Acórdão nº 00414/10.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | Rog |
Data da Resolução | 18 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
EM NOME DO POVOAcordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: J… veio interpor, a fls. 307 e seguintes, o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 30.06.2010, a fls. 291 e seguintes, pela qual foi julgado improcedente a providência cautelar deduzida contra o Município do Porto, com vista a obter a suspensão da eficácia do acto do Vereador do Pelouro do Urbanismo que ordenou a cessação da utilização da fracção autónoma sita na Avenida da Boavista.
Invocou para tanto que a sentença recorrida errou na apreciação da matéria de facto, por deficit instrutório, na apreciação do requisito “periculum in mora”.
A Contra-Interessada M… apresentou contra-alegações, a fls. 367 e seguintes, defendendo que devia ter sido declarada a caducidade da providência cautelar requerida e, em todo o caso, é de negar provimento ao recurso jurisdicional.
O Município recorrido também contra-alegou, a fls. 375 e seguintes, reiterando que caducou a providência cautelar e defendendo igualmente a manutenção da sentença recorrida.
O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*São estas as conclusões das alegações do presente recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto: 1. A pretensão do ora recorrente foi indeferida com fundamento no não preenchimento do requisito do periculum in mora, concretamente por se ter entendido que a alegação do recorrente foi “conclusiva e genérica ou vaga”.
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No entanto, a verdade é que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação do periculum in mora, enfermando a sentença recorrida de deficiência instrutória, por violar, designadamente, o disposto na al. g) do n.º 3 do art. 114.º do CPTA, bem como o disposto no n.º 3 do art. 118.º do CPTA.
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O fundado receio de que a demora do processo principal causa uma situação de facto consumado ou prejuízos difíceis de reparar deve ser apoiada em factos concretos que permitam concluir com objectividade, pela actualidade e seriedade da ameaça, pela relevância dos efeitos da sua concretização, e pela necessidade e adequação da pretensão cautelar para arredar aquela e evitar estes, como de resto foi feito pelo recorrente na sua petição.
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É verdade que, em princípio, a alegação dos factos concretos integradores do periculum in mora está a cargo do requerente.
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No entanto, não pode pretender-se que a alegação fáctica seja de tal forma exaustiva e pormenorizada que substitua e esgote a utilidade da produção da prova, designadamente testemunhal.
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O ónus de alegação refere-se apenas aos factos essenciais para a decisão da causa (para a procedência da pretensão do requerente), mas já não aos factos instrumentais ou indiciários que, sendo úteis para a decisão da causa, podem e devem ser oficiosamente considerados pelo tribunal, mesmo que não tenham sido alegados pelas partes nos seus articulados.
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Desde que alegados os factos essenciais à pretensão deduzida, nada obsta a que outros factos (instrumentais ou indiciários), que se revelem úteis à procedência do pedido formulado, mas que não tenham sido concretamente articulados, sejam “trazidos a lume” pelas testemunhas, e neles se suporte a decisão do tribunal (cfr. art. 264.º, n.º 2, do CPC).
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Não é razoável pretender que dos articulados constem todos os factos instrumentais ou indiciários, que se descreva com minúcia todos os mais ínfimos pormenores factuais, sob pena de as peças processuais se converterem em relatos impossíveis de analisar e de aos seus autores se impor que entrevistem prévia e demoradamente as testemunhas para se inteirarem de tudo o que as mesmas presenciaram e estão em condições de declarar.
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Não pode razoavelmente pretender-se, como se escreve na sentença recorrida (cfr. fls. 301), que o requerente, para além de alegar a existência de especiais dificuldades de encontrar um espaço na zona limítrofe do arrendado para exercer a sua habitação e de alegar ainda a elevada taxa de ocupação dos edifícios na Avenida da Boavista (cfr. art. 86.º da sua petição), também concretize e demonstre, logo nos articulados, que diligências efectuou ou deixou de efectuar para obter um escritório nas proximidades. Essa é tarefa reservada à prova, designadamente testemunhal.
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Por outro lado, não pode o julgador esquecer ou afastar a disciplina aplicável aos factos notórios ou de conhecimento geral que, nos termos do artigo 514.º do CPC, dispensam o ónus de alegação e demonstração probatória.
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Na situação em apreço, não podem deixar de considerar-se factos notórios os prejuízos para a actividade profissional do requerente decorrentes da cessação, ainda que temporária, do uso do locado para o exercício da advocacia.
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A gravidade e probabilidade desses prejuízos resulta da elevada ocupação dos edifícios na zona da Avenida da Boavista, da escassez de oferta de espaços aptos para o exercício de uma profissão liberal naquela zona da cidade e os elevados valores de renda pedidos pelos imóveis em susceptíveis de serem arrendados, factos que, tendo sido alegados pelo requerente, não podem também deixar de considerar-se notórios para a edilidade e para os tribunais sedeados no Porto.
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A insusceptibilidade de reparação adequada e suficiente desses prejuízos, que dificilmente podem ser computados em dinheiro, resulta da circunstância ― também ela notória, porque de todos conhecida ― de que não é possível a um advogado recuperar as oportunidades perdidas (em termos de clientes e processos) em virtude da deslocação para outro local ou, pelo menos...
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