Acórdão nº 26/08.6TBVCD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelAMÉLIA AMEIXOEIRA
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA.

Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO - LIVRO 829 - FLS. 167.

Área Temática: .

Sumário: I – A obrigação de apresentação de coisas ou documentos está dependente dos seguintes requisitos: a) – Que o possuidor ou detentor desses documentos não os queira facultar; b) – Que essa recusa se faça sem ter motivos fundados para se opor à apresentação; c) – E que o requerente tenha um interesse juridicamente atendível na apresentação do documento ou no seu exame.

II – Os herdeiros de um depositante não podem ser tidos como terceiros relativamente às contas do mesmo, razão por que não lhes pode ser oposto o segredo bancário.

III – Não sendo alegada a existência de sonegação de bens por parte do cabeça de casal obrigado a prestação de contas da adminitração do respectivo acervo hereditário, não pode considerar-se que outro herdeiro tenha um interesse juridicamente atendível na apresentação de documentos relativos a depósitos bancários efectuados pelo “de cujus” e inerente movimentação no período que antecedeu o respectivo óbito.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Desembargadora Relatora: Amélia Ameixoeira Desembargadores Adjuntos: Carlos Portela Joana Salinas Proc. nº 26/08.6TBVCD.P1 Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO: Intentou B…………., casada, residente na Rua ………., nº ….., Vila do Conde, a presente acção sob a forma de processo especial para apresentação de documentos contra “C…………, S.A.”, com sede na Av. ……., n.º ….., Lisboa e “D…………, S.A.”, com sede na Rua ………, n.º ….., Porto, peticionando a designação de dia e hora para que os RR lhe entreguem cópia dos extractos de conta-corrente referentes aos movimentos das contas bancárias tituladas ou co-tituladas por E………… e realizados durante o período que mediou a abertura das mesmas e o dia 12/03/2003.

Para tanto, alega ser filha de E……………, falecida em 12/03/2003. Que da herança aberta por óbito de Rosinda estão por partilhar os saldos e títulos existentes e associados às contas bancárias com os n.ºs ……….119 (C…….) e ………/0105 (D……..), os quais vêm sendo administrados pelo cabeça de casal, marido da falecida e pai da autora, F…………., o qual se recusa a prestar contas da sua administração aos interessados na herança. Alega que, por esse motivo, pretende exigir judicialmente a prestação de contas ao cabeça de casal, mas para isso precisa de ter acesso aos extractos bancários e demais documentos atinentes aos movimentos de conta até à data do óbito para instruir tal acção, o que lhe vem sendo negado pelos RR.

Válida e regularmente citados, contestaram os RR, por impugnação e por excepção.

Concretamente, o réu “D………., SA” alegou, em síntese, que, para os fins pretendidos pela autora não se mostra pertinente o conteúdo dos extractos bancários referentes aos movimentos que ocorreram entre a abertura de conta em 11/07/1989 e a data do óbito daquela co-titular de conta (sendo que os verificados posteriormente ao óbito já foram disponibilizados à autora). Por outro lado ainda, excepciona que tais documentos e respectivo conteúdo estão abrangidos pelo dever profissional de segredo bancário, o que a impede de os exibir à autora.

Por sua vez, o réu “C…………, SA” alegou, em síntese, que os documentos exigidos e respectivo conteúdo estão abrangidos pelo segredo bancário, a que está obrigada por lei, apenas podendo ser quebrado com a autorização do co-titular da conta, o que até à presente data não aconteceu, ou nos casos previstos no art.º 79º do RGICSF, o que também não se verifica in casu. No mais, alega que os documentos referentes aos movimentos ocorridos após o óbito da co-titular foram oportunamente disponibilizados à autora.

Concluem, ambos, pela improcedência da presente acção.

*Foi proferido despacho saneador sentença que decidiu julgar totalmente improcedente, por não provada, a acção proposta por B………….. e, em consequência, absolver os réus C…………, SA e D……………, SA do pedido.

*Inconformada com o teor de tal decisão veio a Autora recorrer, concluindo as suas alegações do modo seguinte: A. A Autora não invocou como razão justificativa do pretendido acesso aos sobreditos documentos apenas a vontade de exigir a prestação de contas ao cabeça de casal.

  1. Na verdade, em 7. da petição inicial a Autora, referiu claramente que «… na qualidade de herdeira de parte dos saldos e/outros títulos existentes em Instituições de Crédito em nome da falecida E…………… (art. 2157º CC), necessita que lhe sejam exibidos os extractos com os movimentos efectuados desde a abertura das referidas contas, até aos dias de hoje, de modo a poder apurar o conteúdo do seu direito, seja para exigir a prestação de contas por parte do administrador da herança, seja para, na sua sequência, dele reclamar o seu quinhão.» C. Ou seja, contrariamente ao que se refere na sentença, a Autora não invocou unicamente a vontade de intentar uma acção de prestação de contas, tendo também referido que, na qualidade de herdeira de sua mãe, pretende conhecer o conteúdo do seu direito, ou seja, pretende saber que quantias fazem parte da herança de que é co-titular, para o que, naturalmente, precisa de aceder aos movimentos de tais contas bancárias, mesmo os anteriores à morte de sua mãe, pois, com se sabe, só mediante o acesso a tais elementos é que qualquer herdeiro pode conhecer o preciso conteúdo da herança, e, por arrastamento do seu direito (ou quinhão) a ela designada e principalmente a ocorrência de doações de dinheiro realizadas a benefício de algum outro herdeiro.

  2. Sendo a Autora herdeira de determinada herança, tal circunstância chega bem para aferir sem mais do interesse jurídico que possa ter em aceder aos bens (móveis, imóveis e direitos de crédito) da herança, já que, sucedendo na posição jurídica do de cujus, o seu interesse e direito é exacta e precisamente o mesmo do Autor da herança.

  3. A lei não refere a necessidade do Autor apelar a um qualquer interesse juridicamente relevante, mas tão somente a um interesse jurídico (artigo 574.º CC).

  4. Um interesse jurídico não é um facto, contrariamente ao que supõe a sentença, mas sim uma razão ou conclusão de natureza estritamente jurídica.

  5. Constitui inquestionável interesse jurídico, o do herdeiro que pretende conhecer o conteúdo da herança, apurar se dela fazem ou não parte quantias em dinheiro, se a autora da herança fez em vida, através das contas bancárias, disposições de valores em benefício de outro qualquer herdeiro, etc., etc.

  6. Mesmo que se entendesse que a Autora teria de provar factos integradores do seu interesse juridicamente relevante, sempre seríamos levados a concluir que a sentença se equivocou quando refere que a Autora se esqueceu de indicar os seus meios de prova.

    I. O tribunal – tendo entendido ser necessário produzir provas -ignorou que sendo o presente processo um processo especial, cumpria aplicar-lhe, como determina o artigo 463.º n.º 1 do CPC, em primeiro lugar as regras próprias – as dos artigos 1476.º a 1478.º do CPC, donde não consta qualquer alusão à indiciação e produção de provas – e, depois, as regras gerais e comuns – donde, como se sabe, igualmente não constam regras sobre a presentação de provas e sua produção - posto o que, em tudo o que não estiver regulado numas e noutras, se aplicarão as regras do processo ordinário, as quais, como se sabe, mandam elaborar uma base instrutória e notificar as partes para apresentarem as suas provas.

  7. Ou seja, se entendia que era necessário produzir provas, o tribunal deveria ter saneado o processo, indicado os Factos Assentes e elaborado a Base Instrutória, posto o que notificaria as partes para indicarem as provas que deveriam ser produzidas, tudo nos termos do artigo 512.º do CPC.

  8. Sucedendo a recorrente nos mesmos direitos da falecida e passando assim a ser co-titular das contas bancárias, é evidente a existência do direito da recorrente em obter todas as informações respeitantes às mesmas, incluindo informações sobre os movimentos bancários desde a data da sua abertura, bem como o direito a obter os documentos que materializam os extractos relativos a todos os movimentos...

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