Acórdão nº 5492/04.6TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução13 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : I - A lei só presume a culpa do devedor depois de demonstrado o não cumprimento da prestação a que estava vinculado, competindo-lhe, então, o ónus da prova de que esse incumprimento objectivo não derivou de culpa sua, que foi cauteloso e usou do devido zelo, em face das circunstâncias concretas do caso, tal como faria uma pessoa, normalmente, diligente, sob pena de não lograr ilidir a presunção de culpa que sobre ele impende.

II - O devedor, na responsabilidade contratual, afasta a presunção de culpa que sobre si recai quando demonstra que o incumprimento da prestação não derivou de culpa sua, ou que o mesmo é devido a falta do credor, a falta de terceiro, ou a caso fortuito ou de força maior.

III - A responsabilidade da entidade exploradora resultante da condução e entrega da energia eléctrica só é excluída quando os danos são devidos a causa de força maior, enquanto que a responsabilidade resultante da instalação da energia eléctrica, propriamente dita, subsiste, excepto se, ao tempo do acidente, a instalação estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e, em perfeito estado de conservação, ou os danos forem devidos a uma causa de força maior.

IV - Para que a conduta do lesado seja uma das causas do dano, importa que seja culposa, que tenha concorrido para a sua produção ou agravamento, juntamente com o facto ilícito típico do responsável, o que não acontece quando o autor sofre as consequências danosas da interrupção do fornecimento de energia eléctrica, durante um período superior a seis horas, por culpa da entidade responsável pelo seu fornecimento, ainda que aquele não tenha dotado as suas instalações de uma fonte alternativa de energia e de um sistema de abertura automática das janelas.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA AA, com domicílio em Asseiceira, Poceirão, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra EDP – Distribuição de Energia, SA, com sede na Rua Camilo Castelo Branco, nº 43, em Lisboa, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar ao autor a quantia de €25.505,28, acrescida de juros, vencidos e vincendos, alegando, para o efeito, e, em síntese, que é titular de um contrato de utilizador de instalação eléctrica, que serve uma exploração suinícola, sita em Asseiceira, sendo certo que, desde as 20.40 horas do dia 25 de Outubro até às 03.05 horas do dia 26 de Outubro de 2002, ocorreu uma interrupção do fornecimento de energia à mesma, que provocou a morte de 432 porcos, que se encontravam num pavilhão de engorda intensiva, mas em que a ventilação é assegurada por ventiladores alimentados por energia eléctrica.

Na contestação, a ré requereu a intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, SA, alegando ter transferido para esta, mediante a apólice nº 00000000 a responsabilidade civil geral, por danos corporais e/ou materiais decorrentes do exercício da sua actividade de exploração da rede eléctrica, até ao limite de €150.000,00, e, por impugnação, invoca, em suma, que a interrupção de energia se ficou a dever a um caso fortuito, porquanto a rede eléctrica que sofreu a avaria se encontrava em perfeito estado de conservação e instalada de acordo com as regras técnicas em vigor.

Na réplica, o autor, que não se opôs ao pedido de intervenção acessória formulado, conclui como na petição inicial.

Admitido o chamamento da Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, SA, para intervir na causa como associada da ré, a mesma apresentou contestação, concluindo com o pedido de absolvição da acção, por o contrato visar garantir a responsabilidade civil extracontratual, com exclusão da responsabilidade contratual, invocada na presente acção.

A sentença julgou a acção procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de €25.505,28, acrescida de juros moratórios, desde a citação e até integral pagamento, às taxas legais, sucessivamente, em vigor.

Desta sentença, a ré interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação determinado a anulação do julgamento quanto à decisão sobre a matéria constante do ponto 24º da base instrutória e ordenado que se procedesse ao seu julgamento.

Realizado novo julgamento, foi proferida sentença que julgou procedente a acção e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de €25.505,28, acrescida de juros moratórios, desde a citação e até integral pagamento, às taxas legais, sucessivamente, em vigor.

Desta sentença, a ré, de novo, interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação, parcialmente, procedente e, em consequência, alterou a sentença recorrida, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de €12.752,64, acrescida de juros moratórios, desde a citação e até integral pagamento, às taxas legais, sucessivamente, em vigor.

Do acórdão da Relação de Lisboa, o autor e a ré interpuseram recurso de revista, terminando as alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: O AUTOR: 1ª – O autor, ora recorrido, dá por integralmente reproduzidos os fundamentos que invocou na alegação que apresentou no recurso que interpôs, fundamentos esses, que, no seu entender importam que seja mantida a douta decisão proferida em 1.a instância.

  1. - É irrelevante para o objecto do recurso, que a recorrente continue a insurgir-se contra a decisão da matéria de facto, transcrevendo até excertos de depoimentos de testemunhas (vd. nomeadamente a fls. 7 da sua alegação), pois, este Supremo Tribunal de Justiça não conhece de matéria de facto mas, apenas de matéria do direito.

  2. - Da matéria de facto dos autos resulta absolutamente claro, que a recorrente não ilidiu a presunção de culpa que sobre ela impedia, pois, desde logo resultou provada a matéria que consta no ponto 2. do relatório de facto constante da douta decisão, e de onde decorre que a falta de fornecimento de energia ocorreu desde as 20h40 do dia 25 de Outubro até às 03h05 do dia 26 de Outubro.

  3. - E não resultou provada a matéria constante do artigo 24° da base instrutória, sendo a matéria provada nos autos insuficiente para que pudesse considerar-se ilidida a presunção.

  4. - É impossível pretender, como o faz a recorrente, que, apesar de todo o período em que se manteve o corte de energia, agiu com a diligência que lhe era imposta para repor o fornecimento de corrente.

  5. - Esquecendo, para tanto, a sua qualidade de empresa fornecedora de um bem essencial, e a evolução actual da técnica que torna o tempo durante o qual se manteve o corte de energia, ainda mais desproporcionado.

  6. - Os prejuízos sobrevieram não apenas do corte de energia, mas, sobretudo, do tempo durante o qual este se manteve (ponto 8. do relatório de facto constante da douta decisão), sem que fosse dado qualquer aviso desse corte ou da sua duração (ponto 15. do relatório de facto constante da douta decisão).

  7. - Face à matéria que se encontra provada, principalmente àquela que consta no ponto 8. do relatório de facto constante da douta decisão, não se compreende como pretende a recorrente não existir nexo de causalidade entre o facto ilícito - incumprimento do contrato resultante do corte de energia - e o dano - morte dos animais.

  8. - É evidente que não tendo existido um corte do fornecimento de energia eléctrica que se prolongou por seis horas e meia, o ar ter-se-ia renovado (ponto 13. do relatório de facto constante da douta decisão) e os animais teriam sobrevivido (pontos 7. a 12. do relatório de facto constante da douta decisão).

  9. - E, reitera-se, "a falta de ventilação derivada da falta de energia eléctrica por cerca de 6h30 consecutivas provocou a morte dos 432 porcos" (ponto 8. do relatório de facto constante da douta decisão), não se compreendendo, pois, como pode a recorrente pretender que fosse relevante saber a partir de que momento a falta de ventilação se torna letal.

  10. - O contrato em causa nos autos é de execução continuada, estando a recorrente obrigada a fornecer energia eléctrica, pelo que, um corte nesse fornecimento corresponde a incumprimento do contrato, e não a impossibilidade temporária.

  11. - Com efeito, a impossibilidade de cumprimento tem que ser entendida como objectiva, ou seja, não bastaria que a Recorrente por força da situação das suas linhas não pudesse fornecer energia, mas, teria esta que ter demonstrado, que esse fornecimento, independentemente das suas linhas, mas com quaisquer outros equipamentos ou linhas, seria impossível, o que não fez.

  12. - Assim, tendo o contrato sido incumprido é sobre a recorrente que recaiu o ónus de demonstrar que esse incumprimento não resultou de culpa sua, o que, igualmente, não fez.

  13. - Mais: a culpa deverá ser aferida com o critério mais elevado do que o do homem médio, uma vez que a recorrente é a única fornecedora de energia eléctrica em território nacional, e tecnicamente especialista em matérias atinentes a esse fornecimento.

  14. - A ausência de fornecimento de energia - que abrange o corte e o período que mediou até a energia ser restabelecida - não pode configurar caso fortuito.

  15. – A recorrente pretende ainda que o recorrido deveria ter previsto que poderia, apesar do contrato que celebrou, ver-se privado de energia eléctrica e dispor de meios alternativos para minimizar os prejuízos.

  16. - Ou seja, no entender da recorrente, o recorrido deveria ter, apesar do princípio geral de pontualidade no cumprimento dos contratos, previsto o incumprimento daquela e estar para ele preparado.

  17. - E para tanto cita legislação que é aplicável à fiscalização das instalações eléctricas para aprovação por entidades competentes, e que se destina a proteger os consumidores, como o era o recorrido, no tocante ao fornecimento de energia eléctrica.

  18. - A posição da recorrente é, como decorre de quanto se disse, insustentável por tentar demonstrar que o recorrido deveria precaver-se contra o incumprimento do contrato por parte daquela.

  19. - Aliás, não pode deixar de salientar-se...

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