Acórdão nº 7/09.2JAAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBELMIRO ANDRADE
Data da Resolução03 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.

Realizada a audiência com exercício amplo do contraditório, foi proferido acórdão no qual o Tribunal Colectivo decidiu: 1. Julgar procedente a acção penal e condenar o arguido, R.

- pela prática de um crime de perturbação da vida privada, p. e p. pelo artigo 190° nº 2 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; - pela prática de um crime de ameaça, agravada, p. e p. pelo artigo 153° e 155° n.º 1 al. a), ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; - pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191° do Código Penal, na pena de 1 (um) mês de prisão; - pela prática de um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272° n.º 1 al. a) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

  1. Efectuar o cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, condenando o arguido R.

    na pena única de cinco anos e seis meses de prisão.

  2. Julgar procedente o pedido de indemnização civil com base em responsabilidade civil conexa com a criminal, formulado nos autos por C e M e, em consequência, condenar o arguido/demandado a pagar a cada um dos demandantes, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros à taxa legal desde a data da presente decisão até integral pagamento e a quantia global de € 2.702,62 (dois mil setecentos e dois euros e sessenta e dois cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.

    * Recorre o arguido do referido acórdão, formulando, na motivação, as seguintes CONCLUSÕES: A - Sucede que o sentimento de justiça do arguido não lhe permite aceitar urna decisão que considera injusta, baseada no testemunho de duas pessoas que como se demonstrou faltaram deliberadamente á verdade, como aliás V. Exas. facilmente constatarão através da audição dos respectivos depoimentos, sendo certo que os seus depoimento determinaria que os pontos dados como provados fossem dados como não provados uma vez que são o único elemento que liga o arguido aos factos de que estava acusado.

    B - Acresce que foi produzida prova em audiência de julgamento que correctamente considerada deveria ter determinado a absolvição do arguido.

    C - A não se considerar a prova positiva no sentido de que o arguido é inocente e devia ser absolvido sempre se deveria considerar que nenhuma prova se produziu no sentido de que tivesse sido o arguido a praticar os factos de que vinha acusado D - na sua condenação foram consideradas provas que são nulas, designada mente a perícia realizada pelo IML, que foi realizada antes da constituição do recorrente como arguido e sem ser precedido das formalidades legais designadamente de despacho de magistrado judicial, sendo certo que nenhuma razão existia para que tal exame se realizasse nos termos em que se realizou, considerando o disposto no artigo 172º, 154º e l26º todos do C.P.P, uma vez que não existe autorização expressa do arguido para a realização do exame no IML, nem tão pouco tal exame foi ordenado por magistrado judicial, nem se impunha urgência no mesmo que não permitisse uma das duas prorrogativas apontadas.

    E - A prova registada contem lacunas de ordem tal que deveriam determinar a repetição da audiência de julgamento F - finalmente o julgamento decorreu de forma que pôs em causa a legalidade do mesmo e as garantias de defesa do arguido, uma vez que todas as testemunhas incluindo o assistente e primeiro depoente compareceram e foram ouvidos em audiência fardados e armados.

    G - a considerar-se que o julgamento ocorreu sem anomalias e que a prova foi correctamente apreciada quanto aos facto dados como provados e não provados sempre se clamará pelo excesso na aplicação da pena em concreto pelo cúmulo de crimes de que o arguido vinha acusado, atentas as consequências concretas dos factos descritos, o facto de ser primário, ter família constituída com uma filha menor que dele depende, os danos na sua globalidade terem já sido ressarcidos, alem de não existir o mínimo de prova de qualquer premeditação ou necessidade de especiais cautelas quanto á conduta futura do arguido no caso de alguma conduta passada recriminável lhe poder ser imputável TODO O EXPOSTO DEVERÁ SER ANALISADO Á LUZ DE UMA EXPRL’SSAO QUE O PROPRIO COLECTIVO UTILIZA: “ninguém o viu [ao arguido] no local, é certo, mas todas as circunstâncias referidas, apreciadas na sua globalidade de acordo com a experiência comum das coisas, é lá que o colocam” - EM VIOLAÇÃO CLARA DO princípio do in dubio pro reo, CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADO, Se assim se não entender 1) Na determinação da medida concreta da pena, sendo certo que haverá que considerar os parâmetros definidos no artigo 71º do Código Penal, tendo especial relevância a culpa do agente, a ilicitude dos factos e as exigências de prevenção especial e geral de futuros crimes, também é certo que haverá que considerar a vertente ressocializadora e de reinserção social do agente, para que com a aplicação da pena e situação social do agente não sofra mais que o estritamente necessário.

    2) Dentro da medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face á ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

    3) Certo é que da sentença proferida nada se conclui quanto ao grau de culpa do agente.

    4) Apenas é referido que “As exigências de prevenção geral e especial desaconselham fortemente a opção por pena não privativa da liberdade.” Porquê? O que se pretende alcançar com esta afirmação e que exigências concretamente se está a referir o tribunal? 5) Não devem ser tomadas em consideração, na medida da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime: nisto se traduz o essencial do princípio da proibição de dupla valoração.

    6) O tribunal a quo violou este princípio da dupla valoração, porquanto na determinação da medida da pena e ao fazer o cúmulo jurídico considerou circunstâncias que na fixação da própria moldura penal de cada um dos crimes pelo legislador.

    7) Violou também a decisão os princípios de justiça e proporcionalidade uma vez que, ao arrepio da tendência apontada pelo Código Penal aplicável ao caso em apreço, cria sobre o pai de uma jovem de 15 anos que tem a seu cargo, o estigma de “ir preso” pela prática dos crimes em questão.

    8) O princípio da proporcionalidade aplica-se a todos os crimes alegadamente praticados, sendo certo que em todos eles foi violado, pois desconsiderou-se em absoluto a personalidade e condições sócio económicas do arguido, bem como o facto de a pena aplicada comprometer para sempre o seu futuro pois terá que mudar de profissão.

    * Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido, rebatendo a fundamentação do recurso e concluindo pela sua total improcedência.

    No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual manifesta a sua concordância com a resposta apresentada em primeira instância, desenvolvendo a respectiva argumentação.

    Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.

    Corridos os vistos e realizado o julgamento, mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no processo, cumpre conhecer e decidir.

    II.

  3. Tendo em vista as conclusões, que definem o objecto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, são colocadas à apreciação deste Tribunal, em breve síntese, as seguintes questões – por ordem de precedência lógica: - Existência de deficiências na gravação dos depoimentos prestados em audiência e suas consequências; - Nulidade do exame médico realizado pelo IML, na pessoa do arguido; - Impugnação da decisão da matéria de facto, com o fundamento, em síntese, de que numa apreciação criteriosa da prova produzida, tendo em vista o princípio in dubio pro reo deveria ter conduzido à absolvição do recorrente; - Violação, na determinação da pena aplicada, do princípio da dupla valoração (proibição da) e dos princípios da justiça e da proporcionalidade.

    Para proceder à sua apreciação, vejamos a decisão da matéria de facto, com a motivação que a suporta.

  4. A decisão do tribunal recorrido em matéria de facto é a seguinte:

    1. Factos provados: 1 - O arguido RZ é Agente da PSP e exerce funções, na ..a Esquadra da PSP de Coimbra, local onde igualmente exerce funções, também como Agente da PSP, o ofendido C 2 - Na sequência de desconfiança do arguido de que o ofendido C mantinha relacionamento extraconjugal com a sua esposa, o arguido RZ no mês … de 2008, efectuou várias chamadas telefónicas do seu telemóvel com o n. ° …. para o número de telemóvel Nº…. pertencente ao ofendido C- 3 - Assim, em data e hora não concretamente apurada, no período da noite, o ofendido C recebeu no seu telemóvel, perante MA, uma chamada telefónica de número não identificado, tendo pelo ofendido sido reconhecida a voz do arguido RZ o qual lhe disse "temos de ter uma conversa. Dou-te um tiro".

      4 - Após esse telefonema, também em dias e horas não concretamente determinadas, o ofendido C recebeu vários telefonemas anónimos, numa dessas chamadas foi audível, a seguinte expressão "Tas fodido".

      5 - Entre os dias 14 e 18 de … de 2008, o arguido telefonou para o telemóvel do ofendido C, no dia 14-12-2008, pelas 20h39m41s, no dia 16-12-2008 pelas 12h39m50s, no dia 16-12-2008, pelas 16h01m56s e no dia 18-12-2008, pelas 11h16m56s, sendo que em alguns desses contactos telefónicos não chegou a haver qualquer conversação.

      6 - Na sequência das desconfianças e desavenças que o mesmo tinha para com o ofendido C, o arguido delineou um projecto de atear fogo à viatura conduzida pelo ofendido e, eventualmente, à residência daquele sita na...

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