Acórdão nº 121/10 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Gomes
Data da Resolução08 de Abril de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 121/2010

Processo n.º 192/2010

Plenário

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. O Presidente da República requereu, ao abrigo dos n.ºs 1 e 3 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), do n.º 1 do artigo 51.º e do n.º 1 do artigo 57.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), em processo de fiscalização preventiva, a apreciação da constitucionalidade das normas do artigo 1.º, do artigo 2.º – este na medida em que altera a redacção dos artigos 1577.º, 1591.º e 1690.º, n.º 1, do Código Civil –, do artigo 4.º e do artigo 5.º, todos do Decreto n.º 9/XI da Assembleia da República, que permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, recebido para promulgação.

    É o seguinte o teor integral do diploma:

    “Artigo 1.º

    Objecto

    A presente lei permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

    Artigo 2.º

    Alterações ao regime do casamento

    Os artigos 1577.º, 1591.º e 1690.º do Código Civil, passam a ter a seguinte redacção:

    Artigo 1577.º

    [...]

    Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.

    Artigo 1591.º

    [...]

    O contrato pelo qual, a título de esponsais, desposórios ou qualquer outro, duas pessoas se comprometem a contrair matrimónio não dá direito a exigir a celebração do casamento, nem a reclamar, na falta de cumprimento, outras indemnizações que não sejam as previstas no artigo 1594.º, mesmo quando resultantes de cláusula penal

    Artigo 1690.º

    [...]

    1 - Qualquer dos cônjuges tem legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento do outro.

    2 - …………………………………………………………………”.

    Artigo 3.º

    Adopção

    1 – As alterações introduzidas pela presente lei não implicam a admissibilidade legal da adopção, em qualquer das suas modalidades, por pessoas casadas com cônjuge do mesmo sexo.

    2 – Nenhuma disposição legal em matéria de adopção pode ser interpretada em sentido contrário ao disposto no número anterior.

    Artigo 4.º

    Norma revogatória

    É revogada a alínea e) do artigo 1628.º do Código Civil.

    Artigo 5.º

    Disposição final

    Todas as disposições legais relativas ao casamento e seus efeitos devem ser interpretadas à luz da presente lei, independentemente do género dos cônjuges, sem prejuízo do disposto no artigo 3.º.”

    1. O pedido vem acompanhado de um parecer jurídico e tem os seguintes fundamentos:

    “[ …]

    1. O presente pedido de fiscalização da constitucionalidade tem por objecto e circunscreve-se às normas, e só estas, do artigo 1º, do artigo 2º, na medida em que altera a redacção dos artigos 1577º, 1591º e 1690º, nº 1 do Código Civil, do artigo 4º e do artigo 5º do Decreto nº 9/XI, da Assembleia da República.

    2. Importa sublinhar, antes de mais, que a aprovação dos normativos cuja apreciação preventiva da constitucionalidade se requer não decorre de uma imposição constitucional de igualdade, pois que, como o Tribunal Constitucional já teve ocasião de concluir, no Acórdão nº 359/2009, a norma do artigo 1577º do Código Civil, na redacção em vigor, não afronta o nº 2 do artigo 13º da Lei Fundamental.

    3. Se acaso se concluísse pela existência de uma imposição constitucional de legislar decorrente do princípio da igualdade seria obrigatória a consagração de um regime de casamento entre pessoas do mesmo sexo em tudo idêntico ao regime do casamento entre pessoas de sexo diferente, impedindo o acolhimento de um regime diferenciador ou de soluções juridicamente distintas.

    4. Tal opção de diferenciação foi seguida na maioria dos Estados em cuja cultura jurídica Portugal se insere, tendo-se, em alguns deles, acolhido diferentes designações e regimes diferenciados.

    5. A opção pela união civil com registo foi considerada, de resto, pela jurisprudência constitucional alemã como uma decorrência do princípio da igualdade: tratando-se de realidades distintas importaria consagrar regimes diferentes, casamento para pessoas de sexo diferente; união civil com registo para pessoas do mesmo sexo.

    6. O princípio da igualdade pode, aliás, ser invocado para sustentar a inconstitucionalidade das normas objecto do pedido. Tudo está em saber se, ao tratar de forma igual realidades substancialmente diferentes, não está o legislador a violar uma obrigação de diferenciação que decorre da Lei Fundamental.

    7. Conclui-se, assim, que, de acordo com a jurisprudência constitucional portuguesa, firmada no Acórdão nº 359/2009, a Constituição não obriga à consagração legal do casamento entre pessoas do mesmo sexo, sendo legítimas quer a sua proibição pura e simples, quer a previsão de regimes diferenciados – de que é exemplo, entre muitos outros, o regime alemão.

    8. Solução diversa constituiria um inaceitável condicionamento à liberdade de conformação do legislador, na medida em que imporia não só a ampliação do regime do casamento civil a pessoas do mesmo sexo como o faria em toda a sua extensão, com todo o seu feixe de direitos e obrigações.

    9. De resto, para concluir pela existência, neste domínio, de uma imposição ditada pelo nº 2 do artigo 13º da Lei Fundamental seria necessário densificar previamente o conceito constitucional de «orientação sexual». Com efeito, só esta densificação permitiria saber, com segurança, se a configuração agora dada ao instituto do casamento pelo Decreto nº 9/XI não implicaria, porventura, a violação do princípio da igualdade, ao não conferir idêntico tratamento a outras formas possíveis de orientação sexual, do mesmo modo que sempre se poderia questionar a legitimidade constitucional do artigo 3º do citado Decreto, que parece vedar a possibilidade de adopção por pessoa casada com cônjuge do mesmo sexo.

    10. A diferenciação introduzida no mencionado artigo 3º do Decreto corresponde, aliás, ao reconhecimento por parte do legislador de que as realidades em causa são substancialmente distintas, permitindo a Constituição – ou mesmo reclamando –, por isso, um tratamento diferenciado.

    11. Esta necessidade de densificação do conceito de «orientação sexual» torna-se ainda mais patente quanto o regime do artigo 1577º do Código Civil e de outras disposições do mesmo Código, exige, na sua literalidade, a diferença de sexo dos nubentes, mas não uma específica orientação sexual. É, pois, essencial saber em que consiste «orientação sexual» para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 13º da Constituição.

    12. Afastada a existência de uma imposição constitucional de legislar nos termos em que o fez o Decreto nº 9/XI, coloca-se, então, a questão de saber se as normas que integram o objecto do presente pedido são conformes à norma constitucional do artigo 36º, nº 1, que dispõe: «Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade».

    13. Pelo Decreto nº 9/XI, a Assembleia da República conferiu uma nova redacção à norma do artigo 1577º do Código Civil, a qual determina, sob a epígrafe «Noção de casamento», que «[C]asamento é o contrato celebrado entre pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código».

    14. O legislador eliminou o inciso «pessoas de sexo diferente», substituindo-o pela expressão «duas pessoas», o que implicou uma alteração significativa dos elementos definidores do conceito de casamento acolhido no Código Civil, que são: (a) a celebração de um contrato; (b) entre pessoas de sexo diferente; (c) que pretendem constituir família; (d) mediante uma plena comunhão de vida.

    15. Torna-se, pois, necessário indagar se a alteração ora pretendida introduzir no nosso ordenamento jurídico se mostra conforme ao conceito constitucional de casamento – e, reflexamente, ao conceito constitucional de família – acolhido no nº 1 do artigo 36º da Lei Fundamental.

    16. Torna-se, ainda, necessário saber se esta alteração se conforma com o conceito de casamento acolhido na Declaração Universal dos Direitos do Homem que, no n.º 1 do seu artigo 16º estabelece o seguinte: «A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família (…)». Sendo esta referência ao género dos titulares do direito caso isolado na Declaração Universal, é imperioso concluir que, à luz deste texto, o conceito de casamento deve ser interpretado como respeitante à união entre um homem e uma mulher.

    17. Ora, dispondo a Constituição portuguesa, no n.º 2 do artigo 16º, que «os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem», isto significa que a interpretação dos preceitos constitucionais sobre direitos fundamentais não deve ser feita, exclusivamente, com base na sua letra e no espírito da nossa Constituição. O que a norma constitucional portuguesa impõe ao intérprete é, pois, uma interpretação conforme com a Declaração.

    18. Mesmo reconhecendo que o legislador possui, neste domínio, de liberdade de conformação na definição dos elementos característicos do conceito legal de casamento, sempre deverá ter-se presente que essa discricionariedade legislativa não pode ser exercida de tal modo que desfigure a noção constitucional desse instituto.

    19. A existência constitucional do casamento enquanto instituição é expressamente reconhecida pela jurisprudência constitucional, designadamente pelo citado acórdão nº 359/2009, tendo o Tribunal, no acórdão n.º 590/2004, afirmado mesmo tratar-se de «uma verdadeira norma de garantia institucional».

      No acórdão acabado de citar, declarou o Tribunal Constitucional:

      Importa, desde já, precisar o sentido da norma constitucional invocada. O artigo 36º reconhece e garante diversos direitos relativos à família, ao casamento e à filiação. Seguindo de perto o ensinamento de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira […]:

      São de quatro ordens esses direitos: a)...

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