Acórdão nº 01024/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução18 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – A…, LDA., com os sinais dos autos, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 7 de Dezembro de 2009, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios respeitantes ao exercício de 1994, no montante global de € 115.213,88, apresentando para tal as seguintes conclusões: I. Em síntese, versaram os autos de que ora se recorre sobre as quantias recebidas pela recorrente a título de indemnização pelas benfeitorias e perda dos estabelecimentos comerciais sitos nos locais arrendados, por efeito da extinção dos contratos de arrendamento comercial.

  1. Entende a ora recorrente que a sentença “sub judice” enferma do vício de ilegalidade, por errónea aplicação do direito ao caso em apreço, designadamente, por fazer uma interpretação e aplicação erradas do artigo 4.º, n.º 1 do CIVA.

  2. A questão decidenda é a de saber se os montantes recebidos pela recorrente a título de indemnizações pela rescisão amigável de contratos de arrendamento comercial estão, ou não, sujeitos a IVA, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1º, n.º 1, 3º e 4º, n.º 1, todos do CIVA.

  3. O artigo 4º, n.º 1 do CIVA, estabelece que são consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importação de bens, sendo para a recorrente seguro que não se perfila, “in casu”, “operação” alguma para efeitos de incidência de IVA.

  4. Com efeito, o artigo 4.º, n.º 1 do CIVA estabelece uma cláusula aberta que pretende abranger as operações efectuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importação de bens.

  5. No caso “sub judice” não há operações de prestação de serviços, já que as compensações recebidas pela recorrente configuram indemnizações recebidas como necessário pressuposto da rescisão amigável de contratos de arrendamento de áreas comerciais, pelo que, não poderão ser enquadráveis no conceito de prestação de serviços, mesmo atendendo ao carácter de cláusula aberta expressa no referido artigo 4.º, n.º 1 do CIVA.

  6. Nos termos do artigo 11º da LGT, na interpretação das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam deverão ser observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, e sempre que os termos empregues sejam próprios de outros ramos de direito, deverá ser atendido o sentido daquele que aí têm.

  7. O artigo 9º, nº 2, do Código Civil dispõe que o intérprete não se cingindo exclusivamente à letra da lei - não pode retirar do pensamento legislativo um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.

  8. O contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcional à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição, como consta do artigo 1154º do Código Civil.

  9. Conjugando o mencionado artigo 4º do CIVA com a definição da lei civil, outro sentido não poderá ser retirado que não seja que o IVA incide sobre as operações que importem a obrigação assumida por um sujeito para com outro de proporcionar um resultado do seu trabalho que tenha carácter oneroso.

  10. Sendo certo que, a avidez do legislador fiscal em criar um conceito que fosse tão amplo que abrangesse um sem número de situações – como é notório do texto daquele artigo 4.º do CIVA -, se não fosse temperada com as regras de interpretação jurídica a que alude a LGT, violaria os princípios da tipicidade e taxatividade que norteiam o sistema fiscal nos termos definidos pelo artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

  11. Aliás, a interpretação efectuada pela sentença recorrida do conceito de prestação de serviços, viola a Constituição, mormente, aquele seu artigo, pelo que é inconstitucional.

  12. Por outro lado, os negócios em apreço não passaram de renúncias ao direito dos arrendamentos que pertenciam à recorrente, e se a locação de bens imóveis está isenta de IVA, nos termos do n.º 30 do artigo 9.º do CIVA, mal se compreenderia que a extinção de tais negócios jurídicos fosse, em tal sede, tributada, pelo que, não estando sujeitas a incidência de IVA as indemnizações recebidas pela recorrente como necessário pressuposto de rescisão amigável dos contratos de arrendamento das áreas comerciais.

  13. Assim, a sentença recorrida está em oposição com o entendimento do Supremo Tribunal administrativo, que se pronunciou no sentido em que se “a locação de bens imóveis, está isenta de IVA, nos termos do n.º 30 do artigo 9.º do CIVA, mal se compreenderia que a extinção de tal negócio jurídico fosse, em tal sede, tributada.” (vide Acórdão do STA proferido no âmbito do processo nº 1.684/03, de 19/5/04, in www.dgsi.pt).

  14. Tendo naquele aresto, o STA sancionado a questão no sentido de que “não está sujeita a incidência de IVA a indemnização recebida por inquilino como necessário pressuposto de rescisão amigável de contrato de arrendamento de área comercial.” XVI. Com efeito, o princípio do sistema comum do IVA, estabelecido na Sexta Directiva 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977, excluí do âmbito de incidência do IVA as indemnizações de prejuízos que não tenham natureza remuneratória, XVII. Conforme sobressai do entendimento relativo aos objectivos de tributação a que se deve dirigir o imposto, como sendo o da tributação pelo consumo, pela despesa, e que se encontra vertido na indicada Directiva comunitária.” Consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e serviços, qualquer que seja o número de transacções ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação”.

  15. Na situação em apreço, atentos os factos e o entendimento da sentença recorrida, os valores pagos pelas instituições bancárias tinham efeitos de ressarcimento dos prejuízos causados à recorrente pelas renúncias aos contratos de arrendamento que celebrara e consequente desocupação dos locais arrendados e, ainda, pela perda das benfeitorias levantadas nos locados, pelo que, a esses valores, faltar-lhes-ia um dos pressupostos de tributação em IVA: o da sua caracterização como valores despendidos em actos de consumo.

  16. Mais, não é também pela circunstância de as renúncias da recorrente terem permitido aos Senhorios a celebração de novos contratos de arrendamento - correspondendo, por isso, a compensação pela rescisão dos anteriores contratos -, que as indemnizações estariam sujeitas a IVA.

  17. Conforme se referiu, as operações “sub judice” beneficiariam, neste caso, da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 30, do CIVA, uma vez que os arrendamentos também eram isentos, como, aliás, é entendimento da própria Administração Tributária (Cfr. Acórdão de 15 de Dezembro de 1997, Processo C-63/92, Lubbock Fine & Co., do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.) XXI. Assim, não podem aquelas indemnizações recebidas pela renúncia aos arrendamentos ser considerada transmissão de bens (artigo 3º nº 1 do CIVA) ou prestação de serviços (artigo 4º nº 1 do CIVA), à luz das definições expendidas na sentença.

  18. Em face dos vertidos entendimentos jurisprudenciais, e dos demais fundamentos “supra” alegados, a sentença recorrida fez errada interpretação da lei.

  19. Assim, a sentença “sub judice” violou, para além de outros, os artigos 4º do CIVA, artigo e 1154º do Código Civil, artigos e 11º da LGT e artigo 103º da CRP.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Excelências doutamente e como sempre suprirão, deverá o presente recurso merecer provimento, revogando-se a sentença recorrida, assim se fazendo a...

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