Acórdão nº 0631913 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Junho de 2006
Magistrado Responsável | AMARAL FERREIRA |
Data da Resolução | 01 de Junho de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO.
-
B……, instaurou, no Tribunal da Comarca de Matosinhos, contra C……., advogado, acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de 400.000 Euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Alega para tanto, em síntese, que, no âmbito de um processo disciplinar que lhe foi instaurado pelo Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ), enquanto funcionária judicial, e que a sancionou com a pena de demissão, foi patrocinada pelo R., como seu advogado, quer no processo disciplinar, quer posteriormente no respectivo recurso contencioso judicial, que interpôs extemporaneamente, o que motivou que o COJ tivesse invocado a excepção peremptória da caducidade do recurso, que foi julgada procedente, e, tendo o R. interposto recurso dessa decisão, não ofereceu as respectivas alegações, pelo que foi o recurso, que tinha todas as possibilidades de êxito, julgado deserto, vindo, em consequência, a perder o seu emprego, facto que lhe provocou danos patrimoniais e não patrimoniais que descrimina e que estima no valor global de 400.000 Euros.
-
Contestou o R. impugnando parcialmente os factos alegados pela A., designadamente no que se refere ao alegado êxito do recurso, já que a questão que nele se colocava era uma questão juridicamente discutível, e que ia ser explanada nas respectivas alegações, as quais, por ordem expressa da A. nesse sentido, não chegaram a ser apresentadas, aduzindo que sempre se empenhou seriamente na defesa dos interesses da sua constituinte.
E, concluindo pela sua absolvição do pedido, deduziu pedido reconvencional pedindo a condenação da A. a pagar-lhe uma indemnização no valor de 15.000 Euros, acrescida de juros de mora à taxa legal, por danos causados à sua imagem com a instauração da acção, peticionando ainda a condenação da A. como litigante de má fé, em multa de valor a fixar pelo Tribunal e a remeter para a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima.
-
Respondeu a A. e, reiterando o que havia alegado na petição, por cuja integral procedência pugna, contesta o pedido reconvencional deduzido pelo R..
-
O R. apresentou articulado de tréplica, cujo desentranhamento foi ordenado por intempestivo, por despacho do seguinte teor: "Fls. 140 e seg.: Atendendo a que a tréplica deu entrada via fax em 30/11/2003, que o R. foi notificado da réplica por carta enviada a 7/11/2003 e que o prazo para apresentação da tréplica é de 15 dias (artº 503º, nº 2, do C.P.C.), por manifestamente intempestiva, ordena-se o seu desentranhamento e devolução ao R..
Notifique ambas as partes".
-
Após ter requerido a reparação do despacho com o fundamento de que se encontrava ilidida a presunção constante do artº 254º, nº 3, do CPC, o que foi indeferido por se ter entendido que não se encontrava ilidida tal presunção, nomeadamente nenhuma razão sendo invocada para que a carta não tivesse sido levantada no dia 11/11/2003, agravou o R. que, nas respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões: 1ª: O agravante foi notificado da réplica por carta registada expedida em 7/11/2003 e recepcionada em 14/11/2003, mediante levantamento postal na estação dos CTT, após aviso deixado no seu escritório em 10/11/2003, do qual consta poder o levantamento ocorrer a partir de 11/11/2003 até ao sexto dia útil.
-
: Em 10/11/2003 o agravante esteve presente em diligência na 1ª Vara Mista de Vila Nova de Gaia, no âmbito do processo nº 566/03.3TOPRT, com arguidos presos, motivo pelo qual não se encontrava no seu escritório.
-
: Em 11/11/2003 teve de se deslocar para o Algarve a fim de preparar o julgamento que se realizou em 12/11/2003 no 1º Juízo Criminal da Comarca de Portimão, processo nº 44/99.3TAPTM.
-
: Findo tal julgamento, de imediato teve de se deslocar para Loures a fim de preparar e intervir no julgamento ocorrido no dia 13/11/2003 na 1ª Vara Mista daquela comarca, processo nº 1237/99.9JGLSB.
-
: Assim, por motivos que não lhe podem ser imputáveis, por integrarem o exercício da sua actividade profissional e que se sobrepõem ao simples levantamento de correspondência, esteve impedido de proceder ao levantamento da notificação em causa em data anterior a 14/11/2003.
-
: Deverá pois por tais motivos considerar-se ilidida a presunção constante do nº 2 do artº 254º do Código de Processo Civil, nos termos do nº 4 da mesma disposição, considerando-se a notificação efectuada em 14/11/2003, data em que efectivamente foi o agravante notificado.
-
: A tal não obsta a argumentação de que poderia ter diligenciado para que um terceiro procedesse ao levantamento da carta, pois que exerce a actividade profissional num escritório sozinho e não possui qualquer funcionário ou colaborador que assegure os aspectos administrativos do exercício da mesma, cabendo-lhe assegurar todo o expediente.
-
: Além disso, e sem prescindir, sempre o levantamento da correspondência registada, como consta do próprio aviso, terá de ser efectuado pelo próprio destinatário ou por terceiro munido do bilhete de identidade deste, sendo que o agravante, por ter ido viajar, teve de o levar consigo.
-
: Por tudo, a tréplica apresentada no Tribunal a quo via fax em 30/11/2003 e o original em 2/12/2003 foi-o tempestivamente, atento o prazo estipulado no nº 2 do artº 503º do Código de Processo Civil, pelo que deverá ser admitida a sua junção aos autos.
-
: Ao não o fazer, a decisão ora colocada em crise proferida pelo Mmº Juiz a quo violou o disposto no artº 254º do Código de Processo Civil.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ordenar que o Mmº Juiz a quo admita a tréplica deduzida e apresentada pelo ora agravante, como é de inteira JUSTIÇA.
-
-
Não foram oferecidas contra-alegações.
-
Em sede de audiência preliminar foi proferido despacho saneador que, depois de afirmar a validade e regularidade da instância, não admitindo o pedido reconvencional deduzido pelo R., declarou a matéria assente e elaborou base instrutória, que se fixaram após atendimento parcial das reclamações formuladas por A. e R..
-
Tendo-se procedido a julgamento com gravação e observância do formalismo legal, e sem que as respostas dadas à matéria de facto controvertida tivessem sido objecto de censura, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver o R. do pedido.
-
Inconformada, apelou a A. que, nas pertinentes alegações, formulou as seguintes conclusões: 1ª: A Recorrente impugna a decisão da matéria de facto quanto às respostas dadas aos quesitos 5º e 6º da base instrutória, uma vez que, face à prova produzida e sendo respeitados critérios de objectividade e rigor na sua análise crítica, a decisão deverá ser exactamente a oposta, ou seja, dar-se como não provado o quesito 5º e como provado o 6º.
-
: Sobre aqueles dois quesitos não foi produzida qualquer outra prova para além da testemunhal, que ficou gravada em registo magnético e não houve rigor nem obediência a critérios estritos de imparcialidade na análise crítica dessas provas e na especificação dos fundamentos decisivos para a convicção do julgamento da matéria de facto em causa (quesitos 5º e 6º).
-
: Na verdade, ouvindo-se atentamente os depoimentos gravados e lendo-se e relendo-se a sua transcrição literal, tem de concluir-se que nem é verdade que as testemunhas da Autora tenham propriamente demonstrado nada saber, nem é aceitável que se dê como provado um facto tão nuclear no temma decidendum com o único fundamento das meras circunstâncias relatadas pelas testemunhas do Réu acerca da competência e zelo deste.
-
: Tal significaria a adopção da tese de que um advogado deixará de responder por quaisquer prejuízos causados ao seu mandante no exercício do mandato forense, sempre que apareçam dois ou três seus amigos e artesãos do mesmo ofício a dizer que ele (mandatário), mais tarde, lhes disse ....
-
: Ou seria admitir o princípio de que é admissível a prova dum facto só na base do "ouvir dizer", com a agravante absurda de que, no caso em apreço, quem disse foi o infractor ou o devedor e disse o que disse em seu proveito próprio e exclusivo, o que seria admitir uma espécie de confissão ao contrário feita por terceiros, ou seja, que é um meio de prova admissível o facto do confitente reconhecer a realidade dum facto que lhe é favorável e desfavorece a parte contrária, sendo esse conhecimento relatado ao Tribunal por terceiros amigos e profissionais do mesmo ofício, que o ouviram dele.
-
: Ora, é absolutamente inadmissível e ofende a verdade, o direito e a mais elementar justiça, uma decisão assim alicerçada.
-
: A testemunha D……, apesar de pouco saber sobre a matéria, prestou depoimento do qual se conclui que (tal depoimento) é obviamente contraditório e incompatível com as alegadas instruções da A. para que não fossem apresentadas alegações ou dada continuidade ao seu processo.
-
: Por outro lado, a testemunha E……, que era funcionário judicial e que acompanhou o caso por dentro, depôs convictamente no sentido de que a A., tal como outros funcionários judiciais, acompanhavam com muito interesse os processos e decisões judiciais que eram conhecidos e tendiam para declarar inconstitucionais as normas que atribuíam ao COJ competência disciplinar e, de todo o seu firme e inabalado depoimento resulta claramente que é também de todo incompatível com qualquer vontade ou instrução da Autora dada ao Réu para que não prosseguisse com o processo.
-
: Bem pelo contrário, o depoimento acabado de referir fornece indícios seguros de que, aliados às regras da experiência comum, induzem com credibilidade e segurança suficiente que a Autora nunca quis nem jamais deu instruções para não serem apresentadas quaisquer alegações ou, o que é o mesmo, para não ser dada continuidade aos seus processos, pois tal constituiria um absurdo e uma total contradição com o seu comportamento anterior e posterior, o que serve de fundamento para alterar a resposta dada ao quesito...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO