Acórdão nº 4575/08.8TBMAI-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelGUERRA BANHA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 351 - FLS 150.

Área Temática: .

Sumário: I - Na alienação de bens futuros, seja por compra e venda, seja por permuta, a transferência do direito de propriedade para o adquirente dá-se por efeito do próprio contrato, mas a transferência para o adquirente não ocorre imediatamente.

II - Apenas se dá quando a coisa for adquirida pelo alienante ou for determinada com o conhecimento de ambas as partes [arts. 408.°, n.° 2, 879.°, ai. a), e 939.° do Código Civil].

III - Tratando-se de permuta de um terreno por fracções autónomas de edifício a construir nesse terreno, o direito de propriedade do terreno transfere-se imediatamente para o adquirente, por efeito do contrato de permuta; IV - A transferência do direito de propriedade relativo às fracções autónomas do edifício a construir (bens futuros) para os permutantes adquirentes também se dá por efeito directo do mesmo contrato de permuta, mas esse efeito apenas se produz após a construção do edifício e com a constituição do regime da propriedade horizontal, que é o título que individualiza e confere autonomia jurídica a essas fracções (arts. 1417.° e 1418.° do Código Civil).

V - Neste caso, a transferência do direito sobre as partes comuns do edifício, incluindo o terreno onde este está implantado, ocorre no mesmo momento e em conjunto com a transferência do direito sobre as fracções individualizadas, porque o conjunto dos dois direitos é incindível e nenhum deles pode ser alienado separadamente, atento o disposto no art. 1420.° do Código Civil.

VI - Nos termos do art. 939.° do Código Civil, as normas relativas à compra e venda também são supletivamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao contratos em que se estabeleçam encargos sobre bens, como é o caso da hipoteca, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas.

VII - Constituída hipoteca sobre terreno destinado a construção, a extensão da hipoteca ao edifício nele construído ocorre ipso lege, por força do disposto no art. 691.°, n.° 1, ai. c) do Código Civil.

VIII - Mas essa hipoteca só produz efeitos em relação às fracções autónomas do edifício, enquanto unidades prediais.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. n.º 4575/08.8TBMAI-A.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 11-01-2010 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO 1. B………. e esposa C………. e D………. e esposa E………., demandados nos autos de execução comum para pagamento de quantia certa que corre termos no Juízo de Execução da Maia com o n.º 4575/08.8TBMAI, instaurada por F………, S.A., deduziram oposição à referida execução e à penhora no que respeita às fracções «C», «D», «W», «AL» e «AX» do prédio urbano composto por três blocos (A, B e C) e constituído no regime de propriedade horizontal, sito na Rua ………., n.ºs …., …., …., …., …., …., …., …., …., …., …., …., …., …. e …., ainda omisso na matriz mas descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia, sob o n.º 003738/04092000, da freguesia de ………. .

Alegaram, em síntese, que não intervieram no contrato de abertura de crédito e constituição de hipoteca em que se baseia a execução, nenhuma obrigação contraíram para com o Banco exequente em relação à dívida exequenda e adquiriram as fracções acima identificadas por contrato de permuta celebrado com a sociedade G………., LDA, muito antes desta sociedade outorgar o referido contrato de abertura de crédito e constituição de hipoteca com o Banco exequente. Concluíram, pedindo que a execução seja julgada extinta em relação aos oponentes e seja declarada a invalidade da hipoteca constituída sobre aquelas cinco fracções.

O Banco exequente contestou, alegando, em síntese, que a hipoteca foi constituída por escritura de 05-08-1998 sobre os três prédios onde foi implantado o edifício a que pertencem aquelas cinco fracções, abrangendo todas as construções neles implantadas, e o seu registo precedeu o registo da aquisição das fracções pelos oponentes. Concluindo pela improcedência da pretensão dos oponentes.

No despacho saneador foi proferida decisão sobre o mérito da oposição, que foi julgada totalmente improcedente (fls. 65-84).

  1. Não se conformando com essa decisão, os oponentes interpuseram recurso de apelação, extraindo das suas alegações as conclusões seguintes: 1.ª - Mostra-se violado o disposto no artigo 408.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil na medida em que se não tira do contrato de permuta todas as consequências – aquisição do direito de propriedade de terreno pela G………. e aquisição das fracções prediais a construir pelos Oponentes.

    1. - Mostram-se também violadas as normas do artigo 879.º, alíneas a) e b), por força do artigo 939.º do Código Civil ao considerar que a consequência do contrato de permuta para os Oponentes se traduz numa simples promessa de aquisição e não de verdadeira aquisição apenas condicionada por comportamentos da G………. .

    2. - Mostra-se violado o disposto nos artigos 18.º, 28.º a 33.º, 46.º, 61.º, 79.º e 88.º do Código Registo Predial porquanto se expressa o entendimento de que a descrição das fracções a construir tinha de ser complementarmente definida na permuta e não podia ser objecto de qualquer rectificação ou acerto.

    3. - Mostra-se violado o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea c), do Código de Registo Predial ao considerar que era obrigatório o registo da aquisição das fracções a construir.

    4. - Verifica-se uma evidente contradição na douta sentença: para a hipoteca, que incide sobre uma coisa presente – o terreno – e sobre uma coisa futura – o edifício –, aceita-se que o respectivo contrato tenha eficácia no futuro; para a permuta que também confere aos Oponentes uma parte de coisa presente – o terreno – e outra parte da coisa futura – as fracções a construir – já não haveria eficácia. Sai violado o disposto no artigo 408.º do Código Civil e lidas de forma inadequada as normas das alíneas a) e b) do artigo 879.º, por força do artigo 939.º do Código Civil.

    5. - O direito de propriedade dos Oponentes sobre as fracções, embora a construir no futuro, é consequência imediata do contrato de permuta – artigo 408.º e 879.º, alínea a). do Código Civil, pelo que não é incompatível com a hipoteca, não precisando de registo prévio para prevalecer sobre a hipoteca, bastando a anterioridade do contrato. A adopção da tese contrária constitui violação do artigo 5.º do Código de Registo Predial, mormente do seu número 4, que consagrou a tese do assento do STJ n.º 3/99.

    6. - Há uma deficiente leitura e aplicação da norma do n.º 4 do artigo 5.º do Código de Registo Predial: essa norma destina-se a estabelecer a prioridade do registo quando se trata de direitos incompatíveis (propriedade contra propriedade, usufruto contra usufruto, hipoteca contra hipoteca …); fora disso, vale a regra do tempo de celebração do contrato. Assim, se o contrato de permuta fosse posterior ao contrato de hipoteca, os Oponentes estavam vinculados à hipoteca; sendo anterior, os Oponentes não ficam vinculados à hipoteca constituída depois. A hipoteca só é eficaz em relação às pessoas que se obrigam e só incide sobre os bens dessas pessoas e não sobre bens de terceiros não outorgantes.

    7. - A tese dos Oponentes está consagrada no Acórdão do STJ de 06/03/2008, Proc. 08B358 in www.dgsj.pt, onde se lê: "Só quem tem a qualidade de terceiro é que beneficia da presunção e prioridade decorrentes do registo (…) e como a titularidade do direito sobre um bem se transfere por força do contrato, neste caso de permuta, com a sua eficácia real (artigo 408.º e 879.º do Código Civil), e não por força do registo, acontece que as fracções já haviam saído do património do executado aquando do registo da penhora, não podendo, por isso, garantir as suas dívidas". E depois: "(…) o contrato de permuta mediante o qual os réus adquiriram o direito de propriedade sobre as duas fracções prediais, apesar de levado a registo em data posterior ao registo da penhora dessas mesmas fracções, prevalece e produz efeitos contra os autores, adquirentes das mesmas fracções através da venda no processo executivo".

    A apelada contra-alegou e concluiu pela improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.

  2. À tramitação e julgamento do presente recurso é aplicável o novo regime processual introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada após 01-01-2008 (cfr. art. 12.º do mesmo decreto-lei).

    De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o apelante extrai das suas alegações, desde que reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, in fine, do CPC). Pelo que, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art. 660.º, n.º 2, do CPC). Com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o n.º 2 do art. 660.º do Código de Processo Civil, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os "argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes", os quais, por muito respeitáveis que sejam, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como flui do disposto no art. 664.º do Código de Processo Civil (cfr. entre outros, ANTUNES VARELA, em Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; Ac. do Tribunal Constitucional n.º 371/2008, em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/; acs. do STJ de 11-10-2001 e 10-04-2008, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 01A2507 e 08B877; e ac. desta Relação de 15-12-2005, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 0535648).

    Partindo destes parâmetros e tendo em...

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