Acórdão nº 823/06.7TBLLE.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução02 de Março de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

  1. AA intentou acção de condenação, processada na forma ordinária, contra BB, pedindo que o mesmo fosse condenado a reconhecê-la como comproprietária de determinado imóvel, sito em Vilamoura, alegando que, desde 1985 e até ao casamento com o R:, celebrado em 1987, viveram em união de facto, como se de marido e mulher se tratasse, tendo, nessa altura, - e antes do casamento - decidido adquirir conjuntamente o referido prédio, celebrando a A. contrato promessa com os vendedores e pago todo o preço aos mesmos ; porém,no dia para que estava marcada a escritura adoeceu e, por confiar no R. com quem já havia combinado casar, permitiu que este outorgasse na escritura pública, na veste de representante do casal – e não em nome próprio. Todavia, o R. apareceu na referida escritura pública como único adquirente e proprietário do imóvel, recusando-se, na sequência de ulterior separação de pessoas e bens, a partilhá-lo, não obstante o acordo de ambos em como a casa seria bem comum, fundando-se, para tanto, na presunção emergente do registo predial existente a seu favor.

    Devidamente citado, o R. não contestou.

    Verificando-se que – sobre o imóvel em litígio – incidia um registo de penhora a favor de determinado banco – sendo a respectiva execução objecto de oposição à penhora, deduzida pelo R. na presente acção , e de embargos de terceiro, deduzidos pela A. – foi proferido despacho a absolver o R. a instância, por se considerar verificada a excepção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário.

    Tal decisão foi, porém, revogada pela Relação, na sequência do agravo interposto, considerando-se inexistir litisconsórcio necessário passivo do R. e do exequente/embargado, determinando-se o prosseguimento da causa com vista à apreciação do mérito – e sendo de seguida proferido saneador-sentença em que, apesar da matéria de facto fixada em cnsequência da não contestação do R., se julgou a acção improcedente.

    Inconformada, a A. apelou, tendo, porém, a Relação julgado o recurso improcedente e confirmado a decisão proferida em 1ª instância, decidindo-se, em síntese, que: Com a presente acção, pretende a apelante AA ver reconhecida “a comunhão do bem em causa”(1) - prédio urbano designado por Lote 000/00, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº 00000000, freguesia de Quarteira -, registado em nome do Réu BB. Em causa, pois, uma pretendida justaposição de um direito igual ao já existente, mas em benefício da demandante, o que permite situar a questão no âmbito da constituição de um direito real, e não da sua transmissão ou modificação.

    Para o efeito, alegou, em síntese, a apelante AA que “pagou a totalidade do preço” e que havia acordado, com o demandado BB - com quem vivia em união de facto e havia já planeado casar, na altura em que este outorgou a escritura de compra e venda -, “ que a casa seria um bem do casal”.

    (2) Sucede, porém, que estes factos jurídicos são inidóneos para produzir efeitos reais, uma vez que o direito, em abstracto, assim os considera. Ou seja: dos factos jurídicos invocados não deriva o direito real que a apelante AA pretende fazer valer.

    Já em sede de alegações, veio a apelante AA, rotulando o demandado / recorrido BB de mandatário sem representação, situar a presente acção no âmbito cumprimento da obrigação consagrada no artigo 1181º., nº 1 do Código Civil.

    Acontece que, para além da manifesta desconformidade com o pedido formulado inicialmente e não alterado, os factos alegados não apontam para uma vinculação jurídica do referido demandado para com a apelante AA, mas antes para uma situação de obsequiosidade, decorrente de uma relação amorosa e, mesmo que assim não fosse, a alegada acção de cumprimento da obrigação de transferência de bens carece de eficácia real.

  2. Novamente inconformada, interpôs a A. a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe delimitam o objecto: 1. O presente recurso é interposto do Acórdão proferido pela Veneranda Relação de Évora que julgou a Apelação improcedente mantendo, em consequência, a decisão recorrida.

  3. O Acórdão enferma de erro de interpretação e aplicação da lei.

  4. A presente acção foi intentada contra BB, sendo pedida a sua condenação a reconhecer a Autora como comproprietária do imóvel em causa nos autos sendo o Réu é a pessoa em nome da qual se encontra registado o imóvel.

  5. Da matéria de facto dada como provada resulta que a Recorrente e o Recorrido foram confrontados com a possibilidade de adquirirem, a bom preço, uma moradia no Algarve - cfr. facto 7 -, tendo o Recorrido dificuldades financeiras, porém a Recorrente tinha possibilidades de, aos poucos, pagar o preço do imóvel - cfr. facto 8.

  6. Mais resulta que a Recorrente e o Recorrido, conjuntamente acordaram com o proprietário a compra do imóvel e o respectivo preço - cfr. facto 9 - e que o preço foi pago exclusivamente pela Recorrente, de acordo com as suas possibilidades - cfr. factos 10 e 11.

  7. Ficou, ademais provado, que existiu um prévio acordo entre a Recorrente e o recorrido para que a aquisição fosse realizada conjuntamente, ficando o bem registado em nome dois - cfr. factos 12, 13 e 14.

  8. A Recorrente articulou factos reveladores da invalidade da escritura de compra e venda do prédio, com base na qual fundara a iiisão da presunção do direito de propriedade derivada do registo predial da titularidade de outrem, factos que foram dados como provados.

  9. O Recorrido não pode beneficiar da presunção derivada do registo do prédio a que procedeu a seu favor, na conservatória, nos termos do artigo 7.° do Código do Registo Predial.

  10. O registo foi feito exactamente com base nas declarações, impugnadas e infirmadas pelos factos dados como provados, concretamente em violação do acordado com a Recorrente e do mandato conferido por esta para a celebração da escritura.

  11. A presunção derivada do mesmo, deveria ter sido julgada ilidida pelo Acórdão Recorrido.

  12. O pagamento integral do preço pela Recorrente referido na sentença é apenas um dos elementos a considerar para aferir da violação da representação por parte do Recorrido, que agiu com reserva mental aquando da celebração da escritura de compra e venda, produzindo declarações que não coincidiam com a declaração real correspondente ao acordado com a apelante e ao mandato conferido 12. A enumeração do art 1316.° do ÇC não é taxativa e não impede, como se julgou, que seja proferida sentença que declare que a Recorrente é comproprietária do imóvel na proporção de ½ e condene o réu a reconhece-lo.

  13. Existiu ainda, face aos factos provados, clara violaçjqjdo mandato por parte do recorrido.

  14. Ao adquirir o prédio para ele exclusivamente, o Recorrido agiu contra os interesses do mandante, a ora Recorrente.

  15. O réu agiu, pois, na sequência de um mandato sem representação, - artigo 1180 – pelo que adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio em causa, porque agiu em nome próprio, mas na sua qualidade de mandatário é obrigado a transferir para o mandante ( a Recorrente) o direito a 1/2 do prédio, que adquiriu em execução do mandato - artigo 1181 do Código Civil.

  16. Embora um terceiro seja o destinatário dos actos, os efeitos destes verificam-se na esfera jurídica do mandatário, - artigo 1180 - assim se revelando como lícita a interposição real do mandatário sem representação, ainda que oculte a sua posição em relação ao mandante ( cf. Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 3a edição, página 747 ).

  17. Decorre do artigo 1181, como correlativa ao princípio geral nele consignado, uma acção do mandante d. carácter pessoal e não de carácter real.

  18. A acção do mandante destina-se apenas a obter o cumprimento de uma obrigação – a de transferir os bens, (v. Antunes Varela, "ibidem", página 748, e anotação de Vaz Serra ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/78...

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