Acórdão nº 3988/2004-5 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelMARQUES LEITÃO
Data da Resolução26 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Extracto do acordão com a parte decisória (...) Na sentença recorrida consignou-se, como matéria de facto provada, o seguinte (transcrição, exceptuando as alíneas, estas por nossa iniciativa para, adiante, melhor se referenciar, face à motivação, aquela matéria): «A) O arguido é casado com (A), id. a fls. 3, há mais de 11 anos, tendo ambos em comum uma filha de 5 anos de idade.

B) A data dos factos, o arguido e a (A) faziam vida em comum, residindo ambos na Rua... Lisboa.

C) Ambos são casados em segundas núpcias, sendo que ambos têm filhos do anterior casamento. As filhas de (A) foram criadas pelo arguido, vivendo com a mãe e padrasto até se casarem.

D) No dia 25/2/2001, cerca das 18 horas, na sequência de discussão por motivos financeiros, no interior da residência comum do casal, o (R) desferiu um soco no estômago da (A), provocando-lhe dores.

E) A (A) não necessitou de receber tratamento hospitalar, tendo recorrido ao seu médico de família.

F) A (A) chamou a polícia ao local.

G) Em Agosto de 2000, na sequência de discussão por motivos financeiros, no interior da residência comum do arguido e ofendida, o (R) desferiu vários socos e pontapés, em várias partes do corpo da (A), causando-lhe dores.

H) A (A) não necessitou de receber tratamento hospitalar.

I) No dia 4/7/2001, cerca das 20,30 horas, na sequência de discussão por motivos financeiros, no interior da residência comum do arguido e ofendida, o (R) disse para a arguida que a matava, causando-lhe receio e mágoa.

J) A partir de finais de 2000, o arguido passou a implicar com a (A), proibindo-a de ter acesso a uma arrecadação na garagem, retirando-lhe a chave da caixa do correio impedindo-a de ter acesso à mesma.

K) O (R) e a (A) apesar de estarem casados e viverem na mesma casa, não partilham o leito conjugal, dormindo em quartos diferentes.

L) O (R) não quer continuar a fazer vida conjugal com a (A).

M) A (A) é proprietária de um andar, mas que entende que é demasiado pequeno para si e para a filha de ambos.

N) A (A) é reformada auferindo uma pensão de 130.000$00.

O) O (R) entrega à ofendida, mensalmente, uma quantia que não foi possível apurar em audiência, mas não inferior em € 600,00, para despesas da casa, colégio da filha comum e despesas com esta.

P) O (R) não deixa a (A) usar o carro dele, sendo que a ofendida utiliza o carro que lhe foi oferecido pelos pais.

Q) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo serem proibidas tais condutas.

R) O arguido é bancário, auferindo € 2.500,00 por mês. Como habilitações literárias possui a licenciatura em Gestão de Empresas.

S) O arguido não tem antecedentes criminais.».

Seguidamente aditou-se na sentença (transcrição): «Não se Provou Que em consequência da agressão sofrida no dia 25/2/2001 tenham resultado para a (A) as lesões descritas no auto de exame de fls. 21, aqui dado por reproduzido.

Que no dia 5/7/2001, cerca das 08,00 horas, no interior da residência comum, o arguido se tenha dirigido ao quarto da ofendida e a tenha forçado a levantar-se, batendo com as portas e janelas, acordando também a filha de ambos.

Que em 11/8/2001, cerca das 22,00 horas no interior da residência do arguido e ofendida, o (R) tenha dito à (A) que lhe bateria e que não queria em sua casa ninguém da família dela, nomeadamente a filha, já casada, e o neto.

Após, sob a epígrafe "Fundamentação da Prova", consignou-se na sentença (ainda transcrição): «A convicção do tribunal resulta da descrição dos factos feita pela ofendida (A), o que veio a ser corroborado pelas testemunhas (PA) e (RS), que revelaram conhecer os factos, designadamente presenciaram a ofendida com hematomas ( " marcas de agressão", "nódoas negras"), bem como do exame dos documentos de fls. 3, 32, 205/213. Considerou ainda, o tribunal os depoimentos das testemunhas (V), (V) e (IF), que reiteraram a agressividade constante no arguido e a sua repercussão na queixosa.

Relativamente às condições pessoais do arguido, teve-se em conta as suas próprias declarações, bem como o teor do documento de fls. 205/213.

Por último, teve-se em conta o teor do C.R.0 junto a fls. 128, demonstrativo da inexistência de antecedentes criminais por parte do arguido.

Os factos não provados resultam de não se ter feito prova sobre os mesmos.».

Isto posto prossigamos: Como flui das conclusões da motivação do recurso -- que balizam o objecto do mesmo (artigos 403.° e 412.0, n.° 1, ambos do Código de Processo Penal) - as questões nele postas prendem-se, fundamentalmente, com: a) Saber se foi, como alega o recorrente, violado o n.° 2 do artigo 374.° do Código de Processo Penal, sendo, por consequência, a sentença nula; b) Saber se devia ter sido considerada não provada, como também alega o recorrente, a matéria de facto considerada provada constante das supra referidas alíneas D), G), 1), J) e Q); c) O enquadramento jurídico-penal dos factos.

Vejamos então.

Antes, porém, e visto que o recorrente na motivação do recurso escreveu, sob ponto III, os seguintes dizeres "Dos vícios do artigo 410. ° do Código de Processo Penal", - vícios esses que não levou às conclusões da motivação do recurso e, por conseguinte, deles não haveria que conhecer, mas há, por serem de conhecimento oficioso -, atentemos se a sentença recorrida sofre de algum dos vícios a que se reportam as três alíneas do n. ° 2 do aludido artigo 410. °.

Como resulta expressis verbis do art.° 410. ° do Código de Processo Penal, os vícios referidos nas aludidas alíneas têm de resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo no julgamento.

E que alega o recorrente sob aquele ponto III? Apenas o seguinte: «É contraditório que se tenha provado que, em 25/2/01, o arguido "desferiu um soco no estômago da (A), provocando-lhe dores" e se não tenha provado que na sequência dessa agressão tenham resultado para aquela "as lesões descritas no auto de exame de fls. 21", como consta da matéria de facto que se não deu por provada.

Além do mais, é a própria testemunha (V) (Cassete 1, lado A) que refere no seu depoimento que a queixosa "dava sinais de ter sido agredida no braço", O que só pode revelar que nunca poderia o arguido ter agredido a queixosa no estômago, como deu por provado o Tribunal recorrido.

De referir ainda que, sendo tal exame supostamente consequência directa da agressão daquela data por parte do arguido, como se poderá provar a agressão se não se provam os exames a ela subjacentes? Padece, pois, a sentença de contradição entre a prova existente nos autos e a matéria de facto que ficou provada.

Com tal falta de prova do exame de fls. 21, não poderia o tribunal recorrido ter dado como provada a factualidade a que se reporta o dia 25/02/2001» Ora, o acabado de transcrever ipsis verbis daquele ponto III, mais não é do que a manifestação, por parte do recorrente, da sua discordância sobre a forma como foi apreciada a prova atinente à factualidade considerada provada constante da supra aludida alínea D). Aliás, O arguido/recorrente nem sequer dá nome ao vício do artigo 410. ° do Cód. Proc. Penal de que, na sua opinião, a sentença recorrida sofre.

E, compulsada essa mesma sentença, não se nos depara a existência de qualquer um desses vícios, ou sejam, ut as alíneas do n.° 2 do predito artigo 410. °: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e erro notório na apreciação da prova.

Voltando às questões acima enunciadas sob alíneas a) a c): Quanto à enunciada em a): A sentença deve conter, na sua fundamentação, a "enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal."(1), sendo nula se não respeitar essa indicação(2).

A exigência da referida menção radica no dever de fundamentação, consignado nos artigos 205. °, n.° 1, da Constituição da República e 97.°, n.° 4, do Código de Processo Penal...

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