Acórdão nº 07A2107 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução05 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "AA Imobiliária - Gestão SA" intentou acção, com processo ordinário, contra "BB, Lda." e CC, pedindo a sua condenação a pagar que as quantias que discrimina a fls. 13, acrescido de juros, vencidos e vincendos; e se considere existente a declarada resolução do contrato celebrado com os Réus, com as legais consequências de desocupação da loja; em qualquer dos danos se condenem os Réus a pagar a quantia mensal que discrimina a fls. 14, sob a alínea c) relativa à loja .. do Gaia Shopping, por cada mês em que o 1º Réu ocupe a loja, até que se verifique a sua desocupação entrega, acrescido de juros de mora e eventuais actualizações.

Na 12ª Vara Cível da Comarca de Lisboa a acção foi julgada procedente tendo a respectiva sentença:

  1. Condenado solidariamente os RR a pagar à A. a importância de €91.094,77, correspondente a Esc. 18.262.862$00, acrescida de juros vencidos e vincendos, b) Condenado solidariamente os Réus a pagar o montante de € 7.693,65, correspondente a 1.542.438$00/mês contados desde Outubro de 1999 até Janeiro de 2000, acrescido de juros vencidos e vincendos, c) Declarado a resolução do contrato celebrado entre as partes.

    Apelou o Réu CC tendo a Relação de Lisboa confirmado o julgado.

    Pede, agora, revista assim concluindo: 1ª- A referência a contrato de utilização tem principalmente o sentido de afastar a qualificação como arrendamento e, com ela, a aplicação "ex lege" do regime vinculístico do arrendamento, pelo que a qualificação dos contratos celebrados entre as partes tratar-se-á fundamentalmente de um esforço de interpretação da vontade das mesmas.

    1. - O contrato sub judice integra todos os sinais específicos e elementos caracterizadores da modalidade negocial do arrendamento enunciados no art. 1022° do Código Civil.

    2. - O espaço cedido pela Autora não passa de uma "loja" enquanto mera realidade física, e assim, tratar-se de um contrato de arrendamento urbano para comércio.

    3. - " o arrendamento regula satisfatoriamente os interesses económicos em jogo - a obtenção do espaço físico com determinadas características, para explorar o estabelecimento comercial e a consecução da contrapartida lucrativa pela cedência de tal local específico - não implicando a conjugação em qualquer das modalidades possíveis de tipos contratuais diversos." (Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, in Parecer de 20 de Janeiro de 1991).

      - As cláusulas acessórias relativas a outros serviços prestados pela Autora, constantes no contrato celebrado entre as partes, são de todos inócuas para afectar a qualificação do contrato como de arrendamento, porquanto os serviços, que garantem o funcionamento e utilização do espaço, são igualmente prestados quando estamos perante o comércio fora de espaços comerciais, sendo que nesses casos tais serviços podem estar adstritos a associações ou entidades públicas sendo, contudo, igualmente suportados pelos comerciantes. Tratam-se de serviços inerentes ao arrendamento comercial no centro.

    4. - Ainda que se considere que o contrato sub judice integra um contrato misto, de arrendamento comercial e prestação de serviços, tratar-se-ia, neste caso, de uma coligação ou união de contratos com dependência unilateral, na medida em que é evidente a dependência da prestação de serviços relativamente ao arrendamento, pelo que a validade de um contrato desta natureza depende sempre da verificação da forma exigida para a celebração do contrato de arrendamento do qual depende.

    5. - Ainda que se considere ser o contrato em apreço atípico, o que não se concebe, certo é que o mesmo tem por objecto o gozo de uma loja destinada ao comércio, pelo que, nos termos da al. j) do art. 89° do Código do Notariado, teria que ser celebrado por escritura pública (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1992, in www.stj.pt, n.° convencional JSTJ 00015505).

    6. - Sendo o contrato em apreço um contrato de arrendamento, encontra-se sujeito, nos termos da alínea b) do n.° 2 do art. 7º do RAU, à celebração por escritura pública, pelo que não tendo sido observada tal formalidade é o mesmo nulo, sendo semelhante nulidade de conhecimento oficioso (art. 286° do Código Civil).

    7. - Declarado nulo, o contrato não produz qualquer efeito, sendo que a declaração de nulidade tem efeito retroactivo e deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado de harmonia com o disposto no n.° 1 do art. 289° do Código Civil.

    8. - O regime jurídico das cláusulas contratuais consideradas abusivas (Decreto-lei n.° 446/85, de 25 de Outubro) aplica-se inequivocamente ao contrato em apreço, uma vez tratar-se de um contrato individualizado cujo conteúdo previamente elaborado o recorrente não podia influenciar, sendo o teor das cláusulas uniformes, divergindo apenas no que concerne às cláusulas que versam sobre os quantitativos das remunerações periódicas a cargo dos diversos lojistas.

    9. - O contrato celebrado entre a 1ª ré e a recorrida é abusivo por violação do princípio geral consagrado no art. 15º desse diploma, o princípio da boa fé (eixo fulcral do sistema de controlo do conteúdo das cláusulas gerais), na medida em que o equilíbrio contratual de interesses é posto em causa pela Autora quando, na conformação do contrato, concretiza apenas os seus próprios objectivos através de uma desajustada repartição de direitos e deveres, aproveitando-se da sua evidente posição de superioridade perante os demais contraentes, consequência do seu poder económico que impõe àqueles cláusulas que os mesmos não têm o poder de alterar e se vêem obrigados a aceitar perante a necessidade do desenvolvimento da sua actividade.

    10. - Contrariamente ao alegado no douto Acórdão em crise, o recorrente não podia "ter efectuado o pagamento do que estava em dívida pela 1ª ré, à qual o pagamento tinha sido exigido (…) ", impossibilidade decorrente precisamente da circunstância de aquele pagamento apenas ter sido exigido à 1ª recorrente.

      l3ª- O recorrente, enquanto fiador, tinha direito a ser informado do cumprimento ou incumprimento das prestações por parte da 1ª Ré, na medida em que o seu património assegurava tal cumprimento, e a A. ao negar-se a faze-lo, como se não reconhecesse ao recorrido tal legitimidade, violou os deveres acessórios de conduta decorrentes da relação contratual, proclamados no art.762° do Código Civil, que consagra que "no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé. ".

    11. - Ao credor incumbe evitar que a prestação se torne desnecessariamente mais onerosa para o obrigado e proporcionar ao devedor a cooperação de que ele razoavelmente necessite, em face da relação obrigacional, para realizar a prestação devida, o que no caso em apreço não sucedeu, porquanto a recorrida, de forma alguma cooperou com o recorrente ao negar-lhe a informação solicitada, e despoletando, uma desnecessária onerosidade para o seu cumprimento, pela qual não pode deixar de ser responsabilizada.

    12. - Tal violação conduz à obrigação de indemnização dos danos que se cause com o incumprimento desses deveres acessórios, que in casu, constituem os juros de mora que agora a Autora se arroga.

    13. - De forma igualmente violadora dos invocados deveres acessórios a recorrida não accionou a garantia bancária que lhe assegurava o cumprimento das prestações, e ao não fazê-lo, permitiu que a situação de incumprimento se fosse prolongando e, consequentemente, fossem aumentando as quantias em dívida com os correspondentes juros de mora, tornando, assim, o cumprimento inevitavelmente mais oneroso.

      - O douto Acórdão em crise aplicou erradamente as disposições conjugadas dos art. 110º e art.7° n.° 2 al. b) do...

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