Acórdão nº 166/10 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Abril de 2010
Magistrado Responsável | Cons. Maria L |
Data da Resolução | 28 de Abril de 2010 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 166/2010
Processo n.º 1206/2007
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Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
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O Banco A., S.A. reclamou créditos em execução fiscal promovida pelo Serviço de Finanças de Olhão, em que é executada B. e exequente a Fazenda Nacional, com fundamento na titularidade de um crédito com garantia real.
Por ocasião da realização da venda do imóvel sobre que recaía a garantia, a Fazenda Pública não notificou o credor reclamante com garantia real para o efeito de, depois de frustrada a venda judicial através de propostas em carta fechada devido à inexistência de propostas, este se pronunciar sobre a modalidade de venda por negociação particular bem como sobre o preço base.
Assim, do despacho do Chefe do Serviço Local de Finanças de Olhão que determinou que se procedesse à venda desse imóvel por negociação particular (após a venda do imóvel por propostas em carta fechada não ter sido conseguida, por nenhuma proposta ter sido formulada), apresentou o Banco A., S.A. reclamação, pedindo a anulação do processado, incluindo a venda deste modo efectuada.
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O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou a reclamação improcedente. Fê-lo nos seguintes termos:
Importa apreciar e resolver as seguintes questões:
(.)
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Caso a venda efectuada numa execução fiscal por meio de propostas em carta fechada fique deserta, tem o órgão de execução fiscal que notificar o credor reclamante para se pronunciar sobre a subsequente modalidade de venda?
(.)
Vejamos em seguida a primeira das enunciadas questões.
Como sabemos, por princípio «a venda será feita por meio de propostas em carta fechada, pelo valor base que for mencionado nas citações, editais e anúncios a que se refere a presente secção» (art.° 248.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Casos há, no entanto, em que outra pode ser a modalidade da venda, avultando, inter alia, o previsto no art.° 252.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o qual, na parte relevante, nos diz o seguinte:
1. A venda por uma das modalidades extrajudiciais previstas no Código de Processo Civil só se efectuará nos seguintes casos:
a) Quando a modalidade de venda for a de propostas em carta fechada e no dia designado para a abertura de propostas se verificar a inexistência de proponentes ou a existência apenas de propostas de valor inferior ao valor base anunciado;
( )
Nos normativos referidos (nem de quaisquer outros do Código de Procedimento e de Processo Tributário) não se vê rasto da alegada necessidade do credor reclamante ser ouvido sobre a modalidade da venda no caso de se frustrar a venda por meio de propostas em carta fechada Mas também se não pode ignorar que o processo civil é subsidiário do processo tributário e, por isso, em caso de lacuna deverá a mesma ser preenchida com o recurso ao mesmo, nos termos regulados pelo art.° 2.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Daí que se compreenda a pretensão dos Reclamantes em recorrer aos termos da lei processual civil para tentar levar a água aos seus moinhos e por isso importa fazer um excurso sobre o que nos reserva esse regime legal.
Com relevo encontra-se o art.° 886.°-A do Código de Processo Civil, que nos diz o seguinte:
1. Quando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender.
2. A decisão tem como objecto:
a) A modalidade da venda, relativamente a todos ou a cada categoria de bens penhorados, nos termos da alínea e) do artigo 904.º da alínea b) do n.° 1 do artigo 906.° e do n.° 3 do artigo 907.°;
( )
4. A decisão é notificada ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender.
5. Se o executado, o exequente ou um credor reclamante discordar da decisão, cabe ao juiz decidir; da decisão deste não há recurso.
Ainda com aparente relevo constata-se que do art.° 904.° do mesmo Código de Processo Civil consta o que segue:
A venda é feita por negociação particular.
(...)
d) Quando se frustre a venda por propostas em carta fechada, por falta de proponentes, não aceitação das propostas ou falta de depósito do preço pelo proponente aceite;
(...).
Assim sendo as coisas, o regime previsto no Código de Procedimento e de Processo Tributário para o caso de a venda por propostas em carta fechada ficar deserta é similar ao que o Código de Processo Civil prevê. A questão poderia ser diversa apenas se estivesse em causa a necessidade do órgão da execução fiscal ouvir o executado e o credor reclamante na execução fiscal previamente à sua decisão de escolha da modalidade da venda mas essa, como vimos, não é a que aqui se coloca. Mas ainda que fosse, sempre a solução a encontrar deveria ser diversa da propugnada pelos Reclamantes, como de resto se acentuou no recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, prolatado no dia 28-03-2007 (.)
Neste acórdão, o STA decidira que o legislador preceituara integral e imperativamente no CPPT o regime da venda no processo de execução fiscal, excluindo, ao contrário do que acontece na execução comum, a audição do credor com garantia sobre a modalidade da venda (e consequente notificação da decisão do agente de execução). Daqui decorreria a necessária aceitação, por parte do dito credor e no caso de negociação particular, do comprador ou do preço proposto pelo exequente, justificando-se tal interpretação atendendo à natureza e características da execução fiscal. Estando nela em causa a cobrança de receitas tributárias que visam a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento artigo 5.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária , a execução fiscal caracterizar-se-ia pela sua celeridade.
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Da decisão do TAF de Loulé veio o Banco A., S.A. interpor o presente recurso de constitucionalidade sobre o qual, inicialmente, recaiu um despacho de indeferimento por falta de preenchimento de pressupostos processuais, mas que, após reclamação deferida pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 464/2007, veio a ser admitido pelo Tribunal a quo.
A norma que delimita o objecto do recurso de constitucionalidade é a que resulta das disposições conjugadas da alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º e n.º 3 do artigo 252.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e dos artigos 201.º, 904.º e alínea c), do n.º 1 do artigo 909.º do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de dispensar a audição dos credores providos com garantia real nas fases de venda ordenada pelos Serviços de Finanças e, fundamentalmente, quando é ordenada a venda por negociação particular e feita a adjudicação consequente.
No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade o recorrente alega que a norma viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, pois entende não ser aceitável que, num Estado de Direito, o legislador consagre, expressamente, a protecção dos direitos dos credores reclamantes providos de garantia real para aplicação na jurisdição comum e omita esses mesmos direitos no âmbito de uma execução fiscal.
A esse fundamento, vem o recorrente, nas alegações apresentadas, acrescentar o da violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2), do princípio do acesso à justiça (artigo 20.º, n.º 4) e do direito de propriedade privada (artigo 62.º, n.º 1), assim pretendendo reforçar o entendimento de que, mesmo considerando-se as características particulares da execução fiscal, ainda assim não se justifica que aí seja dispensada a audição prévia dos credores reclamantes providos de garantia real para efeitos de escolha da modalidade de venda e de fixação do preço base.
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Relativamente ao princípio da igualdade, afirma o recorrente que a opção do legislador de não consagrar, expressamente, para o processo de execução fiscal, a solução do processo de execução comum, se apresenta in casu , e numa perspectiva jurídico-constitucional, intolerável ou inadmissível, por se não poder encontrar para ela fundamento material bastante. A diferença entre o regime da execução fiscal e o regime da execução comum não é materialmente sustentada em critérios objectivos, constitucionalmente relevantes, e que permitam tratar de forma desigual a tramitação da execução fiscal, sendo para tanto insuficiente a justificação assente na necessidade de celeridade da execução fiscal e no interesse público da cobrança de impostos. Além disso, diz, é violado o princípio da igualdade porque, quando detém a posição processual de credor reclamante em execução comum e na liquidação do activo em processo de insolvência, a Fazenda Nacional é sempre ouvida enquanto credor com garantia sobre os bens a vender nesses processos.
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No que respeita ao princípio da proporcionalidade, o recorrente reconhece que a execução fiscal, dado o seu fim de arrecadação coerciva de dívidas ao Estado ou entidades equiparadas, tende a caracterizar-se por uma pretendida celeridade, o que revela ter este princípio geral uma notável premência nessa forma de processo. Simplesmente, considera que não existe qualquer justificação para aí dispensar a audição prévia dos credores reclamantes providos de garantia real. São três os argumentos utilizados. Em primeiro lugar, o recorrente considera que o argumento da celeridade prova demais, na medida em que também na execução comum é relevante a celeridade, sendo que aí não é legítimo que a Fazenda Nacional deixe de ser ouvida quando reclama os seus créditos em execução pendente no Tribunal Comum. Além disso, afirma que não se vislumbra de que modo é que a audição dos credores vai atrasar a execução fiscal, sendo certo que basta uma notificação aos credores reclamantes feita nos termos previstos no CPPT (o que vale por dizer que na...
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