Acórdão nº 321/07.1PSPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Data da Resolução27 de Janeiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 408 - FLS 267.

Área Temática: .

Sumário: Configurando-se a instrução como um momento processual de comprovação que culmina na formulação de um juízo de probabilidade para legitimar a sujeição do arguido a julgamento, a decisão instrutória é passível de apreciação à luz dos vícios da decisão consignados no artigo 410/2 do CPP, por referência à matéria indiciariamente assente.

Reclamações: Decisão Texto Integral: ● Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Moreira Ramos.

Processo n.º 321/07.1PSPRT.P1 2ª Secção Criminal Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO Nos autos de inquérito que corria termos no Departamento de Investigação e Acção Penal (doravante DIAP) do Porto sob o n.º 321/07.1PSPRT, no qual foi incorporado o inquérito n.º …/07.6PSPRT do mesmo DIAP, ambos contra o arguido B………., a Ex.ma Magistrada do Ministério Público, findo o inquérito, proferiu despacho de arquivamento, de harmonia com o disposto no art. 277º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, por entender não terem sido recolhidos indícios suficientes da verificação dos crimes de maus tratos e ofensa à integridade física, bem como determinou o arquivamento por inadmissibilidade legal do procedimento, ao abrigo do n.º 1, desse mesmo normativo, relativamente ao crime de injúria, de natureza particular, por virtude da ofendida não se ter constituído assistente.

***Inconformada, a ofendida C………., requereu a sua constituição como assistente e, concomitantemente, a abertura de instrução, visando a pronúncia do arguido pela prática de um crime de maus tratos, p. e p. pelo art. 152º n.ºs 1 e 2, do Cód. Penal, na redacção da Lei n.º 7/2000, de 27/5, hoje crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º n.º 1, do Cód. Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4/9, com os seguintes fundamentos de facto: - O seu marido, aqui arguido, no dia 5 de Outubro de 2006, no interior da casa de morada de família, sita na Rua ………., …, cidade do Porto, após se ter envolvido em discussão consigo agrediu-a, tendo sido agarrada e apertada pelo arguido no seu braço esquerdo, tendo-lhe ainda apertado o pescoço, com as respectivas mãos; - Como consequência directa e necessária de tais agressões, apresentou durante três semanas, um hematoma no braço esquerdo, bem como pisaduras à volta do pescoço; - No dia 25 de Março de 2007, no interior da casa de morada de família sita na Rua ………., …, cidade do Porto, o arguido, após se ter envolvido em discussão consigo, agrediu-a, com um soco no braço direito; - Como consequência directa e necessária de tal agressão, sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de 26/03/2007, constante de fls. 38/42 dos autos, apresentando no terço superior da face antero-lateral do braço uma equimose, em fase de absorção, ovalar, com 3 por 2 centímetros de maiores dimensões, que demandaram para a respectiva cura, 4 (quatro) dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho; - No dia 8 de Setembro de 2007, no interior da casa de morada de família, o arguido, após se ter envolvido em discussão consigo, agrediu-a, desferindo um golpe com o joelho contra a perna esquerda da assistente, tendo-lhe, na mesma ocasião, cuspido na face; - Como consequência directa e necessária de tal agressão, sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de 11/09/2007, constante de fls. 52/57 dos autos, apresentando no membro inferior esquerdo, hematoma em absorção na face lateral do terço superior da coxa, com área superficial de 12 cm por 10 cm. Palpação, endurecida e dolorosa; na circundante, halo inflamado, com 3 cm de espessura, que demandaram para a respectiva cura 15 (quinze) dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho; - O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito que concretizou de molestar o corpo e saúde da assistente, bem sabendo que não o podia ou devia fazer e que actuava a descoberto de qualquer motivo atendível, não desconhecendo do carácter ilícito e criminalmente censurável da respectiva conduta.

***A Ex.ma Juíza de Instrução Criminal admitiu a ofendida a intervir nos autos como assistente e o seu requerimento de abertura de instrução.

Tendo procedido às diligências de instrução que entendeu necessárias e convenientes (inquirição das duas testemunhas arroladas pela assistente, D………. e E……….), designou data para debate instrutório que foi realizado na data aprazada.

Na decisão instrutória subsequente foi proferido despacho de pronúncia do arguido B………., pelos factos e qualificação jurídica constantes do requerimento de abertura de instrução.

Inconformado com o decidido, este, interpôs recurso, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição sem negritos ou sublinhados) «1ª - O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e toda a matéria de direito da decisão instrutória aqui recorrida.

  1. - Quanto à proibição do depoimento indirecto como meio de prova, em processo penal, o regime regra é o que ocorre na primeira parte do n.° 1 do artigo 129° do C. P. P..: "Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode naquela parte, servir como meio de prova (…).

  2. - O regime de excepção para a valoração de depoimentos indirectos encontra-se vertido na segunda parte do n.° 1 do aludido artigo 129°, e que prevê o seguinte: "(...) salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas." 4ª - O que equivale dizer que a valoração de depoimentos indirectos só são válidos se ocorrerem as circunstâncias melhor descritas na segunda parte da norma atrás citada, do exposto, resulta em regra que está proibido o depoimento indirecto.

  3. - Excepcionalmente, para os casos de morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade da pessoa de quem a testemunha ouviu dizer, o depoimento indirecto é admissível, desde que o depoente identifique a pessoa ou a fonte através dos quais tomou conhecimento dos factos.

  4. - Acresce ainda, que a lei diferencia claramente a inquirição das testemunhas (artigos 138° e 348°), as declarações do assistente e das partes civis (artigos 145°, 346° e 347°) e o interrogatório do arguido (artigos 141° a 143° e 343°) e do que a lei fala no artigo 129° é apenas da "inquirição" das pessoas indicadas, isto é, da inquirição de testemunhas.

  5. - Vale isto por dizer, que o depoimento indirecto só vale como prova quando a "inquirição" de testemunhas não for possível por força das referidas circunstâncias previstas na lei.

  6. - Portanto, não vale como prova o depoimento indirecto de uma testemunha sobre o que ouviu dizer ao arguido, ao assistente ou às partes civis, porque as " pessoas" a que a ressalva do n.° 1 do artigo 129° se refere são apenas as testemunhas.

  7. - E, sendo o artigo 129° uma norma excepcional, ela não pode, em prejuízo do principio constitucional da imediação, ser aplicada analogicamente ao depoimento de uma testemunha sobre o que ouviu dizer ao arguido, ao assistente e às partes civis.

  8. - Sobre o depoimento indirecto das testemunhas arroladas pela assistente no RAI, recai sobre ele uma sanção mais severa (próxima da inexistência): não pode servir como meio de prova - não pode ser fonte de qualquer decisão, ou seja, da decisão instrutória aqui sob impugnação.

  9. - Porque tal depoimento indirecto ofende os princípios relativos à produção da prova inscrito no artigo 4° do C.P.P., nomeadamente, o princípio do contraditório, da imediação e do in dubio pro reo, que tem amparo constitucional no n.° 1 do artigo 32° da CRP, ou seja, o processo criminal tem de assegurar todas as garantias de defesa ao arguido, incluindo o recurso.

  10. - Por tudo quanto ficou exposto, é claramente manifesto que o depoimento indirecto das testemunhas arroladas pela assistente no RAI, não pode servir como meio de prova, nem tão pouco pode ser fonte de qualquer decisão fundada em tal depoimento, dado que a Meritíssima Juiz que proferiu a decisão instrutória aqui sob impugnação estava obrigada a ouvir a assistente naquela fase processual de instrução, tendo presente o que dispõe a primeira parte do n.° 1 do artigo 129° conjugado com o n.° 1 do artigo 340° do C.P.P.: "1. O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa".

  11. - Ora, não o tendo feito, violou o regime regra descrito na primeira parte do n.° 1 do artigo 129° do C.P.P., ou seja, a decisão instrutória aqui sob impugnação fez uma valoração do depoimento indirecto das testemunhas arroladas pela assistente, sem que esta tivesse sido ouvida nesta fase processual de instrução tal como impõe a norma atrás citada.

  12. - Para validar e valorar o depoimento indirecto das testemunhas arroladas pela assistente a Meritíssima Juiz Titular do Processo podia e devia chamar a assistente a depor, o que não sucedeu, pelo que tal prova para além de proibida é inexistente dado que a decisão aqui sob impugnação fundamentou -se em tal fonte ou meio de prova e que a primeira parte do n.° 1 do artigo 129° do C. P. P. proíbe a valoração de tal meio de prova, ou seja, o depoimento indirecto das testemunhas arroladas pela aqui assistente na fase da instrução.

  13. - Assim tal decisão viola os princípios gerais relativos à produção da prova que se encontram inscritos no artigo 4° do C.P.P., designadamente os princípios, do contraditório, da imediação e ainda o do in dubio pro reo, violando igualmente o disposto no n.° 1 do artigo 32° da C.R.P., o que desde já se requer com as devidas consequências.

  14. - Do exposto, deverá este Venerando Tribunal revogar a decisão instrutória aqui sob impugnação dado que a mesma utilizou e valorou depoimento indirecto das testemunhas arroladas pela...

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