Acórdão nº 308/08.7ECLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO O Lic.

AA, Procurador-Adjunto, foi condenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 1ª instância, por acórdão de 24.6.2010, como autor material de um crime de especulação, p. e p. pelo art. 35º, nº 1, c), do DL nº 28/84, de 20-1, na pena de 330 dias de multa, à taxa diária de € 10,00.

(1) Desse acórdão interpôs o arguido recurso para este Supremo Tribunal, concluindo: 1) O Tribunal incorreu em erro notório na apreciação da prova - art. 410°, n.° 2, c), do CPP - quando considerou que o inspector da ASAE anotou (manuscreveu), no documento de fls. 6 o nome do arguido, pois o que este efectivamente anotou foi parte de um endereço electrónico, aliás, constante já do próprio documento original.

2) Igualmente incorreu em erro notório na apreciação da prova quando considerou que no documento de fls. 7 se vê referenciado um qualquer endereço electrónico, designadamente o do arguido.

3) Contrariamente ao que entendeu o Tribunal recorrido, o arguido - ainda que só alegadamente - nunca estabeleceu qualquer contacto escrito, via e-mail, com o inspector DD, designadamente aquele a que se reporta o ponto 3) dos factos provados.

4) A identidade da pessoa que alegadamente terá contactado, via e-mail, o arguido permanece desconhecida, pois que nenhuma das testemunhas que depuseram em audiência de julgamento reconheceu ter contactado por via electrónica o arguido.

5) Nem qualquer prova se fez que o arguido tivesse respondido a qualquer email.

6) Contrariamente ao que entendeu o Tribunal, a testemunha DD nunca disse - tanto que não se lembra - que o arguido lhe havia referido que o preço pretendido pelo bilhete era de € 450,00.

7) Aquilo que se recorda, designadamente o preço, advém-lhe do próprio processo, que consultou, antes de prestar declarações.

8) Contrariamente ao que referiu e considerou o Tribunal, a testemunha CC nunca referiu que o arguido tivesse guardado o envelope (e o dinheiro que este contivesse) na parte de dentro do blusão que vestia.

9) De igual modo, também o Tribunal considerou que a testemunha EE havia referido o mesmo, quando, na verdade, a testemunha, referiu nada se lembrar, acerca desta matéria.

10) Contrariamente ao que entendeu o Tribunal na motivação que fez aos factos provados, a testemunha FF apenas referiu que, não tendo a certeza, era apenas sua convicção de que o arguido guardou o envelope no interior do blusão que vestia, e nunca que o guardou aí efectivamente.

11) Nestes pontos esteve mal o Tribunal na avaliação da prova que fez.

12) Porque são contraditórios, o Tribunal deveria ter considerado e analisado os depoimentos prestados pelas testemunhas FF e EE e não apenas aquele que escorreu da testemunha CC no que concerne ao suposto afastamento (de 2 ou 3 metros) do arguido, logo após ter recebido o envelope.

13) Incorreu o Tribunal, portanto, neste ponto, para além do vício da falta de fundamentação - art. 374°, n.° 2, do CPP - do vício previsto no art. 379.°, n.° 1, al. c) do mesmo código.

14) Atendendo à prova produzida em audiência de julgamento, não resultaram provados os factos constantes dos pontos 2), 3), 6) e 7) que aquele Tribunal deu como provados.

15) O arguido nunca pediu € 450,00 pelo bilhete que pretendia desfazer-se, seja por via de anúncio, por via electrónica ou pessoalmente.

16) Nenhuma das testemunhas que depôs em audiência de julgamento referiu ter visto, na primeira pessoa, publicitado o anúncio da internet a que se reporta o doc. 7 dos autos.

17) O arguido nunca pediu ao seu comprador - inspector CC - o valor de € 450,00 pelo preço do bilhete; nem esse, nem qualquer outro! 18) E nem precisava de o pedir, porque no próprio bilhete que lhe entregou estava já inscrito o preço do mesmo pela entidade promotora do espectáculo.

19) Sem auto de apreensão do dinheiro (e do envelope), o Tribunal recorrido não poderia dar como provado o ponto 6) da factualidade que deu como provada, pois o dinheiro, fazendo parte de um elemento essencial do crime (preço), só poderá ser provado por documento.

20) O Tribunal violou o princípio in dubio pro reo pois, colocado numa situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, designadamente quanto ao preço pretendido pelo bilhete, decidiu, em tal situação, contra o arguido, condenando-o.

21) Atendendo à específica matéria de facto por que vem pronunciado o arguido, designadamente pretendendo vender um só bilhete, que comprou para uso pessoal, acrescendo-lhe, todavia, custos pessoais de aquisição e de depósito, a consequência jurídica não pode ser criminalmente típica.

22) Ao condenar o arguido, o Tribunal violou o art. 35°, n.° 1, al. c), do DL 28/84, de 20 de Janeiro, por erro de interpretação e aplicação.

23) O tribunal violou igualmente o preceito constitucional contido na 2ª parte do art. 32°, n.° 5, da CRP ao considerar como suficiente apenas a prova testemunhal prestada pelo sr. inspector CC para dar como provado o ponto 6 (2ª parte) dos factos provados, sabendo o mesmo Tribunal que, quanto à mesma matéria, o arguido nada pode vir a dizer ou contradizer, por pessoalmente a desconhecer.

24) Nesta medida, a sua defesa encontra-se, também ela, coarctada.

Nestes termos, deverá ser dado provimento ao recurso e absolver-se também o arguido AA pelo crime de especulação por que vem condenado.

O Ministério Público respondeu, dizendo: 1- Aquilo que o recorrente denomina como erro notório na apreciação das provas apenas enquadraria um erro de julgamento e não o vício previsto no art°. 410°, n°. 2, alínea, c) , do CP.Penal; 2- Como tribunal de revista alargada, o STJ apenas conhece, em recurso, de matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento dos vícios previstos no n°. 2, do referido art°. 410°, do CP Penal; 3- Não se verifica violação do princípio in dubio pro reo, pela singela razão de dúvida não existir acerca da respectiva conduta; 4- O Acórdão recorrido mostra-se fundamentado de facto e de direito; 5- A matéria de facto apurada é integradora do crime de especulação p. e. p. pelo art°. 35°, n°. 1, alínea c), do DL. n°. 28/84, de 20/1.

Realizada a audiência de julgamento, nos termos legais, a pedido do recorrente, cumpre decidir.

  1. FUNDAMENTAÇÃO São as seguintes as questões colocadas pelo recorrente: a) Erro notório na apreciação da prova; b) Impugnação da matéria de facto (nºs 2, 3, 6 e 7 dos factos provados) e violação do princípio in dubio pro reo; c) Não integrarem os factos o crime por que foi condenado.

    Uma vez que a Relação julgou em primeira instância, o presente recurso, além da matéria de direito, abrange a matéria de facto.

    É a seguinte a matéria de facto, e respectiva...

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