu, que o arrendamento do imóvel foi celebrado em 01-10-1985, sendo portanto posterior à constituição e registo da hipoteca (inscrição C-1) de 21-08-1981 (cfr. certidão de encargos que se encontro junto aos autos de execução), o mesmo caducou nos termos do art.º 824º, n.º 2 do Cód. Civil; 13.ª Destarte, tendo a venda judicial da fracção autónoma arrendada e designado pelo letra "M" ocorrido em 05-04-2002 assiste à embargada proprietária, ora apelante, o direito a exigir que este bem imóvel lhe seja entregue, sendo investido na posse real e efectiva do mesmo, nos termos do art.º 930º do Cód. Proc. Civil; 14.ª A prolação da sentença recorrida foi proferida em violação da lei, v.g. art.ºs 686º, n.º 1; 695º; 745º, n.º 2; 824º, n.º 2 e 1057.° todos do Cód. Civil e art.ºs 353º, n.º 2; 356º e 930º todos do Cód. Proc. Civil.

* 7. Nas suas contra-alegações, o embargante apelado, em síntese nossa, conclui: 1.ª Os embargos foram deduzidos a título preventivo, pelo que o direito do embargante só seria ofendido através da entrega judicial da coisa locada, já que até lá o seu direito manteve-se intocado; 2.ª O embargante apelado apenas tomou conhecimento da diligência ofensiva do seu direito na data que estava designada para a entrega judicial da fracção "M"; 3.ª A tempestividade dos embargos é aferida nos termos do art.º 359º do Cód. Proc. Civil; 4.ª Pelo que andou bem a sentença recorrida; 5.ª E não tem razão a apelante quanto à alegação de extemporaneidade dos embargos; 6.ª A apelante não tem razão quanto à caducidade do arrendamento dos autos por força da venda executiva; 7.ª Não procede a tese da aplicação do n.º 2 do art.º 824º do Cód. Civil, através da integração da lacuna por interpretação analógica com os direitos reais referidos no artigo e o arrendamento dos autos, pois, o arrendamento é um direito de natureza obrigacional, e não existe na lei e no caso em apreço qualquer lacuna que deva ser integrada por aplicação analógica do preceituado no n.º 2 do art.º 824º do Cód. Civil; 8.ª O legislador não previu no art.º 824º, n.º 2 do Cód. Civil a caducidade do arrendamento, porque no art.º 1057º do mesmo código estabeleceu a regra da sua transmissão; 9.ª A venda executiva leva a uma aquisição derivada, pelo que a extensão do conteúdo do facto aquisitivo depende da amplitude do direito do transmitente; 10.ª A executada J.[…] Ld.ª celebrou com o embargante, ora apelado, um contrato de arrendamento __ facto provado: n.º 2 da sentença __ e essa é a extensão da aquisição derivada da ora apelante: o direito de propriedade limitado por um arrendamento; 11.ª A enumeração das causas de caducidade do contrato de locação contida no art.º 1051º do Cód. Civil é taxativa, e nela não se inclui a venda por arrematação judicial; 12.ª Poder-se-ia entender que um arrendamento registável, por ser este um ónus real, pudesse ter o mesmo tratamento que os direitos reais face à venda judicial, porém, o arrendamento dos autos não está sujeito a registo; 13.ª A plena aplicação do art.º 1057º do Cód. Civil à situação em apreço não é afastada pela ressalva prevista no seu final; 14.ª O contrato de arrendamento dos autos mantém a sua plena vigência, não tendo a venda executiva operado a sua caducidade; 15.ª Não merece censura a sentença recorrida.

* 8. As...

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