Acórdão nº 7656/04.3TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução12 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

AA e esposa, BB, residentes na Quinta ......... Leça ......, Matosinhos, intentaram a presente acção, com processo ordinário, contra CC, residente na Rua d................, .....,.........., Matosinhos; DD e marido, EE, residentes na Travessa ........., nº ....., Perafita, Matosinhos e FF e marido, GG, residentes na Rua ........., nº ........, freguesia de Campo, Valongo, alegando, em síntese, que, por escritura pública outorgada em 03/09/99, o 1º réu declarou vender aos 2.os 3.os réus (suas irmãs e cunhados) um prédio rústico de que era proprietário, pelo preço de 149.639,36 euros. Essa venda – por via da qual o 1º réu ficou sem o único bem de valor que integrava o seu património – foi realizada com o intuito de subtrair aos autores a garantia patrimonial do crédito que detinham sobre o réu, no valor de 46.388,20 euros, crédito esse emergente do incumprimento de um contrato promessa que havia sido celebrado e por via do qual o réu havia prometido vender aos autores o imóvel acima mencionado que, entretanto, vendeu às suas irmãs e cunhados. Os réus sabiam e tinham consciência do prejuízo que aquele acto causava aos credores, razão pela qual os autores impugnam o acto realizado, nos termos dos artigos 610º e seguintes do Código Civil. Ainda que assim não se entenda, sempre aquele acto deverá ser anulado, na medida em que correspondeu a um negócio simulado, resultando de conluio entre os réus com o único objectivo de enganar os credores, subtraindo do património do 1º réu o único bem que poderia responder pelo pagamento do crédito dos autores. Com efeito, o preço ali estipulado é muito inferior ao valor real e os 2.os réus não pagaram ou tiveram intenção de pagar qualquer preço ao 1º réu, nem este lho exigiu.

Com estes fundamentos, pedem que o citado negócio de compra e venda seja declarado ineficaz, nos termos previstos no artigo 610º do Código Civil e, subsidiariamente, pedem que esse negócio seja declarado nulo e de nenhum efeito, por simulação, ordenando-se o cancelamento de todos e quaisquer registos de transmissão e outros existentes sobre o referido prédio.

Os 2.os e 3.os réus contestaram, invocando a caducidade do direito de impugnar o acto, por ter decorrido o prazo de cinco anos a que alude o artigo 618º do Código Civil e impugnando os factos alegados. Alegam que o negócio em causa foi real e correspondeu à vontade das partes e, através dele, pretenderam os réus que o património deixado pelo seu pai permanecesse na família, depois de o 1º réu ter anunciado que o ia vender e depois de ter já vendido o direito que detinha sobre a casa ancestral da família, onde sempre viveram os antepassados e onde ainda vivia a mãe das rés.

Concluem pela improcedência da acção.

O 1º réu não contestou.

Os autores replicaram, pronunciando-se pelo indeferimento da excepção invocada, dada a circunstância de apenas terem tido conhecimento da venda em 20/07/2000.

Foi proferido despacho saneador que, julgando procedente a excepção de caducidade, absolveu os réus do pedido principal que contra eles havia sido formulado, determinando o prosseguimento dos autos para apreciação dos pedidos subsidiários.

Os Autores interpuseram recurso da decisão que conheceu da caducidade, tendo sido admitido como apelação.

Os autos prosseguiram com vista à apreciação dos pedidos subsidiários, tendo sido proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu os réus dos pedidos contra eles formulados.

Novamente inconformados, apelaram os autores para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 14/06/2010, na improcedência de ambas as apelações, confirmou as decisões recorridas.

De novo inconformados, os autores recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões: 1ª - Deve ser valorada a prova pericial maioritária, onde se inclui o perito nomeado pelo Tribunal, para se determinar o valor dum imóvel, se não foi encontrado qualquer vício ou ilegalidade.

  1. – Sendo conhecidas pelas irmãs do proprietário do imóvel as dificuldades económicas que este atravessava, comprar-lhe o aludido prédio por 1/5 do seu valor é manifesto que tal acto é simulado e teve como fito enganar terceiros.

  2. – Se, apesar de os réus terem sido notificados pelo Tribunal para juntar documentos na sua posse, com os quais pretendiam os autores fazer prova que não houve pagamento algum para prova da simulação do acto, e os réus não os juntam, existe uma inversão do ónus da prova que se volta contra a parte que não cumpre a ordem judicial.

  3. - Tanto mais grave é a conduta dos réus, quando, interpelados para tal, solicitam prorrogação do prazo para apresentar o documento e nunca o fizeram.

  4. - Para se ver se o valor da escritura era real e se houve efectivamente algum pagamento, não tinham os autores outro meio à disposição que não fosse a entrega dos documentos pelos intervenientes na escritura.

  5. - Para ter valor, não precisa um despacho judicial, comunicado à parte, de ser repetido, quando foi bem entendido pelo seu destinatário.

  6. - Verifica-se simulação quando o negócio supostamente verdadeiro que as partes quiseram foi uma partilha, pois tinham receio que o irmão vendedor perdesse os seus bens para os credores e não poderia compor os outros herdeiros.

  7. - Porém, o negócio dissimulado tem de ser provado pelos interessados na validação do mesmo.

  8. - Todos sabiam que com a “venda” os credores já não poderiam vir penhorar qualquer imóvel.

  9. - Há simulação quando o negócio é celebrado com intuitos de enganar terceiros, não sendo necessário o requisito de prejudicar terceiros.

  10. - O negócio simulado é nulo, operando a sua declaração eficácia retroactiva.

  11. - O acordo simulatório pela dificuldade de prova directa há-de resultar normalmente de factos que o indiciem ou façam presumir.

  12. - O que se verifica quando o valor declarado é 1/5 do real, os compradores são irmãs do vendedor, não é feita prova de qualquer pagamento, todos conheciam as dificuldades económicas do vendedor e logo distribuem um inventário que veio a terminar em transacção.

    Os réus compradores contra – alegaram, formulando as seguintes conclusões: 1ª - As pretensões dos recorrentes, embora omissas nas suas conclusões quanto a este ponto parecem querer pretender uma alteração da decisão da matéria de facto.

  13. - Balizando as conclusões dos recorrentes, as questões a decidir (artigo 690° do CPC) e não constando delas quais os pontos da decisão de facto que pretendem ver alterados (ónus dos recorrentes, nos termos do artigo 690°-A nº 1 alínea a) do mesmo diploma legal, ambos na redacção do DL 183/2000 aplicável ao caso concreto), até em termos formais estaria a este Supremo Tribunal vedado emitir alguma censura à decisão de facto proferida na 1ª instância e confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.

  14. - Não se justifica qualquer alteração à resposta dada ao quesito 1º da base instrutória.

  15. - Não a poderia haver, porque não estamos perante nenhum dos casos previstos no nº 2 do artigo 722º do CPC, mas, essencialmente, porque a prova produzida não permite qualquer alteração.

  16. - O facto do recorrido CC não ter cumprido a intimação judicial que lhe foi feita, não pode, obviamente, quanto aos ora recorrentes, determinar a inversão do ónus da prova.

  17. - Não tem qualquer cabimento vir dizer que eram os recorridos que tinham de provar que pagaram, nos termos do artigos 341° nº 2 do CPC (que diz respeito a defesa por excepção) e do nº 1 do artigo 343° que se refere ás acções de simples apreciação, pois aqui, funciona a regra geral do ónus da prova previsto no nº 1 do artigo 342° do CC “Àquele que invocar um direito cabe fazer provar dos factos constitutivos do direito invocado”.

  18. - De modo algum se pode considerar que a junção daquele documento se tivesse tornado impossível, como exige o artigo 344° nº 2 do CC, na medida em que os recorrentes podiam ter insistido pela sua junção e podiam ter requerido outras diligências com vista ã sua obtenção.

  19. - Dizem ainda os recorrentes que o negócio é simulado porque os recorridos não quiseram fazer uma compra e venda, mas sim uma partilha. Trata-se de uma questão não levantada nos articulados, sobre a qual, consequentemente, a sentença recorrida se não pronunciou e que agora está a ser levantada intempestivamente.

  20. - Esta questão não pode, por isso, ser apreciada por este Supremo Tribunal.

  21. - Os recorrentes não lograram fazer a prova, e aos mesmos incumbia o respectivo ónus, da existência de qualquer divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada na escritura e de um acordo simulatório entre os respectivos outorgantes.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    1. A Relação considerou provados os seguintes factos: 1º - O 1º réu era legítimo proprietário do prédio rústico, sito no lugar de ........, do ........., constituído pelos campos da ..........., do Meio, da ............, da Pereirinha, ......., do Cabo de Baixo, cabo de Cima e da ................, com a área de 56.890 m.2, confrontando a Norte com caminho e HH, Sul com a CUF, Nascente com o mesmo HH e Via Norte e Poente com linha do caminho de ferro da cintura, da freguesia de Leça do Balio, Concelho de Matosinhos, inscrito na matriz no artigo 361 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº zero mil novecentos e oitenta e quatro/dezoito zero seis noventa e nove, freguesia de Leça do Balio (alínea A).

      1. - Por escritura pública outorgada em 03/09/99, no 1º Cartório Notarial de Matosinhos, exarada de fls.121 a fls. 128 do livro n.º 84-F, daquele Cartório Notarial, o 1º réu,CC, declarou vender aos 2º e 3º réus, DD e FF e respectivos cunhados, que por sua vez declararam comprar, o sobredito prédio identificado na alínea A), tudo em comum e parte iguais, “metade da propriedade plena” e “metade da raiz ou nua propriedade do prédio rústico”, pelo preço declarado de 30.000.000$00, correspondente a 149.639,36 euros, que o 1º réu declarou ter recebido (alínea B).

      2. ...

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