Acórdão nº 04B4365 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Janeiro de 2005

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução13 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "A" intentou, no dia 21 de Outubro de 2002, com apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, contra o Banco B SA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo o reconhecimento da inexistência da ordem de bolsa e restituição das partes ao status quo ante ou a declaração da eficácia do caso julgado material na acção em que interveio como ré e a reposição da legalidade ou, quanto assim não viesse a entender-se, a restituição com base no enriquecimento sem causa da quantia de € 172 443,29 e juros de mora à taxa legal.

Fundou a sua pretensão, em síntese, por um lado, em ter indemnizado o réu, em 1990, por incumprimento de uma obrigação que supunha ter em relação a ele em virtude de ordem de aquisição de acções na bolsa, mas que efectivamente não tinha, conforme decisão judicial proferida em acção entre a autora e a funcionária C que considerou não se verificar o incumprimento.

E, por outro, que consentiu na indemnização do réu, por este, em razão da subjugação anímica, de ele forçar a situação de facto, de explorar e especular sobre a sua inexperiência inicial de jovem corretora.

O réu, em contestação, invocou a ineptidão da petição inicial, a prescrição e, em impugnação, afirmou ter havido uma ordem de compra da autora de 140 550 acções, e inexistir enriquecimento sem causa ou coacção moral.

A autora, na réplica, respondeu haver causa de pedir e coerência lógica entre ela e o pedido, não ter operado a prescrição, dever funcionar o caso julgado material, e delimitou o pedido e a causa de pedir, afastando os concernentes à anulabilidade.

Designada a audiência preliminar para os fins previstos no artigo 508º-A, nºs 1, alíneas a), b), c), d) e e), e 2 do Código de Processo Civil, foi realizada no dia 9 de Outubro de 2003, tendo-se frustrado a diligência de conciliação, facultada foi à autora e ao réu a discussão de facto e de direito para efeito do disposto no artigo 508º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, e, finda a discussão logo foi proferida sentença, por via da qual o réu foi absolvido do pedido.

A autora não arguiu qualquer nulidade, interpôs recurso de apelação da sentença no dia 20 de Outubro de 2003, alegou no dia 27 de Novembro de 2003, e a Relação, por acórdão proferido no dia 17 de Junho de 2004, negou provimento ao recurso.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, sem que fosse realizada a audiência preliminar previamente agendada, até para os fins previstos no artigo 508º-A, nºs 1, alíneas a), b), c) e e) e 2 do Código de Processo Civil, violou os princípios da descoberta da verdade material e da cooperação tribunal/partes, constantes dos artigos 265º e 266º daquele diploma, por não ter permitido às partes o requerimento de perícias e mais provas tendentes ao esclarecimento de todas as questões objecto do processo; - o processo deve baixar à 1ª Instância, para realização plena da audiência preliminar e prosseguimento dos mais trâmites processuais até final; - ao oferecer à sua cliente D acções que ainda não adquirira nem sabia se e quando as adquiriria, e ao obrigar a recorrente, corretora, através de queixa, sem fundamento, na Bolsa de Valores de Lisboa, tendente a obter de si o cumprimento de obrigação que sabia ser inexistente, o recorrido violou os bons costumes comerciais de corretagem na bolsa de valores; - acedeu em celebrar o acordo com o recorrido contra os bons costumes comerciais, porque o prosseguimento da queixa lhe implicaria a suspensão cerca de do início da sua actividade e tinha obrigações a cumprir face aos seus colaboradores e fornecedores, que ficariam por cumprir e isso seria fatal para a sua actividade; - o facto de o recorrido ter assumido metade dos prejuízos sem explicar à recorrente, contra o seu dever, como tudo foi pago por ele à D, confirma ter agido contra os bons costumes comerciais da corretagem; - se tal foi pago, não sabe a recorrente para onde e para quem acabou por ir o lucro dessa operação, o que impõe, ao menos por boa fé em juízo, que o recorrido prove o diferencial que alega que prestou à D; - o recorrido nunca exigiu à recorrente o total e rigoroso cumprimento da ordem de bolsa, já que ficaram por entregar 50 acções por ele não reclamadas, o que, só por si prova como ele bem sabia que a ordem de venda das 140 550 acções não era firme.

- o acordo das partes deve ser considerado nulo, porque legalmente impossível, já que teve como pressuposto o falso incumprimento por parte da recorrente de uma alegada ordem de bolsa que, de facto, não existiu, já que nunca foi reduzida a escrito, nem levado a sessão de bolsa o anúncio de disponibilidade de acções Soponata telefónica e preliminarmente pela funcionária da recorrente ao recorrido, tal como prescreviam os artigos 70º e seguintes do Decreto-Lei nº 8/74, de 14 de Janeiro, e 21º da Portaria nº 262/74, de 10/Abril; - o acordo das partes deve ser considerado nulo, porque atentatório dos bons costumes comerciais, de acordo com as regras do mercado da especialidade, a corretagem na bolsa de valores constantes do Decreto-Lei nº 8/74, de 14 de Janeiro e a Portaria nº 262/74, de 10 de Abril; - se assim não for, deve a pretensão da recorrente proceder com base no enriquecimento sem causa porque o seu direito não prescreveu, uma vez que o prazo respectivo só se iniciou com o conhecimento do seu direito à restituição; - o acórdão recorrido violou os artigos 265º, 266º, 508ºA, 673º, 722º, nº 1, do Código de Processo Civil, 280º, 286º, 289º e 482º do Código Civil, 70º e seguintes do Decreto-Lei nº 8/74, de 14 de Janeiro e 21º e seguintes da Portaria nº 262/74, de 10 de Abril; - deve ser revogado e ordenada a baixa do processo à 1ª instância para lá prosseguir até final.

Respondeu o recorrido, em síntese de conclusão de alegação: - não pode a recorrente envolver no recurso as relações entre o recorrido e D porque as não invocou nos articulados da acção; - o juiz da 1ª instância decidiu oportunamente no despacho saneador no rigoroso respeito pelo princípio da economia processual; - ao invés do que a recorrente afirmou, o tribunal recorrido entendeu o conceito de bons costumes em sentido amplo e não apenas abrangente de questões de comportamento sexual e familiar; - como as excepções peremptórias de prescrição e do caso julgado são de conhecimento oficioso, não podia o juiz da 1ª instância deixar de as decidir no despacho saneador em conhecimento do mérito da causa; - ainda que as relações jurídicas entre o recorrido e D fossem contrárias aos bons costumes, não seriam idóneas para implicar a nulidade do contrato celebrado entre a recorrente e o recorrido, porque se trata de situações autónomas; - como houve uma relação jurídica entre a recorrente e o recorrido, ainda que afectada de nulidade estivesse, não podia funcionar na espécie o instituto do enriquecimento sem causa; - ainda que pudesse invocar o enriquecimento sem causa, a obrigação dele decorrente, a existir, estaria prescrita: - não há caso julgado a respeitar porque nas duas causas em confronto inexiste identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, não tendo sido objecto da acção em que foi proferido o acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça a inexistência da obrigação de a recorrente indemnizar o recorrido.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. No dia 3 de Fevereiro de 1988, foi a autora nomeada correctora oficial da Bolsa de Valores de Lisboa, e exerceu funções a título individual até 30 de Dezembro de 1990.

  1. No dia 9 de Junho de 1989, a Companhia de Seguros E, SA, cliente da autora, deu-lhe ordens para a venda de 10 000 acções da Soponata, proposta de venda recebida pelo seu funcionário F que, sabendo dos bons contactos de C, também funcionária da autora, com o réu, pediu-lhe que estabelecesse o contacto, o que ela fez.

  2. Contudo, C confundiu o número de acções para venda - 10 000l - com o número de código de cliente Companhia de Seguros E, SA vendedora - 140 550, pelo que ofereceu ao réu 140 550 acções da Soponata ao preço de 3 140$, e o último, interessado em adquirir aquela quantidade de acções, aceitou a aludida proposta.

  3. Logo após ter proposto ao réu a operação, C dispôs-se a preparar os elementos escritos para a realização da operação na sessão da Bolsa do dia seguinte, quando verificou o erro e, de imediato, telefonou ao réu a avisar do erro e da consequente impossibilidade de realização da operação na sessão seguinte, mas o réu, invocando inflexibilidade do seu direito, insistiu pelo cumprimento da ordem, na representação dos interesses da entidade compradora das acções.

  4. A autora, quanto a acções da Sooponata, só no dia 19 de Junho de 1989 conseguiu adquirir 99 050 a 3 300$ cada, e, no dia 20 de Junho de 1989, mais 30 450 a 3 500$ cada e, no dia 21 de Junho de 1989, mais 1 000, a 3 500$ cada.

  5. A autora não satisfez o pedido total da ré, ficando a restar 50 acções não satisfeitas e as dez mil acções vendidas inicialmente, únicas que o escritório da autora dispunha para vender, foram transaccionadas a 3 140$.

  6. A autora declarou perante o réu comprometer-se a assumir o prejuízo de 13 530 124$ e, nesse contexto, o último debitou a conta da primeira, no dia 25 de Julho de 1989, por aquele valor, conta essa que iria sendo creditada pelo montante das transacções efectuadas para o réu pela autora, sendo-lhe também debitados os respectivos juros na proporção dos saldos ainda devedores até integral extinção da dívida.

  7. No dia 14 de Fevereiro de 1990, a autora acabou de cumprir o pagamento da quantia mencionada sob 7 e respectivos juros, tendo nessa data sido contabilizado o prejuízo global de 14 126 120$ - 13 530 120$ + 595 995$.

  8. Na acção declarativa com processo ordinário que correu termos no 5º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal do Trabalho de Lisboa, sob o nº 120/91...

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