Acórdão nº 154/01.9JACBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução15 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Sumário : I - Relativamente à admissibilidade de recurso, no que diz respeito aos crimes de peculato e abuso de poderes, os mesmos eram puníveis, ao tempo dos factos, com penas de prisão 3 a 8 anos de prisão e multa até 150 dias (peculato – art. 20.º, n.º 1, da Lei 34/87, de 16-12) e prisão de 6 meses a 3 anos, ou multa de 50 a 100 dias (abuso de poderes – art. 26.º, n.º 1, da mesma Lei), sendo certo que aos referidos crimes foram aplicadas as seguintes penas: 4 anos de prisão e 80 dias de multa à taxa diária de € 5 para o crime de peculato e de 1 ano e 4 meses de prisão para o crime de abuso de poderes.

II - De acordo com o preceituado no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, na versão anterior, não era admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que fosse aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o MP tivesse usado da faculdade prevista no art. 16.º, n.º 3. Está neste caso o crime de abuso de poderes (atendendo à versão originária da respectiva lei incriminadora).

III -No caso sub judice, a Relação confirmou todas as penas, com excepção dos dois crimes de corrupção e de branqueamento de capitais, pelo que se verifica quanto a eles a chamada dupla conforme, não sendo nenhum deles punível com pena de máximo superior a 8 anos de prisão, pelo que, à luz da referida versão do CPP, também não era admissível recurso em relação ao crime de peculato.

IV -Deste modo, em relação aos referidos crimes não é admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, quer por força da al. e) (crime de abuso de poderes), quer por força da al. f) (crime de peculato).

V - Não tem razão o recorrente quando sustenta que a separação de processos constitui uma nulidade insanável, porquanto ordenada por entidade incompetente (o MP) e que, sendo invalidada tal separação, FG não participou em todo o processo como arguido, mas sim como testemunha e só depois, no decurso da audiência de julgamento, na sessão em que ia prestar depoimento como tal, é que «ganhou» a qualidade de arguido, passado a ser assistido por defensor.

VI -No encerramento do inquérito o MP fez uma avaliação dos indícios existentes nos autos, considerando que quanto a FG, as provas recolhidas indiciavam a prática de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo art. 374.º do CP – a solicitação do arguido…, então Presidente da Câmara de …., e presidente do júri para aprovação de propostas, FG teria prometido entregar àquele uma quantia não superior a PTE 50 000 000$00 para que o arguido … não pusesse entraves ao júri ou, caso necessário, o determinasse no sentido de atribuir vencimento, no concurso público, à firma de que era administrador, o que, aliás, veio a conseguir. Todavia, atendendo à colaboração prestada no processo por FG, o MP propôs quanto a ele a suspensão provisória do processo por determinado período temporal e sob injunção (arts. 281.º e 282.º do CPP), proposta essa que mereceu a concordância do arguido e do juiz de instrução.

VII - Para evitar atrasos, ao mesmo tempo, o MP determinou a extracção de peças processuais e do despacho judicial para serem autuados como inquérito autónomo. Ora, a separação de processos, assim determinada, foi na fase de Inquérito.

VIII - Com efeito, a causa ainda não havia sido atribuída a um tribunal, pois não tinha sido deduzida acusação, que ocorreu posteriormente, mas em relação a outros arguidos. O facto de o juiz de instrução ter intervindo no sentido de concordar com a suspensão provisória, que é da competência do MP, não significa que a causa, por esse facto, ficasse afectada a um tribunal ou estivesse na esfera de competência de um juiz, nomeadamente do juiz de instrução.

IX- A concordância do juiz é um mero pressuposto da decisão do MP, pois a este é que compete a decisão final do processo nesta fase: deduzindo acusação, arquivando ou suspendendo-o provisoriamente.

X - Sendo assim, o processo (conexo) no que toca ao arguido FG (actualmente, definitivamente arquivado) não passou da fase de inquérito, tendo o MP competência para a separação de processos, nos termos do art. 264.º, n.º 5, do CPP.

XI -O princípio do in dubio pro reo, impondo-se como limite da livre convicção do tribunal, significa que, produzida a prova, deve valorar-se a favor do réu a dúvida razoável (e apenas a dúvida razoável) que possa subsistir, o que vem a traduzir-se numa decisão de non licet a respeito do facto que desfavorece o réu, seja esse facto relativo aos elementos incriminadores, seja a circunstâncias agravantes, seja ainda em relação a circunstâncias excludentes da ilicitude, da culpa ou da pena.

XII - Não é nada líquido que as normas do direito internacional constantes da CEDH estejam sequer ao mesmo nível que as normas da CRP e, se é, porventura, mais defensável o seu carácter supralegal, num posicionamento entre as leis e a Constituição, o que é certo é que tais normas não podem servir de parâmetro aferidor da constitucionalidade das normas da nossa lei fundamental. E esta excepciona, no art. 34.º, n.º 4, da proibição de toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nas telecomunicações «os casos previstos na lei em matéria de processo criminal», pelo que a norma do art. 8.º, n.º 2, da CEDH não poderia prevalecer sobre as normas do processo penal que disciplinam a matéria, directamente excepcionadas pela Constituição (e, portanto reportando-se necessariamente às escutas como meio de investigação criminal, no âmbito de um processo-crime), se acaso tais normas colidissem com aquela. Mas não colidem.

XIII - Dispõe este art. 8.º: «1. Qualquer pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.

  1. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros».

    XIV - Ora, a prevenção das infracções penais não pode ser lida literalmente como dizendo respeito a uma fase pré-processual ou a uma actividade de cariz meramente preventivo e mesmo administrativo. Quando a CEDH, no seu art. 8.º, n.º 2, fala de prevenção das infracções penais, não quer referir-se especialmente à prevenção do crime em sentido administrativo, nem mesmo àquela que só cabe numa fase pré-processual. Até porque a investigação criminal não se desenrola da mesma maneira em todos os países da União Europeia, não havendo uma concepção unívoca de procedimento criminal e, sobretudo de estrita legalidade do processo-crime, como aquele que entre nós resulta da lei processual penal.

    XV - O recorrente, ainda dentro da matéria de intercepções telefónicas, sustenta a aplicação imediata do n.º 6 do art. 188.º do CPP, resultante da nova redacção conferida pela Lei 48/2007, de 29-08, uma vez que se trata de norma que faz uma interpretação autêntica, nos termos do 13.º do CC quanto à desmagnetização dos suportes técnicos – matéria que era objecto dos mais desencontrados entendimentos jurisprudenciais – sobretudo do TC – e doutrinais.

    XVI - As leis interpretativas obedecem a dois requisitos: «que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei».

    XVII - Ora, no caso, não confluem estes dois requisitos. Se é verdade que a interpretação da norma processual poderia ser considerada controvertida do ponto de vista da sua constitucionalidade antes da entrada em vigor da nova lei, não menos verdade é que a solução consagrada na lei, pressupostamente para obviar a qualquer arguição de inconstitucionalidade, não se limita a fazer uma interpretação da norma, mas, verdadeiramente, a inovar, estatuindo de forma substancialmente diversa do que estava prescrito no anterior n.º 3 do art. 188.º do CPP e agora consta do seu n.º 6, complementado pelos n.ºs 11, 12 e 13. A redacção da lei anterior não permitia, desde logo pelo seu teor verbal, chegar à mesma solução. De contrário, não se compreenderia o Ac. do Plenário do TC n.º 70/2008 e os que, posteriormente, seguiram na sua esteira.

    XVIII - Assim, a nova lei nunca poderia ter aplicação imediata ou mesmo retroactiva, por não ser meramente interpretativa.

    XIX - Nos termos do art. 125.º do CPP, em processo penal são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei.

    XX - As declarações de co-arguido, por serem exactamente de um co-arguido, exigem, no entanto, especiais cautelas, como a de corroboração por outros meios de prova e uma acrescida exigência de fundamentação.

    XXI - Corroboração e fundamentação que têm a ver com a necessidade de fazer contraponto à falta de exigência de juramento e de ameaça com a punição por crime de falsas declarações, no caso de falta à verdade, sendo maior a probabilidade de o depoimento ser verdadeiro quando o que o presta está constrangido por essa ameaça, o que não significa, apesar de tudo, que em concreto as declarações de um co-arguido não possam merecer maior crédito do que as de uma testemunha.

    XXII - A jurisprudência deste Supremo Tribunal vem entendendo que nada proíbe a valoração como meio de prova das declarações do co-arguido, desde que se respeite o estatuto deste, que é incompatível com o juramento próprio das testemunhas e com a vinculação ao dever de responder com verdade, sob pena de responsabilidade criminal. E ainda com as cautelas e as exigências assinaladas pela doutrina, em que se deve incluir o princípio do contraditório, concretizado pela possibilidade...

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