Acórdão nº 06P3172 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Novembro de 2006
Magistrado Responsável | CARMONA DA MOTA |
Data da Resolução | 09 de Novembro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. OS FACTOS "AA" e BB são marido e mulher e, à data dos factos, não exerciam qualquer actividade profissional.
Os arguidos CC e DD são, respectivamente, sogro e genro. Todos eles residiam no pátio ..da Rua ...., em Lisboa, vivendo AA e BB na casa com a porta nº ..e os arguidos CC e DD na casa com a porta nº .... Pelo menos desde o mês de Novembro de 2004 e até 20 de Abril de 2005, AA e BB, conhecidos naquela zona onde residiam pelos nomes de "..." e "...", dedicaram-se, de forma reiterada, em conjunto, à actividade de venda a terceiros de embalagens com heroína e cocaína: após receberem dos seus fornecedores os referidos produtos, AA e BB guardavam-nos na sua residência, local onde os dividiam, misturavam com outros produtos e embalavam em doses individuais para posterior venda na via pública. BB procedia, igualmente, à contabilidade dessa actividade, anotando em folhas de papel as quantidades de estupefaciente recebidas e vendidas e os nomes e alcunhas dos indivíduos a quem deviam dinheiro pela aquisição dos mencionados produtos e dos indivíduos que a eles lhes deviam dinheiro pela compra a si dos mesmos produtos, depois de subdivididos e embalados. AA aguardava pelos compradores de embalagens de heroína e cocaína junto à entrada do indicado pátio ... e, após ser abordado por estes, ou entrava com os mesmos para dentro do pátio, onde lhes entregava, após as recolher na sua casa, as referidas embalagens, ou entregava-as no exterior do pátio, onde tais indivíduos o aguardavam, recebendo destes as correspondentes quantias monetárias.
AA fornecia as embalagens de heroína e cocaína, diariamente, naqueles moldes, pelo menos, a dez indivíduos. A testemunha EE também era fornecida de heroína e cocaína vendida por eles e procedia à anotação em papéis dos montantes em dívida. Sendo que numa ocasião, em Novembro de 2004, esse indivíduo acompanhou AA quando este foi adquirir produto estupefaciente e, em troca de produto para o seu consumo, experimentou o produto a adquirir, de forma a aferir a sua qualidade.
No dia 19 de Dezembro de 2004 o referido FF foi detido no âmbito do inquérito com o NUIPC 1540/04.8 SELSB, por suspeitas da prática de crime de roubo. Aquando da detenção daquele, o mesmo trazia consigo vários papéis, por si manuscritos, tipo diário, e que lhe foram apreendidos. Nesses papéis constam referências a AA e BB e à situação aludida, bem como de montantes em dívida para com eles. Sendo que a referência nos mesmos a «quartas» indica as embalagens individuais de heroína e cocaína aí designados pela testemunha, respectivamente, pelos nomes de "cavalo" e "branca".
Parte dos estupefacientes adquiridos pelos arguidos AA e BB era-os aos arguidos CC, conhecido pela alcunha de "..", e DD, tratado pelo nome de "...".
Com efeito, o arguido CC forneceu a AA e BB, durante o período de tempo em que estes se dedicaram à comercialização de produtos estupefacientes, os seguintes produtos: - seis doses, vulgarmente designadas por «quartas», de cocaína, pelo preço de 10,00 € cada dose, num total de 60,00 €; - quantidade concretamente não apurada de cocaína, mas correspondente ao preço de 150,00 €.
O arguido DD, por seu turno, forneceu a AA e BB, durante o período de tempo em que estes se dedicaram à comercialização de produtos estupefacientes, os seguintes produtos: - 3 bolsas contendo heroína ou cocaína, equivalentes ao preço de 330,00 €; - 5 bolsas contendo cada uma 11 doses, vulgarmente designadas por «quartas», de heroína, pelo preço de 10,00 € cada dose, num total de 550,00 €; - 6 doses, vulgarmente designadas por «quartas», de heroína, pelo preço de 10,00 € cada dose, num total de 60,00 €.
Os arguidos CC e DD também procederam, na via pública, junto à entrada do indicado pátio onde viviam, pelo menos nas datas e situações adiante referidas, à venda de embalagens com heroína e cocaína a terceiros consumidores desses produtos, que aí os abordavam.
No dia 13 de Abril de 2005, naquele local, o AA vendeu a GG, para o consumo deste, uma embalagem com 0,151 gramas de heroína.
No dia 18 de Abril de 2005, no período compreendido entre as 14.00 horas e as 16.00 horas, junto à entrada do mencionado pátio ..., AA, após vender a terceiros não identificados, algumas embalagens com estupefacientes, entregou ao arguido CC, para pagamento de anteriores fornecimentos de tais produtos, determinadas quantias monetárias, de montante não apurado. Nesse dia e local, pelas 16.00 horas, o arguido DD também procedeu à venda a terceiros de embalagens com estupefacientes, em montantes não apurados.
No dia 20 de Abril de 2005, pelas 13.50 horas, no interior do pátio ..., a testemunha HH, adquiriu, pela quantia de 10 €, uma embalagem com 0,100 gramas de heroína.
Às 14.10 horas, desse mesmo dia, AA e DD saíram juntos do interior do pátio ... e deslocaram-se, em viaturas automóveis distintas, para local e com propósitos não apurados, tendo regressado ambos pelas 14.55 horas.
Nesse intervalo de tempo as vendas de embalagens com heroína e cocaína aos toxicodependentes que se abeiravam do pátio ... foram efectuadas pelo arguido CC, tendo sido esse arguido que, nessa altura, vendeu a II, por quantia concretamente não apurada, uma embalagem com 0,134 gramas de heroína.
Pelas 15.00 horas, AA retomou a venda de estupefacientes a terceiros, tendo entregue a JJ, em troca da quantia de 12 €, uma embalagem com 0,328 gramas de cocaína. De seguida, dentro do pátio ..., foram interceptados pela Polícia de Segurança Pública os arguidos AA e CC, quando se preparavam para sair. (...) Ao arguido CC foi apreendida a quantia monetária de 20 €, dividida por 1 nota de 10 € e 2 notas de 5 €. Pelas 16.00 horas desse dia, a Polícia de Segurança Pública cumpriu os mandados de busca emitidos nos autos para casa dos arguidos. No decurso da busca realizada à casa de AA e BB, e onde esta última se encontrava, foram encontrados os seguintes bens e objectos, apreendidos à arguida e pertença desta e do arguido AA: (...) - várias folhas de papel manuscritas contendo apontamentos relacionados com a actividade de venda de estupefacientes, com referências a nomes e alcunhas de fornecedores, incluindo dos arguidos CC, o "...", e DD, o "...", e de compradores e as quantidades e qualidade de drogas, preços e valores em dívida. (...) Todos os arguidos conheciam a natureza estupefaciente dos produtos que vendiam a terceiros e dos que lhe foram apreendidos, no caso dos arguidos a quem foi apreendido produto estupefaciente, conforme atrás indicado, produtos esses que destinavam também à venda a terceiros.
As quantias monetárias apreendidas aos arguidos AA e CC eram provenientes de anteriores vendas de estupefacientes. (...) Os arguidos actuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. (...) O arguido CC é o terceiro filho de um grupo de três elementos, tendo nascido em Lisboa, onde residiu até aos 6 anos de idade. Foi, depois, morar para os arredores de Paris, onde os seus pais se encontravam a trabalhar como imigrantes. Aí se manteve até aos 24 anos, altura em que veio para Portugal, para cumprir o serviço militar obrigatório, e onde passou a residir até ao presente. O seu processo escolar iniciou-se em idade adequada, tendo completado o 6° ano de escolaridade aos 14 anos. O seu aproveitamento escolar foi condicionado pelo facto de ser emigrante e de ter tido dificuldades em se adaptar ao novo contexto social.
Após terminar o 6° ano foi integrado numa formação técnico-profissional e frequentou um curso de torneiro mecânico, com a duração de dois anos. Aos 17 anos iniciou a sua actividade profissional de forma regular. Após ter terminado o serviço militar obrigatório, passou a residir definitivamente, em Lisboa, numa casa que os pais tinham comprado na Pontinha. Casou aos 25 anos, tendo-se separado após o primeiro ano de vida em comum. Desta relação tem um filho de 21 anos de idade, que se encontra a residir com os avós maternos e com quem o arguido tem uma relação afectiva gratificante. Após o seu divórcio estabeleceu uma nova relação conjugal, da qual tem duas filhas, de 19 e 16 anos.
O seu agregado reside há 19 anos num pátio numa zona antiga e degradada, conotada com elevado índice de práticas delinquentes.
O seu percurso profissional em Portugal foi predominantemente exercido na área da vigilância/segurança, tendo estado durante 15 anos a exercer funções na mesma empresa, o que aconteceu até há 2 anos, data em que sofreu uma intervenção cirúrgica que lhe provocou limitações físicas de locomoção, tendo ficado desempregado.
Actualmente, o arguido coabita em casa da sua sogra, pessoa idosa, viúva e que constitui um suporte considerável na subsistência do agregado, uma vez que ela recebe mensalmente cerca de 600 €, provenientes da sua reforma e de uma pensão de viuvez. O arguido, em termos profissionais, está inactivo há dois anos, recebendo um subsídio de desemprego, no valor de 372 € mensais.
Esta situação não o incomoda, perspectivando levar até ao fim o período de concessão do subsídio de desemprego e só depois procurar outra actividade laboral. O arguido tem presentemente 47 anos de idade. Do certificado de registo criminal do arguido CC nada consta.
O processo de crescimento do arguido DD ocorreu junto dos pais e três irmãos, em ambiente de afectividade e coesão, denotando os progenitores preocupação na transmissão de valores e regras de conduta, apesar de o quadro económico familiar ser modesto. As dificuldades existentes no agregado, associadas às fracas expectativas na aquisição de competências escolares, levaram o arguido a abandonar os estudos, durante a frequência do 9° ano de escolaridade, e a iniciar actividade laboral aos 16 anos de idade. O seu percurso laboral aparece marcado por um desempenho regular, denotando sentido de responsabilidade e preocupação, tendo, para além da...
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