Acórdão nº 090/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução24 de Março de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do STA: A..., não se conformando com a sentença do TAF de Sintra que negou provimento ao recurso contencioso de anulação do acto do VEREADOR DA CÂMARA MUNICIPAL DE CASCAIS, de 20/09/2001, que ordenou a demolição da obra realizada ao Km 5,9 da EN 249, Trajouce, São Domingos de Rana, numa área de cerca de 4.420m2, dela veio interpor recurso que finalizou do seguinte modo: A) A sentença recorrida - que se limitou a referir, de modo meramente conclusivo, que a nivelagem efectuada no terreno da Recorrente tem como pressuposto, “por natureza”, uma alteração de topografia, independentemente da sua dimensão - errou ao considerar que o acto administrativo não padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto; B) Houve uma errónea apreciação/qualificação/valoração dos factos materialmente existentes, pois as características da intervenção da Recorrente no prédio demonstram que há uma real discrepância entre a situação abstracta delineada no art. 1.º, n.° 1, do DL 445/91 e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Recorrida decidiu (o que se subsume em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto); C) Nem todos os movimentos de terras ou trabalhos realizados em imóveis são susceptíveis de consubstanciar alterações da topografia local ou obra de construção civil, pelo menos na acepção que lhes é dada pelo art. 1°, n.° 1, do DL 445/91, especialmente quando se está perante intervenções com um impacte urbanístico diminuto; D) Embora no caso concreto se esteja perante uma área de terreno com alguma dimensão, o que sucedeu, de facto, não foi uma drástica alteração do relevo do solo, mas sim uma mera nivelagem de um terreno que já era suficientemente plano, associada a uma retirada do lixo aí existente, factos que não implicam grandes movimentações de terra; E) O referido não se subsume na figura de “alteração de topografia” constante do DL 445/91, porquanto tal diploma legal respeita a modificações substanciais de terreno e não a meras nivelagens de terreno; F) O argumento - invocado apenas em sede judicial, nada constando a respeito do mesmo no acto administrativo impugnado - de que terá havido a execução de uma obra de construção civil [conforme definida no art. 1.º, n.° 1, alínea a) do DL 445/91] não procede, pois, conforme se comprova através das fotografias juntas aos autos pela Recorrente, nenhum dos trabalhos executados é, de facto, um trabalho de construção civil de edifício, reconstrução, ampliação, alteração, reparação ou demolição de edificação; G) Porque a intervenção no terreno não consubstancia uma alteração de topografia (nem uma obra de construção civil), não havia necessidade de prévio licenciamento municipal, pelo que o acto administrativo impugnado sofre de um vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto - tendo o Tribunal a quo errado ao julgar a não verificação deste vício no acto impugnado; H) A consideração de que a intervenção realizada pela Recorrente carecia de prévio licenciamento municipal não foi objecto de suficiente fundamentação de facto e de direito pelo Tribunal a quo, o que é gerador da nulidade da sentença (art. 668°, n.° 1 do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º da LPTA); I) Na medida em que a intervenção efectuada no terreno não se subsume nas hipóteses constantes do art. 1.º, n.° 1 do DL 445/91 (pois não é uma “alteração da topografia local” ou uma obra de “construção civil”), a aplicação deste artigo consubstancia um erro de direito que inquina o acto administrativo impugnado de vício de violação de lei por erro de direito - tendo errado o Tribunal a quo quando julgou o contrário e quando não a aduziu as razões, de facto e de direito, subjacentes à consideração da não existência do erro de direito mencionado; J) Diferentemente do julgado pelo Tribunal a quo - que assim protagonizou um manifesto erro de julgamento - a fundamentação constante do acto recorrido é insuficiente, havendo violação do disposto nos art.ºs 124.° e 125.° do C.P.A; K) A fundamentação do acto administrativo impugnado é remetida para a participação do GFLU, da qual apenas constam conclusões - formuladas mediante ao recurso a terminologia legal, como é o caso de “alteração de topografia” - da visita realizada ao local, não sendo identificados os factos concretos com base nos quais se afirma a ocorrência da alteração de topografia, nem se descrevendo a situação em que o terreno se encontrava antes de a Recorrente intervir no local; L) A Recorrida poderia/deveria ter trazido à fundamentação do acto administrativo a comparação entre a cota do terreno anterior à nivelagem de terras e posterior à mesma (cotas que estão representadas em plantas topográficas na sua disponibilidade), com vista a demonstrar a existência de alteração de topografia (e o Tribunal a quo, para saciedade da boa decisão, poderia/deveria ter solicitado à Recorrida tal comparação); M) Não é possível afirmar de modo peremptório - sem invocar as razões de facto (e não os conceitos jurídicos) que teriam conduzido a tal entendimento - ter havido, em concreto, uma alteração de topografia no local que implicava o prévio licenciamento; N) A fortalecer o entendimento de que existiu falta de fundamentação no caso concreto, pode atentar-se à fundamentação constante dos Acórdãos do STA de 17.11.1999 (Recurso 40.035, publicado in B.M.J., 491,310), de 06.02.2007 e de 07.03.2001 (estes in www.dgsi.pt); O) Para um “destinatário normal” do acto administrativo impugnado não seria possível apreender as causas que permitiram o decidido, a motivação que lhe esteve na base, e as razões que levaram a Recorrida a tomar esta e não outra posição ou orientação (desde logo porque se desconhece o “antes e o depois da intervenção” - sendo que, conhecendo-se, naturalmente se concluiria pela não existência de uma operação urbanística carecida de licenciamento municipal nos termos do DL 445/91); P) Não estão correctos os argumentos aduzidos pelo Tribunal a quo relativamente à impossibilidade de, em concreto, se verificar a violação dos princípios da boa-fé e da proporcionalidade uma vez que se está perante uma actuação vinculada da entidade administrativa, estando-se também aqui perante um manifesto erro de julgamento; Q) Conforme resulta da leitura articulada nos art.ºs 58°, n.° 1, do DL 445/91 e 165.° e 167.° do RGEU, no que respeita a matéria de demolições, a entidade administrativa apenas actua de modo vinculado quando está perante situações em que há insusceptibilidade de legalização (situação em que se encontra obrigada a ordenar a demolição), pois nas demais situações é mencionado apenas ter a mesma um “poder” e não uma “obrigação vinculada” de o fazer; R) Ao contrário do invocado pelo Tribunal a quo, à data dos factos em apreço, o poder conferido à administração de ordenar a demolição não era um poder totalmente vinculado, sendo-o apenas perante a conclusão de se estar perante uma intervenção insusceptível de legalização, motivo pelo qual tem que haver total observância aos princípios da boa-fé e da proporcionalidade, S) O entendimento do Tribunal a quo apenas se poderia admitir se a Recorrida tivesse procedido a uma análise da susceptibilidade de legalização da intervenção da Recorrente (análise obrigatória e que não tem que ser precedida de um pedido de legalização do interessado) e, a partir daqui, tivesse concluído tratar-se, em concreto, de uma obra insusceptível de legalização, o que não se conhece que tenha sucedido; T) A própria Recorrida dá a entender que a intervenção em causa é susceptível de legalização - porquanto refere ter solicitado várias vezes à Recorrente que apresentasse projectos para a legalização da obra em causa - pelo que se conclui que não se está, em concreto, perante uma actividade vinculada; U) Não havendo, no caso, disposições normativas que impeçam a legalização da intervenção da ora Recorrente, esta dependeria apenas do desencadear do procedimento de licenciamento que, de acordo com a Recorrida, estaria em falta; V) É a exigibilidade deste licenciamento que se encontra em discussão, considerando a Recorrente que, como ele não é exigível no caso concreto, sequer se pode, em sentido próprio, falar de uma obra ilegal, mas de uma operação que, em face do seu diminuto impacte urbanístico, se encontra na sua disponibilidade; W) O exposto acerca de se estar perante uma actividade discricionária, bem como a necessidade de respeito de princípios administrativos em matéria de demolição de obras (sobretudo o da proporcionalidade)...

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