Acórdão nº 2336/07.0TBPNF.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução12 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Área Temática: DIREITO COMERCIAL Doutrina: - Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 1º, 2ª edição, 1960, 286. - Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 3º, 1946, 268. - Alberto Luís, O Problema da Responsabilidade Civil dos Bancos por Prejuízos que causem a Direitos de Crédito, ROA, Ano 59º, nº 3, Dezembro de 1999, 902. - Evaristo Mendes, O Actual Sistema de Tutela da Fé Pública do Cheque, Direito e Justiça, separata, XIII, 1999, T1, 228. - Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Letra de Câmbio, III, 1966, 23. - Ferrer Correia e António Caeiro, Recusa do pagamento de cheque pelo Banco sacado; responsabilidade do Banco face ao portador, Revista de Direito e Economia, Ano IV, nº 2, Julho/Dezembro, 1978, 457 e ss.. - Filinto Elísio, A Revogação do Cheque, O Direito, Ano 100º, 1968, fascículo nº 4, Out/Dez, 490, 491, 497 e ss.. - Jacques Bouteron, Le Statut International du Cheque, 143 , 144, 417 a 434, 475 a 477 e 497. - José Maria Pires, O Cheque, 1999, 101, 108 e 251. - Palma Carlos, Pode o banqueiro recusar, dentro do prazo de apresentação, o pagamento de cheque revogado pelo sacador?, ROA, 6º, nºs 1 e 2, 439 e ss.. - Paulo Olavo Cunha, Cadernos de Direito Privado, nº 25, 3 e ss.. - RLJ, Ano 65º, 20 a 25. - RLJ, Ano 68º, 360. - Sofia Galvão, Contrato de Cheque, Lex, Lisboa, 1992, 52. Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: - ARTIGOS 483.º, N.º1, 592.º, N.º1, 593.º, N.º1, 1170.º, N.º2. DECRETO N.º 13.004, DE 12 DE JANEIRO DE 1927: - ARTIGOS 14.º, 12.º. DEC.-LEI N.º 454/91, DE 28 DE DEZEMBRO (NA REDACÇÃO INTRODUZIDA PELO DL N.º 326/97, DE 19 DE NOVEMBRO): - ARTIGOS 6.º, N.º 2, 8.º NºS 2 E 3, 9.º, 11.º, N.º 1, B), 14º, § ÚNICO. LEI UNIFORME SOBRE CHEQUES (LUC): - ARTIGOS 1.º, 2.º, 3.º, 2ª PARTE, 12º, 16.º, 28.º, 29.º, 32º, 40.º. REGULAMENTO DO SISTEMA DE COMPENSAÇÃO INTERBANCÁRIA, INSTRUÇÃO Nº 125/96. Legislação Estrangeira: - CONVENÇÃO DE GENEBRA DE 7 DE JUNHO DE 1930. - RESOLUÇÕES DA CONFERÊNCIA DA HAIA DE 1912: - ARTIGO 17.º .

Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 22-10-1943, BOLETIM OFICIAL, ANO III, 409; - DE 20-12-1977, BMJ Nº 272, 217; - DE 3-2-2005, PROCESSO N.º 04B4382, IN WWW.DGSI.PT ; - DE 10-5-2007, PROCESSO N.º 07B939, IN WWW.DGSI.PT; - DE 29-4-2010, PROCESSO Nº 4511/07.9TBLRA.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT . UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - ACÓRDÃO Nº 4, DE 19-1-2000, DR Nº 40, DE 17-2-2000, Pº Nº 043448, WWW.DGSI.PT ; - ACÓRDÃO DE 28-2-2008, Pº Nº06A542, WWW.DGSI.PT .

Sumário : I - O Banco sacado não participa na relação cartular, nem na subscrição do cheque e, portanto, não é obrigado cambiário, muito embora se encontre vinculado, perante o sacador, e, em regra, ao pagamento do cheque, não como obrigado cambiário, mas antes em contrapartida da relação de provisão e da convenção de cheque com aquele estabelecidas.

II - A obrigação de pagamento pelo sacado face ao portador é uma obrigação ex lege, já que não nasce de um negócio jurídico, porque nenhum pacto une o portador ao Banco sacado, sendo, assim, a responsabilidade deste, em caso de não pagamento injustificado do cheque, de natureza extra-cambiária, abarcando as perdas e danos produzidos pelo incumprimento do pacto de disponibilidade.

III - O sacado não goza, em princípio, da faculdade de pagar ou não pagar o cheque, sendo, ao invés, a regra a imposição de pagamento ao sacado, e o não pagamento a excepção, sob pena de a colocação ao arbítrio do sacado da possibilidade de não pagamento do cheque revogado representar um abalo significativo na relação de confiança que deve existir nos intervenientes na relação cambiária e entre o público em geral, havendo apenas o dever de observar a revogação de cheque, pacificamente, depois de decorrido o prazo de apresentação.

IV - A revogação do cheque pelo subscritor só justifica o seu não pagamento pelo sacado se tiver na sua base uma causa justificativa que, como tal, devem considerar-se os casos de furto, roubo, extravio, coacção moral, incapacidade acidental, ou qualquer outra situação em que se manifeste falta ou vício na formação da vontade, porquanto só uma recusa motivada e não a mera recusa que se apresente, externamente, desprovida da intencionalidade vinculada pela lei se mostra, normativamente, fundamentada.

V - O não pagamento será injustificado se o banco sacado acatar a ordem de revogação do seu cliente e, em consequência, não pagar o cheque que lhe for apresentado, dentro do prazo do desconto, tendo fundos bastantes para o efeito.

VI - Se o Banco sacado recusar o pagamento do cheque apresentado dentro do prazo, com fundamento na sua revogação pelo emitente, o portador goza, em princípio, da faculdade de propor a acção de indemnização contra aquele, sem que tal colida com o princípio cambiário de que o sacado não responde perante o portador, nem como obrigado cambiário, nem pelo incumprimento do contrato de cheque.

VII - Tendo os cheques sido apresentados a desconto, dentro do prazo de oito dias, a contar da data oposta como sendo a da sua emissão, não podia o sacado, em princípio, recusar, legitimamente, o seu pagamento, com fundamento na respectiva revogação, porque esta, por via de regra, só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação, sob pena da praticar um acto ilícito e de se constituir em responsabilidade civil extracontratual perante o sacador pelos danos causados ao portador.

VIII - A invocada falta ou vício na formação da vontade, desprovida de elementos factuais que a suportem, atendendo à multiplicidade de espécies que a mesma comporta, todas elas envolvendo conceitos de natureza, eminentemente, jurídica, que pressupõem distintos factos da vida real, constituiria uma enunciação, meramente, conclusiva e retórica, sem qualquer espécie de relevância indiciária, que do contexto dos cheques ajuizados não resulta, na abstracção que a sua aparência cambiária releva sobremaneira.

IX - Apresentados, tempestivamente, os cheques a desconto, a recusa do respectivo pagamento pelo Banco sacado, com base na mera declaração do emitente de se tratar de “cheque revogado por justa causa – falta vício na formação da vontade”, não constitui uma causa justificativa do seu não pagamento, porque não está em jogo a própria validade do cheque quanto ao sacado, mas, hipoteticamente, o que não se demonstrou, a validade do negócio causal, mas antes uma revogação sem justa causa.

X - É irrelevante, na perspectiva cambiária, que o cheque não seja pago, por falta de provisão ou por proibição do sacador, porquanto o não pagamento é o elemento relevante e determinante da responsabilidade do sacador, independentemente da respectiva causa que lhe esteja subjacente, seja por falta de provisão ou por proibição do emitente, significando a falta de realização do valor correspondente ao quantitativo da prestação a que o portador, na qualidade de credor, tinha direito, com o consequente dano patrimonial verificado.

XI - A «garantia do cumprimento» que viabiliza a sub-rogação legal contende com a obrigação que não é própria do sub-rogado, mas em cuja satisfação ele possa ter interesse directo, como acontece quando o mesmo pode ser atingido na sua posição jurídica pelo não cumprimento e pretende evitar essa consequência, como seria o caso do réu vir a ser condenado e, posteriormente, alvo de execução para pagamento de quantia certa.

XII - Não se verifica o nexo de prejudicialidade ou dependência entre duas causas, quando a decisão da alegada causa prejudicial, com vista ao apuramento do dano efectivo, não pode entrar em rota de colisão com o determinado na acção em que é suscitada, como hipotética causa subordinada, onde já se decidiu que o valor patrimonial do dano para a autora resulta do não pagamento das quantias inscritas nos rostos dos cheques.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (1): AA-“F... R... SRL”, com sede na V... D..., nº ..., C..., N..., Itália, propôs a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra o BB-“Banco P..., SA” pedindo que, na sua procedência, este seja condenado a pagar-lhe a quantia de €39.288,22 (€31.655,59 de capital, €6.331,12 de juros, até 25 de Setembro de 2007, e €1.301,51 de despesas pela devolução dos cheques), acrescida dos juros, à taxa anual comercial, desde a data da propositura da acção até integral pagamento.

Para o fim pretendido, a autora alega que é legítima portadora de nove cheques, sacados sobre o Banco réu, no total de €31.655,59, emitidos pela sociedade CC-“A... R... & Cª Lda.”, e que titulavam o pagamento de mercadoria fornecida pela autora a esta, os quais, apresentados a pagamento, foram devolvidos com a indicação de “Revogação por Justa Causa” – “Falta ou Vício na Formação da Vontade”.

Porém, o réu não podia acatar a ordem de revogação dada pelo sacador, por estar ainda a decorrer o prazo legal da apresentação a pagamento, pois que a aludida declaração de revogação só se torna eficaz findo o prazo de desconto, devendo ainda ter-se certificado, junto do sacador, se havia justa causa de revogação, incorrendo, assim, em responsabilidade civil pelos prejuízos causados à autora que, até à data, nada recebeu.

A subscritora dos cheques, CC-“A... R... & Cª, Lda.”, foi declarada insolvente, tendo o crédito da autora, no montante de €62.828,56, sido reconhecido pelo Administrador da Insolvência.

Na contestação o BB-“Banco P..., SA” concluiu pela improcedência da acção com a consequente absolvição do pedido, alegando que celebrou um contrato de convenção de cheque com a sociedade CC-“A... R... & Cª, Lda.”, constituindo-se na obrigação, em virtude do contrato, de cumprir as ordens do seu cliente e velar pelos seus interesses, limitando-se a actuar em conformidade com as instruções que dele recebe, pelo que está obrigado, «ex vi» do disposto pelo artigo 1170º, nº2, do Código Civil, a aceitar a revogabilidade do mandato, quando...

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