Acórdão nº 03P3566 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução18 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - 1.1. - No decurso do julgamento do arguido THSO, com os sinais dos autos, a que o Tribunal de Júri da 5ª Vara Criminal de Lisboa procedia, após deliberação, pelo respectivo Presidente foi proferido o seguinte despacho: «O Tribunal entende que há uma alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia e que é a seguinte, passando estes novos factos a acrescer aos que já constam da pronúncia - isto ao abrigo do disposto no art. 358º, nº. 1, do C.P.P.: "No dia 04.12.99, entre as 15 e as 18 horas, na Rua Fresca do Casal Ventoso, Lisboa, em frente à porta em ferro de cor amarela, sem número, assinalada com as letras a) e b) do croquis de fls. 12, o arguido THSO entregou a cada uma de pelo menos cem pessoas, embalagem de cocaína ou heroína em peso e quantidade que não foi possível ao certo determinar, mas nunca inferior a 0,100 g (zero vírgula cem gramas) ou de cocaína ou de heroína, por pessoa, e recebendo de cada uma destas pessoas em pagamento daqueles produtos quantias monetárias cujos montantes também não foi possível ao certo determinar." A Mandatária do arguido requereu prazo para a defesa, atenta aquela alteração, o que foi concedido, tendo sido suspensa a audiência. Reaberta a mesma, veio a ser proferido pelo Juiz Presidente o seguinte despacho: "Na sequência da alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia a que, nos termos do disposto no art. 358º, nº. 1, do Código de Processo Penal, se operou na acta de julgamento do dia 26-2-03 e que consta de fls. 925 a 928, veio o arguido, no período que para tanto lhe foi concedido ao abrigo da mencionada disposição legal, apresentar o requerimento de fls. 938 a 941, aonde constam as novas diligências de prova cuja produção em julgamento pretende ver efectuadas e que são, em resumo, as seguintes: - Que o Instituto de Meteorologia diga a que horas no dia 4-12-99 se levantou e pôs o sol na Rua Fresca do Casal Ventoso, se ali nesse dia e entre as 15 e as 18 horas fez chuva e houve nevoeiro e, no caso de ter chovido, quanto ali choveu naquelas três precisas horas. - Que a Câmara Municipal de Lisboa e a Electricidade de Portugal informem a que horas daquele dia 4-12-99 ligaram e desligaram as luzes na dita Rua Fresca do Casal Ventoso. - Que o Ministério da Administração Interna remeta a marca e o modelo dos binóculos pelos quais a polícia espreitou para a dita Rua Fresca, identifique quem é que ficou com os binóculos, remetam aos autos o talão da entrega dos mesmos, bem como a escala de quem estava nesse dia de serviço. Finalmente, que venham outra vez a julgamento depor todas as testemunhas de acusação. Ora bem. O teor da referida alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia, a que se operou na acta de julgamento do dia 26-2-03, resultou precisamente do teor das declarações nessa sede prestadas por aquelas três mencionadas testemunhas, cada uma das quais foi na altura longamente questionada sobre todos os aspectos acima referidos de luminosidades, chuvas e nevoeiros, que binóculos eram, quem os tinha e por eles espreitava, a que distancia estava, etc, etc, etc, etc. Por isso - para além de duvidarmos que o Instituto de Meteorologia consiga precisar por exemplo se na Rua Fresca do Casal Ventoso, entre as 15 e as 18 horas do dia 4-12-99 fez chuva e houve nevoeiro e, no caso de ter chovido, quanto ali choveu naquelas três precisas horas - se entendem as diligências de prova agora requeridas como irrelevantes, supérfluas e inadequadas, tendo o mencionado requerimento finalidade manifestamente dilatória. Pelo que na totalidade se indefere: art. 340º, nº. 4, do C.P.P. De seguida a Mandatária do arguido ditou um requerimento de interposição de recurso deste despacho e requereu a junção aos autos de duas certidões "sendo uma emitida pelo Instituto de Meteorologia de Portugal e donde foi certificado através do Observatório Astronómico da Ajuda o estado do tempo no dia 4 de Dezembro de 1999 na cidade de Lisboa e nas zonas de Alcântara, Campo de Ourique e Campolide, precisando ainda esse Instituto as condições de nebulosidade, pluviosidade e visibilidade entre as 15 e as 18 horas de referido dia" e uma certidão emitida pelo Observatório Astronómico de Lisboa "donde se certifica a hora do nascer e por do Sol no dia 04 de Dezembro de 1999, especificando ainda a hora do escurecer em termos de horas e minutos. O Juiz Presidente ditou então o seguinte despacho: "Embora o Tribunal estranhe a circunstância de o arguido ter vindo requerer diligências, como a referente ao Instituto de Meteorologia, e ter aguardado a decisão do Tribunal sobre a sua admissibilidade ou não quando tinha já em seu poder os elementos que pretendia no tocante ao Instituto de Meteorologia - apesar de terem sido indeferidos, porque o arguido os tem na sua posse, fiquem os mesmos rios autos." 1.2.- Veio o arguido a apresentar a motivação do recurso da decisão interlocutória, em que pede seja ordenada a realização das diligências que requereu, úteis à descoberta da verdade, à boa decisão da causa e essenciais à sua defesa e concluiu: 1. Vem o presente Recurso interposto da Decisão Judicial constante na Acta de 12 de Março de 2003, que indeferiu às diligências de prova requeridas pelo Arguido, no exercício da sua defesa, e no prazo que para tanto lhe foi concedido; 2. Isto, no decurso da alteração não substancial dos factos constante da Acta de Julgamento de 26 de Fevereiro de 2003, diligências por si requeridas, nos termos do disposto pelo Artigo 358º e 340º, ambos do C.P.P.; 3. E, porque, na sua perspectiva, as susceptíveis de contraditar e fazer prova sobre a alteração suscitada e decorrente do depoimento de três testemunhas de acusação. 4. Assim, e na sequência desse seu requerimento, foi requerida a produção de prova documental, técnica e susceptível de ser obtida através do tribunal, e ainda a produção de prova testemunhal, caso se considerasse a mesma necessária após a realização daquela, tudo conforme conta do requerimento do Arguido de folhas 938 a 941. 5. Por esta via o Arguido procurava contraditar e por à discussão e consideração do Tribunal, aquela alteração à pronúncia, suscitada e determinada, sendo que a realização de tais diligências de prova em qualquer caso se revelariam, independentemente dos resultados (favoráveis, ou não para o Arguido), úteis para a boa decisão da causa, e imprescindíveis a descoberta da verdade material 6. Tratavam-se de diligências de prova, legais, admissíveis e possíveis 7. De juízos técnicos emitidos por entidades legalmente reconhecidas e que poderiam revelar como revelaram, afinal, importantes elementos para a prova, ou não dos novos factos levados a pronuncia 8. Adequados e relevantes, como se demonstra pelo teor dos documentos cuja junção se Requereu em Acta, também de 12 de Março. 9. O Tribunal ao indeferir a realização dessa diligências de prova, na sua totalidade, incorreu na violação ao preceituado pelo disposto nos artigos 358º, 340º, 164º, 165º, 124º, nº. 1, 125º e 163º, todos do Código de Processo Penal; 10. Cerceando a possibilidade do Arguido se defender, quanto à alteração da pronúncia introduzida na Acta de 27 de Fevereiro de 2003; 11. E preterindo por via da sua Decisão a possibilidade do Arguido os contraditar, mais não fosse por via documental técnica, objectivamente mais fiável e adequada à demonstração e descoberta da verdade. 1.3.- Respondeu o Ministério Público que concluiu: 1ª - As diligências requeridas pelo recorrente, parte das questões, até, de obtenção impossível ou duvidosa, são absurdas, irrelevantes, inúteis e supérfluas, tanto mais que as testemunhas, que o recorrente pretendia ver reinquiridas já tinham deposto, e, na altura em que depuseram foram longamente questionadas pela ilustre mandatária do arguido sobre os aspectos de luminosidade, existência ou não de chuva ou nevoeiro, binóculos usados, quem os tinha utilizado, distância a que se encontravam, etc. 2ª - Aliás, as informações pretendidas pelo recorrente do Observatório Astronómico da Lisboa e do Instituto de Meteorologia vieram a ser juntas pela sua ilustre mandatária, que afinal as possuía, logo após o indeferimento, e constituem fls. 955 a 957 dos autos, pelo que solicitá-las agora de novo seria absurdo e inútil. 3ª - Não foi violada qualquer disposição legal, nomeadamente não foram violados os arts. 358º, 164º, 165º, 124º, nº. 1, 125º e 163º do CPP. 4ª - Deve, pois, ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmado inteiramente o douto despacho recorrido. II - 2.1.- O mesmo Tribunal de Júri decidiu, por acórdão de 2.4.03, condenar o arguido THSO, com os sinais dos autos, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º, nº. 1, do DL nº. 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão. 2.2.- Para tanto atendeu à seguinte matéria de facto. Factos provados: Da pronúncia e dos acrescentados pela alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia: No dia 04-12-99, entre as 15 e as 18 horas, na Rua Fresca do Casal Ventoso, Lisboa, em frente à porta em ferro de cor amarela, sem número, assinalada com as letras a) e h) do croquis de fls. 12, o arguido THSO entregou a cada uma de pelo menos cem pessoas, embalagem de cocaína ou heroína em peso e quantidade que não foi possível ao certo determinar, mas nunca inferior a 0,100 (zero vírgula cem) gramas ou de cocaína ou de heroína, por pessoa, e recebendo de cada uma destas pessoas, em pagamento daqueles produtos, quantias monetárias cujos montantes também não foi possível ao certo determinar. O ora arguido THSO guardava aqueles produtos estupefacientes na casa que tinha a acima mencionada porta em ferro de cor amarela, sem número, sita na Rua Fresca do Casal Ventoso, Lisboa. O ora arguido THSO agiu deliberada, livre e conscientemente. Bem sabia o ora arguido THSO que a detenção e a venda de heroína e de cocaína lhes eram proibidas por lei. No dia 7 de Fevereiro de 2000, pelas...

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