Acórdão nº 06S3406 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução17 de Maio de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

"AA" instaurou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção com processo comum, contra "Empresa-A.", pedindo: - a declaração de que entre ambos foi celebrado, em 1 de Janeiro de 1997, um contrato de trabalho; - a declaração de ilicitude do seu despedimento ocorrido em 30 de Setembro de 2002 ou, subsidiariamente, em 7 de Dezembro de 2002; - a condenação da Ré a pagar-lhe as retribuições vencidas, desde trinta dias antes da propositura da acção até à data do trânsito em julgado da sentença, abrangendo todas as prestações retributivas provadas nos autos; - a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade ou a reintegrá-lo; - a condenação da Ré a pagar-lhe a compensação por violação do direito ao gozo de férias, as importâncias correspondentes a subsídios de férias e de Natal não pagos, subsídio de alimentação e diuturnidades, subsídio de isenção de horário de trabalho, contribuições para a Segurança Social, e juros.

Alegou, em síntese, que: - Em 13 de Dezembro de 1996, celebrou com a Ré um contrato denominado de prestação de serviços, para o exercício das funções de perito avaliador, contrato cuja relação jurídica decorrente consubstancia um contrato de trabalho; - Foi despedido, verbalmente, por um seu superior hierárquico, em 30 de Setembro de 2002 e não aceitou esse despedimento, do que deu conta por escrito à Ré, que, em resposta, lhe enviou denúncia escrita do contrato; - A sua retribuição era variável e a Ré lhe não pagou diversos créditos salariais; - Beneficiava de isenção de horário de trabalho, não lhe tendo sido pago o subsídio correspondente; - Por força da PRT aplicável aos trabalhadores administrativos, publicada no BTE 1.ª Série n.º 9, de 8 de Março de 1996 e no BTE 1.ª série n.º 48 de 29 de Dezembro de 2002, são-lhe devidas diuturnidades e subsídio de alimentação que nunca lhe foram pagos; - Foi objecto de ilegítima sanção disciplinar de suspensão não lhe tendo sido paga a retribuição do tempo de suspensão.

  1. Contestou a Ré, a pugnar pela improcedência total da acção e pela condenação do Autor como litigante de má-fé, alegando, fundamentalmente, que o contrato celebrado com o Autor e a relação contratual dele decorrente foi de prestação de serviços, não ocorrendo qualquer subordinação jurídica mas antes desempenhando ele as suas funções e proporcionando à Ré o resultado da sua actividade com inteira autonomia e liberdade.

  2. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que, qualificando a relação estabelecida entre as partes como contrato de trabalho, julgou a acção parcialmente procedente, declarou ilícito o despedimento do Autor e condenou a Ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da antiguidade e categoria que teria se não tivesse ocorrido o despedimento, bem como a pagar-lhe a quantia de € 849,25, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento; e a liquidar em execução de sentença, as quantias relativas às retribuições devidas desde 25 de Agosto de 2003 até ao trânsito em julgado da sentença, e relativas às remunerações de férias, subsídios de férias e de Natal, devidos ao Autor, desde o início da execução contratual até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidas de juros de mora desde a sua liquidação e até integral pagamento.

    Da sentença apelaram a Ré e o Autor, este, mediante recurso subordinado, tendo a Relação de Lisboa, por seu douto acórdão, concedido provimento ao recurso da Ré e considerado prejudicada a apelação do Autor.

  3. Inconformado, o Autor vem pedir revista, rematando a sua alegação com as conclusões assim redigidas: a. O objecto do presente Recurso de Revista corresponde ao pedido de revogação do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e, em consequência, à declaração da validade da Sentença do Tribunal do Trabalho de Lisboa e ao conhecimento do Recurso subordinado de Apelação, incluindo a Arguição de nulidade.

    b. A fundamentação do presente Recurso assenta, por isso, na impugnação especificada da argumentação constante do Acórdão a quo, na defesa genérica da validade da Sentença e, principalmente, na aplicação do método indiciário aos factos dos autos, justificando e explicando cuidadosamente a qualificação laboral do contrato do Recorrente.

    c. O Recurso também inclui, por facilidades de decisão e consulta, o que resulta do deferimento do respectivo pedido: a repetição do resumo da decisão e fundamentação de direito da Sentença; a repetição dos pedidos apresentados em sede de Recurso Subordinado e a repetição dos pedidos apresentados em Arguição de nulidades.

    1. A propósito da fundamentação de direito do Acórdão a quo, o Recorrente ousa deixar registado o seu profundo desagrado e a sua triste indignação pela forma como foram completamente desconsideradas as argumentações da Sentença e das contra-alegações, e, principalmente, pelo facto de o mesmo se traduzir na simples transcrição das conclusões das Alegações de Recurso de Apelação.

    2. O Recorrente impugna de forma especificada e genérica, negando e contrariando toda a argumentação apresentada pelo Acórdão a quo, o que resulta da reiteração do sua argumentação no sentido da qualificação laboral do seu contrato.

    3. Como a fundamentação do Acórdão corresponde na íntegra às conclusões das Alegações de recurso de apelação apresentadas pela Recorrida, a sua impugnação pelo Recorrente corresponderá à reiteração da aplicação do método indiciário, longamente defendida nas Contra-Alegações por este apresentadas, que aqui também, por isso, se consideram reproduzidas.

    4. Sobre a impugnação especificada dos fundamentos do Acórdão, o Recorrente releva o seguinte resumo: 1. A Recorrida dava ordens ao Recorrente no exercício da actividade deste, o que se encontra provado nos autos (cfr. argumentos referidos a propósito da aplicação ao caso dos autos do poder de direcção); 2. Os factos aí referidos como prova da inexistência de ordens não relevam porque: recorrem a comparação com situações não provadas nos autos; demonstram a existência de ordens e de deveres acessórios; provam a aplicação de sanções disciplinares.

  4. O descanso do Recorrente aos fins-de-semana e aos feriados aproxima-o dos trabalhadores subordinados porque: delimita temporalmente o exercício da actividade dos isentos de horário; respeit[a] o direito constitucional ao repouso; reforça a indisponibilidade pessoal do Recorrente durante a semana.

  5. O Recorrente cumpria, na prática, uma definição de horário imposta indirectamente pela Recorrida através da obrigação de cumprir as peritagens diárias e de todas as outras inúmeras regras.

  6. A Recorrida conseguia controlar a assiduidade do Recorrente através de outras formas diferentes do registo, nomeadamente, através do controlo e fiscalização constantes das peritagens, realizados pelos superiores do Recorrente.

  7. O Recorrente era obrigado a permanecer nos escritórios da Recorrida se não fazia peritagens (factos n.os 12, 13, 24, 28, 41 e 42).

  8. O Recorrente só decidia sobre a sequência das peritagens e mesmo nesse aspecto cumprindo as inúmeras regras de execução técnica impostas pela Recorrida (docs. 4 a 16) e as peritagens urgentes e pendentes que a Recorrida lhe exigia.

  9. O Recorrente era obrigado, na prática, a ir aos escritórios da Recorrida porque esse facto se encontra provado nos autos (factos n.os 12, 13, 16, 17, 18, 62, 63 e 65); 9. O facto provado sob o n.º 22 demonstra a delimitação geográfica do contrato do Recorrente, imposta pela Recorrida no seu interesse.

  10. Não interessa a existência de contratos de prestação celebrados com outros peritos, se nos autos não se encontram provados os comportamentos das partes, porque a qualificação não compete a estas mas apenas ao tribunal.

  11. Não interessa à qualificação a intenção de fraude à lei de qualquer das partes, mas unicamente a forma como cumpriram o contrato.

  12. O Recorrente era obrigado a fazer as peritagens atribuídas pela Recorrida a cada dia (facto n.º 18), pelo que essa atribuição era uma ordem.

  13. Se o Recorrente trabalhava só para a Recorrida, o que era do conhecimento desta, isso significa que o fazia em exclusividade, o que se provou (facto n.º 37).

  14. O Recorrente não era livre na organização do seu dia de trabalho, como ficou provado nos autos (facto n.º 40), por força das inúmeras outras obrigações que resultam provadas nos autos (factos n.os. 18, 19, 12, 14, 20, 11, 16, 17, 27, 39, 10, 46, 48, 50, 52, 66, 41 e 42).

  15. Provou-se nos autos uma enorme quantidade de instrumentos de trabalho propriedade da Recorrida (factos n.os 28, 29 e 30) e a utilização de automóvel próprio acaba por implicar o pagamento de uma ajuda de custo.

  16. O Recorrente era obrigado a estar presente nas reuniões mensais, exactamente para receber ordens e ser objecto de sanções disciplinares.

  17. O facto de a peritagem representar a essência do objecto social da Recorrida implica a necessidade de uma estrutura global, e que isso possa dificilmente acontecer através da contratação de prestadores de serviço.

  18. O Recorrente integrava um departamento da Recorrida e reportava aos seus responsáveis, de quem recebia ordens, por isso estava inserido na estrutura hierárquica organizativa da Recorrida.

  19. O dever principal do contrato de trabalho é o de prestar a actividade devida e não o de estar disponível para trabalhar.

  20. Apesar da sua autonomia técnica, o Recorrente recebia ordens e era sujeito a sanções disciplinares; o seu local de trabalho era definido pela Recorrida; tinha, na prática, um horário imposto por esta; usava uma enorme quantidade de instrumentos de trabalho propriedade da Recorrida.

    1. Assim, mesmo em termos de conclusões finais, o Acórdão não consegue afastar a aplicação dos índices relativos à propriedade de instrumentos de trabalho, ao local de trabalho, à exclusividade e à dependência económica; não refere sequer o índice relativo à inserção nem afasta esses factos; pelo que, nunca poderia concluir pela inexistência de contrato de...

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