Acórdão nº 371/07.8TAFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDO VENTURA
Data da Resolução09 de Novembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. Reclamação de despacho do relator [1] Vem o arguido .... reclamar para a conferência do despacho que indeferiu o requerimento para realização de audiência por não terem sido indicadas as questões a debater e determinou o julgamento em conferência. Argumenta, citando Paulo Albuquerque, que o direito de requerer que o recurso seja julgado em audiência é um direito discricionário; que a imposição de enunciar as questões a debater não encontra sanção legal; que tem o direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo; e que deveria ter sido convidado a aperfeiçoar o requerimento.

[2] Os assistentes responderam, no sentido da improcedência da reclamação.

[3] O legislador consagrou, desde a versão original do Código de Processo Penal, sistema de recurso assente no julgamento precedido de audiência. Assim, e com excepção de recursos manifestamente improcedentes, com verificação de causa extintiva do procedimento criminal ou perante recurso de decisões intercalar, emergia da conjugação dos artigos 419º, nº4 e 423º entendeu-se que o debate oral constituía a forma mais adequada de consagrar o recurso com «conhecimento autêntico de problemas e conflitos reais, mediatizado pela intervenção motivada pelas pessoas» Ponto 7 do Preâmbulo do Código de Processo Penal.

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[4] Porém, em 2007, o legislador alterou esse sistema e inverteu a regra da oralidade da audiência de recurso, passando agora a audiência a realizar-se apenas quando requerida pelo arguido. Esse propósito encontrou expressão na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 109/X-2, na origem da Lei nº 48/2007, de 29/8: «tendo presente que a audiência no tribunal de recurso corresponde a um direito renunciável, prevê-se que o recorrente requeira a sua realização, especificando os pontos que pretende ver debatidos» e encontra na sua origem, como aponta Simas Santos Cfr. Simas Santos, Revisão do processo penal: os recursos, inserido na colectânea Que futuro para o Direito Processual Penal?, 2009, págs. 180 a 183.

, a consideração de que a audiência havia-se convertido frequentemente em acto processual supérfluo, sendo muito raro acontecer no sistema de audiência obrigatória verdadeiro debate oral sobre as razões do recurso, que não se restringe ao acto de alegar, passando também pelo questionamento clarificador por parte do Tribunal. A prática judiciária passava pela simples leitura das motivações, quando não pela falta de comparência sistemática do mandatário do recorrente e a sua substituição por defensor oficioso, o que correspondeu naturalmente à generalizada desvalorização do acto.

[5] Assim, no nº5 do artº 411º, na redacção conferida pela referida Lei nº48/2007, de 29/8, veio o legislador estabelecer que a audiência apenas se realiza a requerimento do recorrente. Mas, não se ficou por esse conteúdo normativo: estabeleceu limitação ao exercício do direito à audiência em recurso, impondo ao requerente que especificasse contemporaneamente o objecto do debate oral pretendido. Perante as razões da mudança da regra da oralidade introduzida, a teleologia desse segmento normativo surge clara: introduzir regras que evitem o abuso do instituto e a repetição da degradação das audiências facultativas, e determinar no requerente reflexão sobre o seu interesse através da imposição de concretização do que se pretendia ver discutido.

[6] Dito isto, importa referir que o legislador de 2007 não foi inteiramente feliz, na medida em que deixou intocado o disposto no artº 423º, nº1 do CPP, no qual se confere ao relator o dever de «enunciar as questões que o tribunal entende merecerem exame especial», numa aparente sobreposição relativamente ao ónus constante do nº5 do artº 411º do CPP. Dizemos aparente porque, cremos, a compatibilização entre os preceitos não é difícil: significa que o enunciado formulado pelo relator toma como ponto de partida o leque de questões apresentadas no requerimento formulado para realização de audiência. Esse é o entendimento sufragado por Simas Santos sobre o conteúdo daquele nº1, cuja formulação que se transcreve: «Nessa exposição, que incide sobre o objecto do recurso, o relator enuncia as questões que o tribunal entende merecerem exame especial.

Tal exposição, para cumprir o seu objectivo, não deve consistir na fastidiosa leitura do projecto de acórdão, como tantas vezes sucede, mas deve limitar-se, depois de indicar sinteticamente o objecto do recurso, a referir as questões em apreciação, de preferência sobre a forma de perguntas. Deve notar-se alguma contradição criada com a disposição que impõe que o recorrente, ao requerer a audiência, a especificação dos pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos (nº5 do artº 411º), contradição que deve ser resolvida no sentido de caber ao relator a enunciação das questões que merecem exame especial, designadamente de entre as indicadas pelo recorrente» Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 123.

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[7] Ora, no caso em apreço, o recorrente exerceu o direito a requerer a audiência mas não respeitou o ónus de formular as questões a debater, impedindo inerentemente o exercício pelo relator do dever de selecção, em função da respectiva pertinência, e, então, deixou a audiência sem objecto, inútil.

[8] Considera o reclamante que o direito a requerer a audiência conforma-se como direito discricionário e cita Paulo Pinto de Albuquerque Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica, 3ª Ed. (2009), pág. 1118 e 1119.

, no seu comentário, pág. 1131. Porém, salvo o devido respeito, esse autor refere essa discricionariedade à oportunidade do exercício do direito e não também quando a revestir os requisitos estabelecidos por lei. Por isso reputa o direito de vinculado, a controlar pelo relator. Acresce que Germano Marques da Silva também nada diz de diferente pois a sua posição - de direito a constituir, note-se – apenas versa o momento mais adequado para o recorrente valorar a oportunidade da audiência Reforma do Sistema Penal de 2007- Garantias e Eficácia, pág.s 55 e 56, ponderando o segmento citado pelo reclamante.

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[9] Outra objecção prende-se com a circunstância do legislador não dizer expressamente que o requerimento se especificação das questões a debater deve ser indeferido. Porém, não tem de o dizer. Abundam no ordenamento penal institutos em relação aos quais são estabelecidos requisitos, traduzindo formas de evitar desvios às respectivas finalidades, sem que fique expressa a sanção processual para a sua omissão. O indeferimento do exercício de direito sem o respeito pelos requisitos legais estará, por decorrência da imperatividade, votado ao fracasso, o que se traduz processualmente pela denegação judicial da pretensão.

[10] Denegada audiência, porque não regularmente requerida, encontra aplicação a norma da al. c) do nº3 do artº 419º do CPP, a estabelecer a regra do julgamento em conferência. Não colhe a interpretação para que apela o recorrente de que basta o requerimento para afastar esse normativo pois, a ser assim, teria que se admitir a audiência em todos os recursos mesmo naqueles em que o legislador não a admite, como é o caso do julgamento de reclamação de decisão sumária (salvo se for necessária renovação da prova) e os recursos de decisão não final. Ou também as situações de intempestividade. Em suma, presumindo-se que o legislador soube exprimir-se adequadamente e consagrou as soluções mais acertadas (artº 9º, nº3 do CC), cremos que a parte final do nº5 do artº 411º do CPP não constitui exemplo de regra sem sanção.

[11] Sustenta ainda o reclamante que o despacho que lhe indeferiu o requerimento para realização de audiência violou o direito, constitucionalmente consagrado, de escolher advogado e ser por ele assistido em todos os actos do processo e apela para o disposto no artº 61º, nº1 do CPP e o ditame dos artºs 18º, nº1 e 2 da CRP. Porém, não se encontra qualquer propriedade na convocação dessa dimensão normativa: o despacho reclamado não operou qualquer substituição de defensor, que se mantém na pessoa do mesmo mandatário judicial, nem se vislumbra qualquer indefesa no julgamento em conferência, tendo em atenção toda a argumentação constante da motivação. Note-se que o Tribunal Constitucional foi já chamado a pronunciar-se quando intervenção do arguido e do seu defensor durante o julgamento do recurso, concluindo que o direito ao recurso não inclui necessariamente a realização de audiência pública no Tribunal Superior e a oralidade na discussão do recurso Acs. do Tribunal Constitucional nºs. 352/98 e 322/93, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt . Aliás, a própria lei do processo perante aquele Tribunal (Lei 22/82, de 15/11), não prevê qualquer audiência pública, mesmo a requerimento do recorrente. E, porque assim é, não há lugar a qualquer convite a fazer o que não fez, na medida em que não se mostra necessário compatibilizar o ordenamento processual penal com a consagração constitucional do direito ao recurso, salvaguardado no seu núcleo essencial com o julgamento em conferência. Não existindo norma que o permita, o convite ao aperfeiçoamento proposto constituiria, na verdade, a renovação do prazo para exercício de direito renunciável, contrariando a vontade do legislador. Afasta-se, assim, a pretendida violação do disposto nos artºs 61º, nº1 do CPP e no artº 32º, nº3 da CRP.

[12] Face ao exposto, cumpre julgar improcedente a reclamação, passando a apreciar o recurso, em obediência ao disposto no artº 417º, nº10 do CPP.

  1. Relatório [13] Nos presentes autos com o NUIPC .... das Varas de Competência Mista de Guimarães, foi o arguido ...., condenado, por acórdão proferido em 04/02/2009, na pena de quatro anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de abuso sexual de criança, na forma continuada, p. e p. pelos artºs 30º, nº2, 79º e 172º, nºs 1 e 2 do Código Penal Doravante referido pelo acrónimo «CP».

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    [14] Mais foi julgado...

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