Acórdão nº 04B4805 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 03 de Fevereiro de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "A" e B intentaram, no dia 26 de Junho de 2000, a presente acção declarativa constitutivo-condenatória, com processo ordinário, contra C e D, pedindo se declarasse como público o caminho que ladeava a sua propriedade e a condenação dos réus a absterem-se de praticar actos que limitassem a sua utilização, ou a declaração de se ter constituído a seu favor, por usucapião, uma servidão de passagem pelo mesmo caminho até à entrada delimitada pelos mourões existentes no seu prédio e a condenação dos réus a absterem-se de actos que limitassem o seu direito de passagem e a realizarem, em seis meses, as obras necessárias à remoção do paredão/esporão por forma a desobstruir e a repor o leito do referido caminho e a impedir a sua submersão, e a realizarem, no mesmo prazo, as obras necessárias à desobstrução da entrada do seu prédio e a pagar-lhes, a titulo de indemnização, 5.513.333$00 e juros legais desde a citação, bem como a quantia a liquidar posteriormente pelos prejuízos verificados no decurso da acção.
Afirmaram, em síntese, serem os réus donos do prédio contíguo, nele haverem construído uma barragem que provoca inundações no seu prédio e que, para obviar a essa inundação, erigiram um paredão/esporão que, além de não evitar aquela inundação, cortou o caminho de acesso ao seu prédio e tapou a respectiva entrada e parte da parede e dos marcos que a delimitam e que com a construção da dita barragem ficaram sem água nos seus furos de rega e que perderam por isso, as produções de melão, melancia, milho, o que os últimos impugnaram.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 11 de Julho de 2003, por via da qual foi declarada constituída, a favor do prédio dos autores uma servidão de passagem pelo caminho que ladeia esse mesmo prédio, e que, em parte da sua extensão, constitui a linha divisória entre os prédios de uns e de outros, condenados os réus a absterem-se de praticar actos que limitem a utilização de tal caminho e a realizar em seis meses, as obras necessárias à remoção do paredão/esporão em terra, no lado esquerdo do regolfo e na linha divisória dos prédios de uns e outros, por forma a desobstruírem e a reporem o leito do caminho que dá acesso ao prédio dos autores e a impedir a submersão deste e a condená-los a realizarem em seis meses as obras necessárias à desobstrução da entrada do prédio dos autores e a pagarem a estes 2.520.000$00 pela perda da produção de milho e a que se liquidasse em execução de sentença pela perda das oliveiras, fixando logo o montante de 29.000$00, quantias essas com juros desde 5 de Julho de 2000.
Apelaram os réus e a Relação, por acórdão proferido no dia 22 de Junho de 2004, apenas revogou a sentença proferida no tribunal da 1ª instância na parte declarativa da constituição da servidão de passagem no prédio dos apelantes a favor do prédio dos apelados.
Interpuseram os apelantes recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão recorrido é nulo em razão da violação da segunda parte da alínea d) do n. 1 do artigo 668 e dos artigos 661º, nº 1 e 684º do Código de Processo Civil, por ter apreciado a questão relativa á existência de um caminho publico com a qual fundamentou a manutenção da condenação dos recorrentes na sua desobstrução e na realização das obras de remoção do paredão e as destinadas a evitar a inundação do prédio dos recorridos; - a conclusão sobre a existência do caminho público não resultou de mera qualificação jurídica, porque dependeu da apreciação de factos fora do quadro da revisão da sentença, por nesta não ter havido a esse propósito decisão de mérito, mas antes baseada na ilegitimidade dos recorridos, pelo que a questão não era objecto do recurso nem era de conhecimento oficioso; - os factos assentes não bastam para se considerar a existência do caminho público, por deles não resultar a sua publicidade envolvente da satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância, porque o que ocorre é um interesse particular e individualizado; - inexiste situação de encrave do prédio dos recorridos nem acesso incómodo ou insuficiente para a via pública, os direitos de propriedade dos recorrentes e dos recorridos são de igual natureza e não há limitação, incómodo ou prejuízo que determine a limitação do direito dos primeiros em benefício dos últimos; - a lei não impedia os recorrentes de exercerem o direito de tapagem no seu prédio, não ocorria qualquer excesso no exercício do seu direito de propriedade ou injustificado prejuízo da comodidade dos recorridos, pelo que o acórdão recorrido violou os artigos 1305, n. 1 e 1344 do Código Civil; - dos factos provados relativos à submersão de parte do prédio dos recorridos em virtude de repassos não resultam danos efectivos ou iminentes e consequentemente não tem aplicação o disposto no nº 1 do artigo 1352º do Código Civil; - como os factos provados não revelam que antes da construção da barragem e do paredão o escoamento das águas pluviais que caíam no terreno dos recorridos se fazia em condições diferentes, não se pode concluir que aquela construção violou o disposto no artigo 1351º do Código Civil; - os recorrentes devem ser absolvidos de tal pedido, até por evidente desproporção face á ausência de danos alegados e provados ou à sua iminência; - os factos provados revelam que o caudal dos poços artesianos foi recuperado, pelo que não ocorreu o desvio de águas, e que não ocorreu a sua secagem, pelo que os recorrentes não violaram o artigo 1394 do Código Civil; - os factos dados como assentes não revelam os pressupostos da responsabilidade civil atribuída aos recorrentes, pelo que o acórdão recorrido violou os artigos 483º e 1394º do Código Civil; - como os recorridos não provaram o justo titulo de aquisição da água acumulada nos aquíferos subterrâneos que lhes alimentava os furos artesianos nem o licenciamento da sua existência ou utilização, não se pode concluir que a construção da barragem afectou o direito dos primeiros ou que implique a violação do artigo 1394º, nº 1, do Código Civil ou incursão em obrigação de responsabilidade civil; - o não licenciamento da existência ou utilização dos poços, face à ausência de outros elementos, implica a conclusão de que os recorrentes não agiram com dolo ou mera culpa na referida construção, por não provado que sabiam ou deviam saber e prever as consequências de tal obra, pelo que no caso não se constituíram, face ao disposto no artigo 483º do Código Civil, em responsabilidade civil; - deve declarar-se nulo o acórdão recorrido por violação da segunda parte da alínea d) do nº 1 do artigo 668º, dos artigos 661º, nº 1 e 684º do Código de Processo Civil, ou, se assim não for entendido, deve ser revogado por violação das disposições legais citadas.
Responderam os recorridos em síntese de conclusão de alegação: - os recorrentes inseriram nas conclusões de alegação para o tribunal recorrido a questão da revogação da sentença na parte condenatória na abstenção da prática de actos limitativos da utilização do caminho e na realização de obras de remoção do paredão em terra por forma a desobstruírem o seu leito e entrada no prédio, pelo que o tribunal recorrido não incorreu na nulidade invocada pelos recorrentes; - não tendo o tribunal recorrido acolhido a tese dos recorridos invocada no recurso de apelação relativa à existência de servidão de passagem, aquela que veio a assumir traduz-se em diversa qualificação jurídica dos factos provados ao abrigo do disposto no artigo 664º do Código de Processo Civil; - face aos factos provados, a manutenção da condenação dos recorrentes na desobstrução do caminho tem fundamento legal, seja por se considerar o caminho como público, seja com base no direito dos recorridos de acesso ao seu prédio; - os factos provados contrariam o que os recorrentes afirmaram nas conclusões de alegação, devendo manter-se o acórdão recorrido.
II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. Os autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico denominado Mariolo, sito na freguesia de Cabeço de Vide, concelho de Fronteira, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 3º da Secção B, descrito na Conservatória do Registo Predial de Fronteira sob o nº 158, aí inscrito a seu favor.
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Os réus são, por seu turno, donos e legítimos possuidores de dois prédios rústicos, o primeiro denominado Mariolo, sito na freguesia de Cabeço de Vide, concelho de Fronteira, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 2 da secção B, descrito na Conservatória do Registo Predial de Fronteira sob o nº 00089/170986, aí inscrito a seu favor e outro, contíguo ao primeiro, denominado Herdade do Mariolo.
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Os prédios rústicos acima identificados são confinantes entre si.
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O réu iniciou, em 1997, nas suas propriedades, a construção de uma barragem em terra, para a qual não se procedeu a qualquer escavação além dos três a quatros metros de profundidade, e construiu um paredão/esporão em terra, no lado esquerdo do regolfo, destinado a evitar a submersão das terras dos autores, cuja construção não constava do projecto e não estava prevista na licença de construção de barragens em terra, com o nº 78/96-DSA/DUDH, emitida pela Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais do Alentejo, na qual, através do termo de responsabilidade assinado pelo réu, este se obrigou, entre o mais, a não alterar as características da obra nem a submergir terrenos de terceiros sem a sua autorização expressa.
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Durante o tempo da construção da barragem, que durou dois a três meses, esta não armazenou qualquer água, até porque a maior parte de tal construção ocorreu no Verão, sem pluviosidade, e, após a sua construção, há alturas em que as águas da chuva submergem parte da propriedade dos autores, já tendo chegado a cerca de meio hectare, e a soleira do descarregador da superfície da barragem está implantada a uma cota superior à do terreno dos autores, pelo...
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