Acórdão nº 2621/08.4TJVNF-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução24 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 335 - FLS. 53.

Área Temática: .

Sumário: I- O facto de um obrigado cambiário que alega ter pago a letra a um outro subscritor não ter pedido a sua restituição, não constitui uma renúncia tácita da prescrição.

II- O obrigado cambiário que, nessas condições, invoca a prescrição da obrigação incorporada na letra de câmbio, não age contra factum proprium e, portanto, em abuso do direito potestativo correspondente.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. nº 2621-08 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório.

B………………. deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa que contra ele instaurou, no ..º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Famalicão, C…………….

O executado alegou, como fundamentos da oposição, a inexequibilidade das três letras de câmbio de que o exequente é portador, em resultado da prescrição do direito de acção cambiária, a falta de causa de pedir, por ausência de alegação, no requerimento executivo, da relação jurídica subjacente à emissão e aceitação daquelas letras, e o pagamento do valor nelas inscrito ao sacador, D…………….

O exequente afirmou, na contestação, que ignora a realidade da generalidade dos factos alegados pelo opoente, que não tinha que saber da relação causal que levou à emissão dos títulos, tendo alegado a causa por que os detinha, assente na relação directa que tinha com o endossante, que os executados renunciaram à prescrição, por terem pago e deixado as letras que titulavam o débito na posse do credor tantos anos, e que o opoente abusa do direito, já que o seu comportamento configura, abertamente, um venire contra factum proprium.

Logo no despacho saneador, o decisor da 1ª instância, depois de observar que as letras de câmbio, enquanto título executivo, nada valem desde que foi invocada a sua prescrição, também não valendo como escrito particular consubstanciando a obrigação subjacente, porque nada foi pelo exequente alegado, nesse sentido, no requerimento executivo, julgou a oposição procedente e declarou a extinção da execução.

Apelou, claro, o exequente, pedindo a revogação desta decisão, tendo, extraído da sua alegação, com o propósito de mostrar a falta de bondade da decisão impugnada, estas conclusões: 1- Os títulos dados à execução não estão prescritos; 2- A renúncia à prescrição é um facto notório, dado ter expirado o prazo da prescrição e só depois o executado ter alegado a prescrição; 3- O tempo decorrido entre as datas do vencimento dos títulos e a data da sua, douta, oposição, provam-no claramente; 4- A sua grave negligência ou culpa em não recolher ou exigir a devolução dos títulos, em tempo útil, demonstra-o; 5- Quem assim age, demonstra que deve ou renuncia a qualquer direito que pelos títulos pudesse ter; 6- Conduz a que terceiros confiem neles ou, pelo menos, não duvidem de que, quem os possui, é o seu verdadeiro titular e sobre eles mantém direito; 7 - São levados a aceitar os mesmos sem reservas; 8- A renúncia, tanto pode ser expressa como tácita; 9- No caso dos autos foi, pelo menos, tácita; 10- Esta aparência é objectiva e em face de terceiros e, como tal, deverá ser reconhecida em direito, sob pena de se beneficiar o infractor; 11- A conduta do executado configura um claro "venire contra factum proprium"; 12- Constitui um clamoroso abuso de direito; 13- E excede, manifestamente, os limites que lhe são impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim económico do direito; 14- No abuso de direito não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo; 15- Basta que, na realidade, exceda, objectivamente, os limites a que se alude na conclusão 13ª; 16- De uma forma clara e nítida; 17- Os autos provam este excesso; 18- E que o direito pelo executado invocado não é legítimo; 19- A posição jurídica que o exequente exerce nos presentes autos colide abertamente com a conduta que este assumiu em relação aos títulos; 20- Esta sua posição enganou o exequente e levou-o a aceitar títulos que jamais pensou que pudessem ser impugnados; 21- A excepção do abuso de direito deveria ter sido conhecida, oficiosamente, pelo, douto, Tribunal. Isto, sempre, com o devido respeita; 22- O, douto, despacho saneador-sentença, está, com o devido respeito, deficientemente, elaborado, pese embora o mérito do, abundante e doutamente, debitado pela Meritíssima Senhora Juiz “ a quo", que se reconhece; 23- E a oposição deverá improceder.

Com a sua douta decisão violou o, douto, Tribunal “a quo", com o devido respeito, entre outras, as normas dos artºs 301º, "à contrario"; 302°, nºs 1 e 2; 315°; 325°, nº 2 e 334° do C. Civil e art. 659º do C.P.Civil.

Na resposta o executado pronunciou-se, naturalmente, pela improcedência do recurso.

  1. Factos provados.

    O tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes: 1. Em 28.3.1997, E…………., Lda., sacou sobre B………….. - que a assinou na frente, transversalmente, no lugar normalmente destinado ao aceite e após a palavra "ACEITE" aí impressa, a letra junta a fls. 10, no valor de 870.000$00, com vencimento para 27.6.1997, valor reforma de 1.380.000$00, com venc. a 27.3.1997.

  2. No verso desta letra constam duas assinaturas sobre carimbo da sacadora.

  3. Em 30.12.1996 E…………, Lda., sacou sobre B…………… - que a assinou na frente, transversalmente, no lugar normalmente destinado ao aceite e após a palavra "ACEITE" aí impressa, a letra junta a fls. 11, no valor de 1.584.000$00, com vencimento para 27.2.1997, valor reforma de 1.980.000$00, com venc. a 27.12.1996.

  4. No verso desta letra constam duas assinaturas sobre carimbo da sacadora.

    5 - Em 17.4.1997 D…………. sacou sobre B………….. - que a assinou na frente, transversalmente, no lugar normalmente destinado ao aceite e após a palavra "ACEITE" aí impressa, a letra junta a fls. 12, no valor de 790.000$00, com vencimento para 17.7.1997, valor Transacção Comercial.

    6 - No verso desta letra constam duas assinaturas do sacador.

  5. Fundamentos.

    3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados entretanto formados na instância recorrida, e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

    A decisão impugnada julgou procedente a oposição por dois fundamentos: por prescrição da obrigação cartular constante das letras em que exequente fundou a execução; por tais títulos de crédito não poderem continuar a valer como título executivo, enquanto escrito particular consubstanciando a obrigação subjacente, porque nada foi pelo exequente alegado, nesse sentido, no requerimento executivo.

    A leitura ainda que meramente oblíqua das conclusões com que o recorrente rematou a sua alegação, mostra que a sua discordância relativamente à sentença impugnada se dirige apenas à questão da prescrição da obrigação pecuniária documentada nas letras de câmbio. De harmonia com o impugnante, a conclusão encontrada na sentença recorrida quanto à prescrição não é exacta dado que, no seu ver, o executado, de um aspecto, renunciou, à invocação dela e, de, outro, ao opor-lha, age com abuso do direito.

    Nestas condições, a conclusão a tirar é a de que o recorrente renunciou parcial e tacitamente à impugnação, limitando-a à questão da prescrição, restringindo correspondente e objectivamente a esse objecto o âmbito do recurso (artº 684 nº 3, 2ª parte, do CPC e 317 do Código Civil)[2].

    As questões concretas controversas que importa resolver são, portanto, as de saber se o recorrido renunciou ou não à prescrição e se, ao invocá-la, abusa do direito, por aquela invocação ter sido actuada contra facta propria.

    A resolução destas questões exige, que se examinem, ainda que levemente, os problemas da natureza e função do título executivo e da causa de pedir na acção executiva, do ónus da prova dos fundamentos da oposição, do efeito da prescrição, dos modos e efeitos da renúncia à sua invocação e dos pressupostos do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

    3.2 Função e natureza do título executivo.

    A acção executiva, que visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (artºs 2, 4 nº 3 e 45 nº 1 do CPC). A exequibilidade extrínseca da pretensão é atribuída pela incorporação da pretensão no título executivo, i.e., num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (artº 45 nº 1 do CPC). O título executivo cumpre, no processo executivo, uma função de legitimação: ele determina as pessoas com legitimidade processual para a acção executiva e, salvo oposição do executado, ou vício de conhecimento oficioso, é suficiente para iniciar e efectivar a execução.

    O título executivo é o documento da qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização da correspondente pretensão através de uma acção executiva. Este título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação[3].

    O título executivo exerce, assim, uma função constitutiva – dado que atribui exequibilidade a uma pretensão, permitindo que a correspondente prestação seja realizada através de medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal – uma função...

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