Acórdão nº 06970/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 03 de Março de 2011
Magistrado Responsável | PAULO PEREIRA GOUVEIA |
Data da Resolução | 03 de Março de 2011 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO MERCK …………….. LTD., com os sinais dos autos, intentou no T.A.C. de Lisboa um processo cautelar contra · INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde, IP, · MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DA INOVAÇÃO e a · Contra-interessada A……… G………… PTC EHF, pedindo · a suspensão da eficácia das Autorizações de Introdução no mercado (AIM) concedidas à contra-interessada durante o período de vigência da Patente ……… válida até 02/10/2013, e respectivo CCP ……., cuja validade expira em 18/08/2014, relativamente aos medicamentos contendo como princípio activo Montelucaste, · a intimação do Infarmed a não autorizar ou não realizar a transferência da titularidade das AIM's concedidas à Contra-interessada durante o período de vigência da Patente e do CCP e · ser a DGAE, através do MEI, intimado a abster-se, enquanto a Patente e a extensão do seu âmbito de protecção garantida pelo CPP……..se encontrarem em vigor, de emitir os PVP's requeridos ou a requerer e a abster-se de emitir os referidos actos sem suspender a sua eficácia que termina com a caducidade do CCP ……...
Após os articulados, por despacho daquele tribunal foi decidido julgar improcedentes o processo cautelar e também aquilo a que chamou de “pedido de declaração de ineficácia de resolução fundamentada”.
Inconformada, vem M……. F.…….. C…….. recorrer para este T.C.A.-Sul, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1. A ora Recorrente não fundou esta acção numa alegação de que o acto de concessão de AIM suspendendo ou o de aprovação de PVP que se visa prevenir, violam, per se, os seus direitos de propriedade industrial, mas na circunstância de que o acto de concessão de AIM em causa (art° 133°) violou o dever do Estado de não conceder autorizações ou licenças administrativas para a prática, por terceiros, de actividades que violem a esfera do exclusivo consagrado por essa patente.
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A presente providência e a acção principal não se fundam na violação de um eventual dever do Infarmed ou da DGAE de indagar acerca da existência de patentes em vigor relativas aos produtos da Contra-Interessada, nem de atestar uma tal inexistência, mas na invalidade intrínseca das AIM e actos de fixação de PVP relativos a tais produtos, com base em violação da lei constitucional, da lei ordinária e ainda do princípio da legalidade na sua dimensão do respeito pelo chamado bloco de legalidade.
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A motivação de protecção dos direitos propriedade industrial da Recorrente ameaçados pela actividade licenciada pelo Infarmed, não pode confundir-se com a pretensão formulada nestes autos e na acção principal, motivação essa que apenas poderá ser importante para a determinação da existência de interesse em agir da Recorrente, ao tomar a iniciativa de propor esse procedimento e essa acção 4. A tutela dos direitos de propriedade industrial faz-se pelo meio processual mais adequado e mais eficaz e perante os tribunais que possam assegurar, no domínio da sua jurisdição e competência, tal tutela, com maior eficácia e rapidez, não estando adstrita aos tribunais de comércio.
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A protecção dos direitos de patente, enquanto direitos fundamentais, tal como de quaisquer outros direitos dos particulares, é hoje assegurada por uma tutela judicial plena no âmbito da jurisdição administrativa, cujos tribunais são competentes sempre que e na medida em que estejam em causa relações jurídicas de direito administrativo.
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Se, para o julgamento deste caso, o Tribunal tiver que, incidentalmente, conhecer de questões jurídicas prejudiciais que englobem o escrutínio de direitos emergentes de patentes, como ocorre neste caso, ele terá poderes para o fazer, de acordo com o "princípio da paridade" que determina o regime da organização judiciária.
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A Recorrente alegou no requerimento inicial (artigo 82.°) que o Montelucaste usado nos medicamentos Genéricos Montelucaste é produzido pelo processo patenteado pela PT ……….., facto esse que tem manifesto interesse para a decisão da causa, por isso que integra os produtos destes autos no escopo de protecção concedido pela Patente e, posteriormente, pelo CCP e apenas nele poderá assentar qualquer juízo sobre a ameaça de violação dos direitos da Recorrente.
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O Infarmed não alegou quaisquer factos concretos quanto ao processo de fabrico dos Genéricos Montelucaste, sendo certo que deverá ter dele conhecimento, uma vez que está a par das reivindicações daquela Patente e o Estatuto do Medicamento impõe-lhe que efective uma análise aprofundada do processo de produção das substâncias activas de todos os medicamentos que avalia, no quadro dos procedimentos de concessão de AIMs.
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Não existem, pois, quaisquer alegações relativas aos concretos processos de fabricos dos Genéricos Montelucaste, pelo que não é possível a elisão da presunção a que se refere o artigo 98.0 do CPI.
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Assim, os factos alegados pela Requerente nos artigos 82.° e seguintes do requerimento inicial devem ser dados como provados nos termos do artigo 490.° n. o 2 do Código de Processo Civil.
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Caso este tribunal, contra o que se espera, não considerar tal facto como provado, deverá ser admitido como facto a provar o seguinte facto alegado pela Requerente no artigo 42.° do requerimento inicial: - à data do pedido da PT ……… (11 de Outubro de 1991) e da prioridade nela reivindicada. o Montelucaste nunca tinha sido revelado de forma a ser explorado por peritos na matéria, nem tinha sido revelado o uso do processo que é mencionado na PT …….. para obter esse produto.
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Se este facto vier a ser provado, daí decorrerá, nos termos dos artigos 55.°, 56.° e 98.0 do Código de Propriedade Industrial, a consequência jurídica de o objecto da Patente ser um processo de fabrico de um produto novo - o Montelucaste - é de recair sobre os Requeridos e a Contra-Interessada o ónus da prova de que o processo patenteado não viola a Patente e consequentemente o CCP ……..
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O direito emergente da Patente é um direito fundamental, análogo aos direitos liberdades e garantias, com especifica protecção constitucional, beneficiando do regime constitucional a estes aplicável, conforme resulta do artigo 17° da Constituição, estando assim a Administração vinculada ao seu respeito, nos termos do artigo 18° da Constituição, devendo conformar a sua actividade à sua protecção de acordo com o artigo 266° da Lei Fundamental.
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A tanto não obsta o facto de o artigo 25° do Estatuto do Medicamento não incluir a existência de patente entre os fundamentos de indeferimento de um pedido de AIM, porque a enumeração dele constante não é taxativa e a ela sempre se sobreporia o dever imposto constitucionalmente de respeito pelos direitos fundamentais.
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A interpretação dada pela sentença recorrida ao dito artigo 25° do Estatuto do Medicamento torna-o irremediavelmente inconstitucional por violação das normas materiais n.1 do artigo 62.0 da Constituição e dos artigos 17° e 18° da Lei Fundamental.
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Além disso, tratando-se, o direito emergente da Patente, de um direito que goza das garantias dadas pela lei ao direito de propriedade e sendo esta considerada como um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdade e garantias consagrados constitucionalmente, uma autorização concedida pela Administração para a prática de actos que se destinam a infringir tal direito constitui uma violação das vinculações decorrentes daquelas normas, já que, de tais preceitos decorre, além do mais, o dever de Administração "interpretar e aplicar (. .. ) as leis de um modo conforme aos direitos, liberdades e garantias.
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A concessão da Patente é, por outro lado, um acto administrativo cuja consequência é a de atribuição ao seu titular de um exclusivo legal, do qual emergem vinculações para o Estado, entre elas se situando o dever do Estado de não conceder autorizações ou licenças administrativas para a prática, por terceiros, de actividades que violem a esfera do exclusivo consagrado por essa patente, quando essas actividades não sejam livres, isto é, quando dependam de autorização administrativa.
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A concessão de AIM em violação desse dever toma tais actos ilegais ou ilícitos, inválidos, nos termos do artigo 135.° do Código de Procedimento Administrativo, por isso que têm como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um acto administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior.
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Os argumentos expendidos na sentença recorrida com vista a demonstrar a inexistência de nexo de causalidade entre a AIM e os danos não são procedentes, desde logo porque o Estatuto do Medicamento não prevê qualquer "procedimento administrativo de comercialização", procedimento esse que, de resto, não existe.
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Os artigos 77° e seguintes do Estatuto do Medicamento não regulam qualquer "procedimento": o que nessas disposições se faz é disciplinar a efectiva comercialização dos medicamentos pelas empresas que, no contexto do "procedimento de autorização de introdução no mercado" obtiveram as respectivas AIM, tratando-se esta comercialização de uma pura actividade privada.
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De acordo com o "princípio da causalidade adequada" vertido na lei portuguesa, os danos que devem considerar-se como adequadamente causados pelo facto são "aqueles que se não teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido".
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Assim, se é a comercialização efectiva quem determina directamente o prejuízo ao titular da patente violada por essa comercialização, não deixa a concessão de AIM, como acto licenciador dessa comercialização de constituir causa adequada do dano causado pela mesma comercialização, sendo que o facto de o acto de concessão da AIM não ser uma causa directa e imediata do dano é absolutamente irrelevante.
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As considerações atrás expressas aplicam-se, mutatis mutandis aos actos de aprovação de PVP pela DGAE que, com o presente...
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