Acórdão nº 06P4597 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução17 de Janeiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

1.1.

Instaurado inquérito na Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, na sequência de denúncia apresentada pelo Senhor Advogado AA contra o Senhor Juiz de Direito BB, então em funções na 3ª Secção da 7ª Vara Cível da comarca de Lisboa, foi o mesmo arquivado, nos termos do nº 1 do artº 277º do CPP, por despacho de 21.05.05 da respectiva titular.

Notificado dessa decisão, o Denunciante requereu a sua reabertura, nos termos do articulado de fls. 89 e segs., e a sua constituição como assistente.

Pelo despacho de fls. 124 foi-lhe outorgada essa qualidade.

Reaberto o inquérito, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta voltou a determinar o seu arquivamento, por despacho de 28.06.06 que foi notificado ao Assistente por carta registada expedida no dia seguinte (fls. 205).

O Assistente reagiu, apresentando, em 19.07.06, reclamação hierárquica dirigida ao Senhor Procurador-Geral Distrital de Lisboa (fls. 207 e segs.), mas que foi apreciada e decidida pelo Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República que, pelo seu despacho de fls. 215 e segs., lavrado em 26.07.06, a indeferiu.

1.2.

Notificado desta decisão por carta registada expedida em 05.09.06 (fls. 222vº), o Assistente requereu, em 08.09.06, a abertura da instrução nos termos do requerimento de fls. 224 e segs.

Por despacho de 09.10.06, a Senhora Desembargadora instrutora rejeitou o pedido, argumentando do modo seguinte: Nos termos do art° 287° n° 1 do Cód. Proc. Penal "a abertura de instrução pode ser requerida no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento".

Conforme supra se referiu, o despacho que determinou o arquivamento dos autos, foi proferido a 28/6/2006, tendo o assistente Dr. AA sido notificado do mesmo, por carta registada, expedida a 29/6/2006 (vg. Fls.205 e v.) [tendo sido expressamente notificado para, querendo, requerer a abertura da instrução no prazo de 20 dias] pelo que, de acordo com o disposto no art° 113°, nº 2, do C.P.P. se presume notificado no 3° dia útil posterior ao do envio da mesma.

O requerimento de abertura de instrução deu entrada em Juízo no dia 8/9/2006.

Como assim, o requerimento de abertura de instrução entrado em juízo no dia 8/9/2006 é, necessariamente, extemporâneo já que, o requerimento apresentado pelo Assistente no qual suscitou a intervenção hierárquica do Mº Pº não interrompe ou suspende o prazo para requerer a abertura de instrução, - não sendo sequer possível convalidar o acto mediante o pagamento da multa prevista no art. 145°, n° 5, do CPC (aplicável em processo penal ex vi do art. 107°, n° 5, do C.P.P.). A apresentação intempestiva do requerimento de abertura de instrução por parte do assistente, Dr. AA, conduz inevitavelmente à sua rejeição, art. 287°, nº 3 do C. P. P.

Pelo que, e sem necessidade de mais considerações, se rejeita o requerimento de abertura de instrução, apresentado pelo assistente, Dr. AA, por manifestamente extemporâneo».

Notificado deste despacho por carta registada expedida em 09.10.06, o Assistente arguiu, em 16 seguinte, a «nulidade processual cominada no artº 201º, nº 1, do CPC», por não ter sido notificado da promoção do Ministério Público que o antecedeu, onde a Senhora Procuradora-Geral Adjunta propugnou a rejeição do requerimento da instrução (cfr. fls. 254) - arguição essa que foi indeferida pelo despacho de fls. 262, datado de 30.10.06.

Antes, porém, no dia 26.10.06, interpôs recurso do despacho que rejeitou o requerimento de instrução, cuja motivação culminou com as seguintes conclusões: «1ª - O despacho recorrido é nulo por omissão de pronúncia sobre um elemento essencial da matéria de facto: a data em que o Assistente deduziu reclamação hierárquica e sua correlação com o termo do direito de impugnar jurisdicionalmente o acto administrativo definitivo que ela corporiza.

  1. - A existência de acto administrativo definitivo peticionado na vigência do direito de requerer abertura de instrução, e a sua notificação ao reclamante, é que fixam o início do prazo para o exercício daquele.

  2. - Todo o acto administrativo proferido por inferior hierárquico admite reclamação para o seu superior, e só é definitivo quando integrado pelo deste.

  3. - Todo o acto administrativo é impugnável jurisdicionalmente, por força do disposto no art° 268°, n° 4, da Constituição, desde que respeitado o prazo estabelecido na lei com respeito pelos princípios consignados no art° 18°, n° 2, da mesma LEI.

  4. - Só a reclamação hierárquica deduzida depois de extinto o direito à obtenção da tutela jurisdicional efectiva, fica privada de impugnabilidade contenciosa.

  5. - Face ao disposto na Constituição e na lei, o despacho impugnado é nulo, impondo-se a declaração e suprimento respectivos, ou a sua revogação e substituição por outro que declare tempestivo o requerimento de 8.9.2006. 7ª - A natureza monocrática do Ministério Público, impõe a impugnabilidade graciosa dos actos dos seus agentes, e a impugnabilidade contenciosa do acto definitivo.

  6. - A jurisprudência dos nossos tribunais é no sentido de que o prazo para requerer abertura de instrução, quando a reclamação hierárquica tenha sido deduzida na vigência de tal direito, só começa a correr após notificação do despacho definitivo.

  7. - Pelas razões expostas, a norma aplicada no despacho recorrido é inconstitucional por violar as normas dos artºs. 20º, nºs 1 e 4, e 268º, nº 4, da Constituição».

    Notificado daquele despacho de 30 de Outubro, alargou o objecto do recurso a esta decisão, como, aliás, havia anunciado na motivação, concluindo que: «1ª - O despacho de 30.10.2006 é nulo por ter deixado de pronunciar-se sobre as questões efectivamente postas no requerimento de 13.10.2006: aplicação de normas jurídicas conformes às normas e princípios consagrados na Constituição.

  8. - O dito despacho enferma de erro de julgamento ao qualificar os autos de instrução como autos de inquérito com efeitos substanciais quanto à representação do Ministério Público no inquérito e na instrução, e quanto [à] exigência de notificação prévia do requerente, de actos do representante deste na instrução contendo questões novas relativamente ao despacho de arquivamento.

  9. A norma aplicada nos despachos de 9.10.2006 e 30.10.2006, segundo a qual o requerente de abertura de instrução não tem de ser previamente notificado de promoção do representante do Ministério Público em autos de instrução, em que se suscitam questões novas relativamente às vertidas no despacho de arquivamento, e prejudiciais ao deferimento das suas pretensões, é inconstitucional por violar as normas e os princípios dos art°s 20°, nºs 1 e 4, e 2° da Constituição, sendo estes directamente aplicáveis ex vi art° 18°, n° 1, da mesma».

    A Senhora Procuradora-Geral Adjunta respondeu, concluindo pela improcedência do recurso.

    O Senhor Procurador-Geral Adjunto do Supremo Tribunal de Justiça, pronunciou-se sobre a verificação dos pressupostos formais do recurso e nada viu que obstasse ao seu conhecimento.

    Corridos os vistos legais, vieram os autos à conferência para decisão.

    Tudo visto, cumpre decidir.

    1. Decidindo: Em bom rigor são dois os recursos a apreciar: a) o interposto do despacho que rejeitou a instrução; b) o interposto do despacho que indeferiu a arguição da alegada «nulidade processual».

    Com efeito, não tem aqui aplicação a doutrina nem do artº 670º nem do artº 686º, do CPC, nem do nº 3 do artº 379º do CPP, pois não foi posta em causa qualquer deficiência, obscuridade, irregularidade ou nulidade da decisão final, mas antes a pretensa inobservância de uma determinada disposição legal, antes de proferida a mesma decisão.

    Deste modo, manda a lógica que comecemos o nosso julgamento pelo segundo recurso, já que a sua eventual procedência determinará a anulação do próprio despacho de rejeição, nos termos do artº 122º, nº 1, do CPP.

    Vejamos então.

    2.1. Do recurso do despacho que desatendeu a arguição da nulidade: Requerida a instrução, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta que titulara o inquérito ordenou que os autos fossem remetidos à distribuição, lavrando logo promoção no sentido da rejeição do requerimento, por duas ordens de razões: - a primeira, porque, tendo havido reclamação hierárquica do despacho de arquivamento, o pedido de abertura da instrução é inadmissível; - a segunda, porque, mesmo que assim não se entendesse, o requerimento em causa sempre teria sido apresentado para além do prazo estabelecido no nº 1 do artº 287º, nº 1, do CPP, já que a dedução de reclamação hierárquica não suspende o seu curso.

    A Senhora Desembargadora instrutora decidiu nos termos que no início referimos. Em suma, o prazo de 20 dias fixado no artº 287º, nº 1 foi excedido, mesmo tendo em conta a possibilidade concedida pelo artº 145º, nº 5, do CPC, pois a reclamação hierárquica nem o interrompe nem suspende o seu curso.

    O Assistente protestou por não ter sido notificado dessa promoção, porquanto, diz, essa omissão o impediu de exercer «o...

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