Acórdão nº 05P645 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Março de 2005
Magistrado Responsável | SIMAS SANTOS |
Data da Resolução | 17 de Março de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.1.
O Tribunal Colectivo do Entroncamento (proc. n.º 371/01) procedeu ao julgamento dos arguidos, AMSG e MTSP, ambos com os sinais nos autos, sendo imputados ao primeiro, em concurso real, a prática de 1 crime de violação agravado continuado dos art.ºs 30, n.º 2, 164, n.º 1, e 177, n.º 3, do C. Penal (menor BPCG), 4 crimes de violação agravados dos art.ºs 164.º, n.º 1, e 177.º, n.º 4, do C. Penal (menor ALCG ) e, como co-autor, de 1 crime de aborto agravado dos art.ºs 26.º, 28.º, 140.º, n.º 1, e 141.º, n.º 2, do C. Penal, e, à arguida, a prática, em co-autoria material, de 1 crime de aborto agravado dos art.ºs 140.º, n.º 1 e 141.º, n.º 2, parte final, do C. Penal.
O pai das menores formulou pedidos de indemnização cível contra os arguidos pedindo a condenação do primeiro arguido a pagar-lhes a quantia de € 150.000,00 (€ 75.000 a título de compensação pelos sofrimentos de cada uma das referidas menores) e a condenação solidária de ambos os arguidos a pagar a quantia de € 5.000 pelos sofrimentos e danos na saúde sofridos pela menor BPCG.
Por acórdão de 5-1-2004 foi julgada parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido, totalmente procedente a acusação deduzida contra a arguida e ainda parcialmente procedentes os pedidos cíveis deduzidos contra os arguidos e decidido: - Condenar o arguido como autor de 2 crimes de violação agravados dos art.ºs 26.º, 1.ª parte, 164.º, n.º 1, e 177.º, n.º 4, do C. Penal, nas penas de 6 anos de prisão por cada um, como autor de 2 crimes de abuso sexual de crianças dos art.ºs 26.º, 1.ª parte, e 172.º, n.º 2 do C. Penal, nas penas de, respectivamente, 4 anos e 6 meses de prisão e 5 anos de prisão, e como instigador de 1 crime de aborto agravado dos art.ºs 26.º, última parte, 140.º, n.º 2, e 141.º, n.ºs 1 e 2 do C. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico na pena única de 14 anos e 3 meses de prisão; - Condenar a arguida como autora material de 1 crime de aborto agravado, dos art.ºs 26, 1.ª parte, 140, n.º 2, e 141, n.ºs 1 e 2 do C. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, subordinada à condição resolutiva de no prazo de 18 meses pagar à BPCG a quantia de € 5.000 que lhe foi arbitrada a título de compensação por danos não patrimoniais; - Condenar o arguido a pagar à ALCG a quantia de € 30.000, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora vincendos contados a partir do dia imediato à leitura da decisão e até efectivo e integral pagamento e sem prejuízo da aplicação de ulteriores taxas supletivas de juros de mora aos juros corridos na sua vigência, absolvendo-o do restante peticionado por esta lesada, e condenar solidariamente ambos os arguidos a pagar à BPCG a quantia de € 5.000, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora vincendos contados a partir do dia imediato à leitura da mesma decisão e até efectivo e integral pagamento e sem prejuízo da aplicação de ulteriores taxas supletivas de juros de mora aos juros ocorridos na sua vigência, absolvendo-se os demandados do restante peticionado por esta lesada.
- Absolver o arguido dos restantes crimes constantes da acusação.
1.2.
Inconformado, o arguido recorreu para a Relação de Évora (proc. n.º 1607/04) que, por acórdão de 30.11.04, julgou parcialmente procedente esse recurso e: - Alterou a matéria de facto dada como provado sob os n.ºs 21 e 67, do acórdão da 1.ª Instância; - Revogou esse acórdão, na parte em que condenou o arguido pela prática de 2 crimes de abuso sexual de crianças dos art.ºs 26, 1.ª parte, e 172.º, n.º 2, do C. Penal, nessa parte absolvendo o arguido; - Revogou o mesmo acórdão, na parte em que condenou o arguido como autor material de cada um de 2 crimes de violação agravada, dos art.ºs 26, 1.ª parte, 164, n.º 1 e 177, n.º 4, do C. Penal, na pena de 6 anos de prisão, e, em substituição, condenou-o como autor de 2 crimes de violação dos art.ºs 26, 1.ª parte, e 164, n.º 1 do C. Penal, por cada um destes, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; - Revogou o mesmo acórdão, na parte em que condenou o arguido pela prática, como instigador, de 1 crime de aborto agravado dos art.ºs 26.º, última parte, 140.º, n.º 2, e 141.º, n.ºs 1 e 2, do C. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão e, em substituição, condenou-o como autor desse crime na pena de 2 anos de prisão.
- E condenou-o na pena única de 8 anos de prisão (2 penas de 4 anos e 6 meses de prisão e 1 pena de 2 anos de prisão) - Revogou o acórdão da 1.ª Instância na parte em que, a título de danos não patrimoniais, condenou o arguido a pagar à ALCG a importância de € 30.000,00 e, em substituição, condenou-o a pagar à mesma, a título de danos não patrimoniais, a importância de € 15.000,00, acrescida de juros vincendos desde a condenação em 1.ª instância e até efectivo e integral pagamento.
- No mais, confirmou o acórdão da 1.ª Instância.
No recurso juntou o recorrente um parecer doutoral.
2.1.1.
Ainda inconformado recorreu o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo na sua motivação: 1 - O Tribunal da Relação decidiu erradamente ao considerar que o Tribunal a quo não formulou qualquer juízo de perigosidade e de culpabilidade em relação ao arguido, nem violou o principio da presunção da inocência; 2 - As regras e comandos contidos no artigo 138°, n.° 2 do Código de Processo Penal, dirigem-se a todos os agentes judiciários, Magistrados incluídos; 3 - Por isso, o método utilizado pelo Tribunal da 1.ª Instância na audição da lesada BPCG, criou situações de espontaneidade provocada", ao serem utilizadas, repetidamente e ao longo das várias horas que durou a audição, pelos Srs. Magistrados, expressões tais como Vá Bruna, esforça-te um pouco mais, ajuda-nos!"; "só mais um esforço.. . eu prometo que não te faço mais perguntas!"; "os passos que já deste foram importantes"; "olha BPCG, não me digas que vais morrer na praia!"; « estão aqui alguns homens na sala, mas nem todos são violadores»; 4 - Por outro lado, o Tribunal de 1 Instância formulou previamente pré-juízo de perigosidade em relação ao ora recorrente, ao defender no despacho acerca da reapreciação da prisão preventiva a inabitual liberdade de movimentos do arguido", ao defender a "necessidade de manter o arguido sem contacto visual com o exterior, ao entender que não seria permitido conversar com os agentes que o acompanhavam e com terceiros e nem sequer se encontrava algemado, e ao entrar pela porta de acesso principal deste Tribunal, em vez de entrar pela porta de acesso reservado aos arguidos detidos»; 5 - As referidas intervenções traduzem a existência de um pré-juízo de culpabilidade em relação ao recorrente, conjugado com a utilização da expressão " estão aqui alguns homens na sala, mas nem todos são violadores", sugerindo que um já era violador, a saber o arguido AMSG; 6 - O Tribunal evidenciou com tais comportamentos que já considerava o recorrente culpado, no início do julgamento, e antes da sua eventual culpabilidade ser apurada, através dos mecanismos legais; 7 - Os factos mencionados nas conclusões 1 a 6, traduzem uma postura violadora do principio da presunção da inocência, prevista no artigo 32°, n.° 2 da CRP, que é um principio fundamental do processo penal, tendo também em consideração o contido no artigo 200, n.° 4, da mesma CRP, e no parágrafo único do artigo 6° do CEDH; 8 - Assim, mostra-se violado o preceituado nos artigos 138°, n.° 2 do Código Penal, e 32°, n.° 2, 20°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa e parágrafo único do artigo 6° da CEDH, aplicável ao ordenamento jurídico português; 9 - Tal actuação do Tribunal constitui nulidade insanável, invocável nomeadamente nos termos do artigo 4 10°, n.° 3 do CPP, e conduzirá à repetição do julgamento, o que se requer seja ordenado em primeira mão; 10 - O Tribunal da Relação de Évora decidiu erradamente quando entendeu não ter existido alteração substancial dos factos; 11 - Pois, do ponto de vista jurídico-positivo, o artigo 39°, n.° 1 do CPP, proíbe que uma alteração substancial dos factos descritos seja tida em conta pelo Tribunal, para efeitos da condenação do arguido, e a sentença que não respeitar esta proibição é nula, nos termos do artigo 379°, n.° 1 b) do CPP, o que sucede no caso dos autos; 12 - Enunciado o cotejo entre as imputações contidas na acusação deduzida pelo Ministério Público e o teor da condenação, verifica-se que o Tribunal Judicial do Entroncamento condenou o recorrente como instigador de um crime de aborto, p.p. artigos 26°, última parte, 140°, n.° 2 e 141°, n.° 1 do Código Penal, o que foi mantido pelo Tribunal da Relação de Évora, enquanto a acusação imputava ao arguido a co-autoria de crime p.p. nos artigos 26°, 28°, 1400, n.° 1 e 14 1°, n.° 2 do Código Penal; 13 - O Tribunal Judicial do Entroncamento permitiu que uma alteração substancial dos factos fosse tida em conta, para efeitos de condenação do recorrente, o que foi erradamente mantido pelo Tribunal da Relação de Évora, e que permitiu que o recorrente fosse condenado por crime diverso (art. 1, n.° 1, al. f) do CPP), do que lhe era imputado pela acusação; 14 - O vicio em causa encontra-se previsto no artigo 379°, n.° 1, al. b) do Código do Processo Penal, e sanciona com nulidade a decisão condenatória, o que se indica no vertente; 15 - Assim, encontra-se também violado o preceituado nos artigos 359°, n.° 1, 379°, n.° 1 b) e 1, n.° 1, al. f) do CPP e 26°, última parte, 140°, n.° 2 e 14 1°, nos i e 2 do Código Penal; 16 - O n.° 21 dos factos provados, com a nova redacção que lhe foi dada pelo Tribunal da Relação de Évora, padece dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição entre a fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova, previstos no n.° 2 do art. 410° do CPP; 17 - O Tribunal errou ao dar como assente a existência de relações sexuais entre o recorrente e a lesada ALCG, sem cuidar de...
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