Acórdão nº 06P3059 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução20 de Dezembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 39/02, do 3º Juízo Criminal de Almada, após contraditório foi proferido acórdão que, entre outros, condenou os arguidos: "AA", como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punível pelos artigos 21º, n.º1 e 24º, alínea i), do DL 15/93, de 22 de Janeiro, bem como de um crime de detenção ilegal de arma previsto e punível pelo artigo 6º, da Lei 22/97, de 27 de Junho, com a redacção dada pela Lei n.º 98/01, de 25 de Agosto, nas penas de 9 anos e 6 meses de prisão e de 1 ano de prisão, sendo em cúmulo jurídico condenado na pena conjunta de 10 anos de prisão; BB, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º, n.º1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos de prisão; CC, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão (1).

Os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, instância que confirmou integralmente o acórdão impugnado.

Interpõem agora recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

São do seguinte teor as conclusões que o arguido AA extraiu da motivação que apresentou: I -Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão de fls... que julgou improcedente o Recurso do acórdão proferido pelo 3.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Almada, condenando o arguido AA como autor material de um crime de tráfico agravado p. e p. pelos arts. 21.0/1 e 24.° do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 9 anos e 6 meses, e como autor material de um crime de detenção ilegal de arma de defesa na pena de um ano de prisão -em cúmulo jurídico na pena única de dez anos de prisão, com o qual não se conforma o arguido.

II -Atendeu o douto Tribunal a quo, na motivação da decisão de facto, ao teor das Conversações interceptadas em escutas telefónicas e cujos autos de transcrição constam do Anexo 5.

III -Efectivamente, não sendo já esta a sede própria para discordar da matéria de facto julgada provada, encontrando-se esta já assente, a verdade é que a questão de Direito da errónea valoração dos meios de prova e consequente aplicação do Direito, efectuada pelo Douto tribunal a quo ainda pode ser objecto de discussão.

IV -Assim, não pode o recorrente conformar-se com o valor atribuído às escutas telefónicas constantes do Anexo 5 do processo, porquanto, V -Nenhuma outra prova existiu em audiência de discussão e julgamento que fundamentasse cabalmente a tão gravosa condenação que coube ao Recorrente.

VI -Não tendo havido testemunhas que corroborassem a versão apresentada pela acusação, nem que demonstrassem a veracidade do teor das conversações telefónicas, o valor probatória da transcrição das mesmas falece.

VII - Vem o douto Tribunal colectivo, confirmando a Veneranda Relação, alicerçar os factos julgados provados relativamente ao arguido AA, para além das testemunhas elencadas, em filmagens, integrantes do anexo 2 dos autos, nas quais era visível o arguido a "vender estupefacientes na via pública".

VIII - Consultado o anexo 2, verifica-se que, de facto o arguido AA é encontrado nas filmagens registadas.

IX - Contudo, As circunstâncias em que é filmado não é minimamente indiciadora da prática de qualquer crime.

X - Não estão registadas fotograficamente quaisquer transacções efectuadas pelo arguido, conforme se alcança de todo o conteúdo do referido Anexo 2 dos autos.

XI -Pelo que não se compreende a inserção de tais registos de filmagem, na fundamentação da matéria provada, uma vez que, de seguida se diz:..."vindo, posteriormente a confirmar-se através das conversações interceptadas no âmbito das escutas telefónicas. Daqui se depreende que os registos das filmagens não são indiciadores do crime de que vem o arguido acusado.

XII -Quanto ao teor das conversações telefónicas, (base da acusação, uma vez que quanto ao arguido AA, nada mais existe), ainda que se admita que possam ser algumas conversas indiciadoras de que o assunto são estupefacientes, não se admite que possam ser julgadas provadas as concretizações do que ao telefone é dito.

XIII - Não existem vigilâncias efectuadas nestes casos que constem dos autos, não existiram seguimentos ao arguido, não se vislumbra qual a base da concretização do que é dito nas conversações.

XN -De realçar que este processo, teve por base uma acusação fundada, exclusivamente em escutas telefónicas, em que a frase que imperava nos extensos artigos da acusação era composta pelos verbos "disse", "pediu", "perguntou", etc., e não cedeu, vendeu, transaccionou, como será exigível num processo desta natureza.

XV -Aliás, as conversações não eram escutadas em directo pelos OPC, pelo que nem se pode dizer que presenciaram o que quer que seja.

XVI -Dar como provados factos que ninguém presenciou, ninguém viu, apenas existem escutas constantes do processo, (mero indício), é violar o princípio constitucional vertido no art. 32º da C.R.P. que preceitua: "O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório." XVII -Tal princípio da imediação não foi respeitado nesta audiência de julgamento, sendo que a audiência nada veio acrescentar ao que já existia, foi desnecessário, podendo, seguindo a orientação do douto Tribunal a quo, condenar-se os arguidos sem mais, apenas com base em escutas constantes do processo.

XVIII - Havendo dúvidas que não podiam ser esclarecidas pela prova existente nos autos, impõe-se a absolvição conforme estabelece o princípio penal de in dubio pro reo, princípio amplamente violado por este Acórdão.

XIX - Ainda que indiciadoras, as escutas não podem valer por si só, necessitando de haver prova que complemente o que já existe nos autos, em matéria de escutas transcritas.

XX -Ademais, entende o recorrente que as escutas telefónicas são nulas e não podem valer como meio de prova.

XXI - O regime legal das escutas telefónicas faz depender, atenta a sua manifesta e drástica danosidade social, em razão do número de direitos e interesses que atinge, a sua admissibilidade de um conjunto de exigentes pressupostos -quer materiais, quer formais.

XXII - Neste caso, interessa aferir dos pressupostos formais, sendo que a lei processual Penal elenca os seguintes: -Elaboração de um auto de intercepção e gravação das comunicações.

-A sua apresentação juntamente com os registos de gravações, imediatamente ao conhecimento do juiz com indicação das passagens das gravações consideradas relevantes para a prova.

-Despacho do juiz ordenando a transcrição (no todo ou em parte) dos elementos recolhidos que considere relevantes em auto e a sua junção ao processo ou a sua destruição, caso os considere irrelevantes.

XXIII - Relativamente ao preenchimento do requisito "Imediatamente"previsto no art. 187. °, n.º l C.P.P.: Exemplificativamente: 6. Início da Intercepção telefónica, em 9 de Fevereiro de 2003, sendo que o número de telemóvel "atribuído" ao aqui recorrente era 0916058885 -alvo 16922.

  1. Fls.857 - Auto de Intercepção Telefónica apresentado pela P.S.P. - 1ª BAC- Divisão de Almada, apurando, do conteúdo das gravações, quais poderão ter interesse para a investigação em curso e relevantes para a prova, elencando as sessões, as horas e o dia de tais intercepções.

  2. Deste auto fazem parte intercepções de conversações telefónicas compreendidas entre 9 de Fevereirode2003 e 16 de Março de 2003 - 35 dias.

  3. Fls. 980-Tal auto, bem como o Anexo 5 e os Cd' s foram presentes ao J.I.C. em 01.04.2003, data em que é proferido despacho autorizando as transcrições dos registos magnéticos indicados nas tis. 840/841, 847/852, 856/864 e 869.

  4. Só 50 dias após o início das intercepções, são estas levadas ao conhecimento do Juiz.

    XXIV -O mesmo aconteceu com todas a escutas telefónicas efectuadas neste processo, que nunca demoraram menos tempo que o acima indicado a ser presentes ao J.I.C.

    XXV -Estabelecendo o n.º 1 art. 188. ° do C.P.P. que "Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações, com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova." XXVI -50 dias caberá no conceito de "imediatamente"? Tal questão vem sendo amplamente discutida pela jurisprudência, tendo sido alvo de várias decisões do Tribunal Constitucional, designadamente os Acórdãos n.ºs 407/97, 347/01 e 340/04, julgando inconstitucional a norma constante do art. 188. °/1, quando interpretada no sentido de não impor que o auto de intercepção e gravação de conversações telefónicas seja levado, de imediato, ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo dos elementos recolhidos e, bem assim, a tempo de decidir, antes da junção ao processo de novo auto da mesma espécie sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas.

    XXVII - O primeiro dos acórdãos acima referido esclarece:"...'1mediatamente", no contexto normativo em que se insere, terá de pressupor um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado, enquanto as operações em que esta se materializa decorrerem. De forma alguma imediatamente poderá significar a inexistência documentada nos autos, desse acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que essa existência do juiz não resulte do processo.

    XXVIII - Neste sentido também o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 27 de Setembro de 2004, publicado na CJ ano XXVIII, pág. 290, "...a imediação, no sentido que aqui lhe é conferido, pressupõe, em primeiro lugar, que o auto de que fala o n.º l do art. 188º seja lavrado logo que seja dado...

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