Acórdão nº 73/08.8GDSCD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelRIBEIRO MARTINS
Data da Resolução28 de Janeiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

50 Acordam na Secção Criminal de Coimbra – I – 1- No processo comum com o n.º 73/08 de Santa Comba Dão SA e SB foram condenados pela prática dum crime tentado de homicídio qualificado p. e p. pelos artºs. 22º, 23º/1 e 2, 73º/1 alíneas a) e b), 131º e 132º/1 e 2 alínea j) do Código Penal, nas penas, respectivamente, de 6 e de 7 anos de prisão.

O arguido foi ainda condenado na pena de 10 meses de prisão pela prática do crime de detenção de arma ilegal p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 2º, 3º/6 alínea c) e 86º/1 alínea c) da Lei nº 5/2006 de 23.02. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 7 anos e 3 meses de prisão.

Foram ainda condenados no pagamento das seguintes indemnizações –

  1. Aos Hospitais da Universidade de Coimbra, a quantia de € 4.593,66 acrescido de juros de mora contados da sua notificação do pedido até integral pagamento.

  2. Ao ofendido C.

    as quantias de – - € 30.000 por danos não patrimoniais, com juros de mora contados da condenação até integral pagamento; - € 7.341.45 por danos patrimoniais, com juros de mora desde a notificação do pedido até integral pagamento; - o que vier a liquidar-se como despesas posteriores em exames, consultas médicas, medicamentos e perda de rendimentos resultantes de I.P.P.

  3. Ao Instituto de Segurança Social IP, € 13.448,43 com juros de mora sobre €11.321,27 desde o final do prazo para contestar o pedido inicialmente formulado e sobre €2.127,16 desde a notificação para se pronunciarem sobre a ampliação apresentada.

    2- Os arguidos recorrem concluindo –

  4. A SB I – O tribunal condenou os arguidos valorando somente a versão do ofendido como se de uma única verdade se tratasse, considerando o tribunal que o seu depoimento “ não foi, de modo algum, susceptível de sequer beliscar a credibilidade que nos mereceu o depoimento do ofendido e com base nele formar a nossa convicção quanto ao modo como os factos se desenrolaram no dia dos factos”; II – O tribunal valoriza quase em exclusividade o depoimento do ofendido, que é parte interessada e tem ressentimento relativamente aos arguidos; III – O tribunal desvalorizou por completo os depoimentos dos arguidos e valorou até à exaustão e quase em exclusivo o 1º interrogatório dos arguidos: - Entendeu o tribunal (fls. 33 e segs do Acórdão) «valorar, no que diz respeito à arguida SB o por si referido em sede de 1º interrogatório »; - Entendeu o tribunal (fls. 33 do acórdão) « valorar, no que diz respeito ao arguido SA o por si referido em sede de 1º interrogatório »; IV - A desvalorização dos depoimentos dos arguidos é por demais evidente e fixar a matéria dada como provada assente no 1º interrogatório destes é, além do mais, totalmente, absurdo e contrário à lei.

  5. - Neste caso acabado o 1º interrogatório passaríamos imediatamente à prolação do douto acórdão, sem necessidade do princípio do contraditório e dispensando-se, desde logo, a audiência de discussão e julgamento uma vez que no entender do tribunal esta é a prova bastante e adequada para sentenciar, sem mais nem menos, os arguidos, no enquadramento dos factos e na aplicação da medida da pena.

  6. - O 1º interrogatório é tão simplesmente um 1º interrogatório numa fase processual distinta e serve, fundamentalmente, para determinar um despacho judicial de aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial (artº 194º/4 do CPP), proceder à qualificação jurídica dos factos imputados e referir os factos concretos que preenchem os pressupostos da medida de coacção, incluindo os previstos nos artigos 193º e 204º do CPP.

  7. - Fundamentar uma decisão judicial ao dar como provados factos com base no 1º interrogatório dos arguidos menosprezando o contraditório e a prova produzida em audiência de discussão e julgamento é ilegal e desconforme à realidade jurídica.

    V - Desvaloriza em seguida todos os outros depoimentos e aqui chamamos à colação que o ofendido ao longo de todo o inquérito e mesmo em sede de audiência e discussão de julgamento apresentou sempre diversas versões, aliás nada condizentes com toda a dinâmica factual produzida em audiência de julgamento; VI – Se procedermos à análise dos depoimentos dos arguidos e ofendidos sem quaisquer intervenção de testemunhas presenciais e tendo em conta a prova produzida em julgamento, teremos de concluir: 1 – Os arguidos iniciaram a preparação dum encontro com o ofendido por iniciativa da arguida SB para todos terem uma conversa de modo a esclarecer quem era quem, nunca chegando a admitir a possibilidade de durante tal encontro virem a agredir fisicamente o ofendido; 2 – A compra dum cartão telemóvel numa loja chinesa por parte dos arguidos para a arguida SB combinar o encontro com o ofendido, nunca foi feito com o propósito de esconder quaisquer registos telefónicos; 3 – O arguido SA dirigiu-se a casa do pai onde sabia que este guardava uma arma de caça, de 2 canos paralelos, de alma lisa, com o nº de série FS 77063, da marca “ Fausti Stefano “, vulgo caçadeira, que levou consigo juntamente com um saco de tiracolo contendo, pelo menos, 35 cartuchos, com o objectivo de a levar consigo para o referido encontro sem pensar no uso da mesma; 4 - A arguida SB desconhecia que o arguido SA levasse para o encontro marcado com o ofendido uma arma de caça e um saco de tiracolo contendo, pelo menos, 35 cartuchos; 5 – A arguida SB não entregou ao arguido SA quaisquer luvas de borracha cor-de-rosa para o encontro marcado com o ofendido, desconhecendo que aquele as tivesse trazido e muito menos para que este ocultasse qualquer vestígio; 6 - As luvas cor-de-rosa que o arguido SA utilizou no lugar dos factos sempre se destinaram para a limpeza do carro e não para qualquer outro fim; 7 – A arguida SB após se encontrar com o ofendido C., quando seguia apeada ao encontro do ofendido, no caminho entre o parque do restaurante e o viaduto do IP3, entrou para a viatura do mesmo, mas foi este que decidiu por si só e por sua exclusiva iniciativa alterar o lugar do encontro e dirigir-se para a zona da Albufeira da…, vindo a estacionar o veículo num caminho térreo perto da margem da albufeira da … 8 – Apercebendo-se do trajecto feito pelo ofendido, o SA saiu do parque de estacionamento e seguiu no seu encalço; e ao aperceber-se do local onde aquele acabara de estacionar a viatura imobilizou o seu automóvel e dirigiu-se para o lugar do condutor sem ter qualquer arma ou luvas calçadas; 9 – Após ver o ofendido e a arguida SB dentro no veículo daquele debruçado e a apalpar os seios da sua companheira, o arguido SA veio ao seu carro e foi buscar a arma que trazia, aproximou-se do lado do ofendido, deu um tiro para o ar e de seguida dirigindo-se ao ofendido disse-lhe «dá-me a tua carteira; isto é um assalto»; 10 – Como o arguido SA tivesse com resposta do ofendido «estás com azar que eu não tenho carteira », chegou-se para trás e calçou umas luvas cor-de-rosa e voltou a insistir « dá-me a tua carteira» « isto é um assalto»; 11 – Neste momento tanto o ofendido como a arguida SB encontravam-se sentados no interior do veículo daquele; 12 - A arguida SB nunca bateu com um pau nem desferiu qualquer pancada na cabeça do ofendido C.

    13 - A arguida SB nunca provocou quaisquer tipo de lesões físicas ao ofendido C 14 – Quando abandonaram o local os arguidos nunca se aperceberam da gravidade das lesões do ofendido C.

    15 – Nunca foi intenção dos arguidos SA e SB dificultar que o ofendido providenciasse por socorro pelos seus próprios meios; 16 – Foi o próprio ofendido C. que recusou a intervenção das autoridades policiais; 17 – Os arguidos limitaram-se a combinar um encontro entre si e o C apenas para conversarem e tomar café, nunca tendo previamente preparado qualquer plano para ferir ou matar o ofendido nem agiram em conjugação de esforços na execução de qualquer plano nesse sentido; 18 – Os co-arguidos não actuaram de modo a eventuais tentativas de movimentação do carro do ofendido ou da colocação de terra no depósito de combustível deste ( exclusiva versão do ofendido), por manifesta ausência de prova pericial, valendo aqui como única referência o depoimento do ofendido; 19 – Nunca foi disparado qualquer tiro com arma de caça dentro do veículo automóvel do ofendido, partindo o vidro lateral, lado direito, da parte da frente, por manifesta ausência de prova pericial ou testemunhal, valendo aqui como única referência o depoimento do ofendido; VII – O artº 127º do CPP dispõe que “ Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, consagrando-se o princípio da livre apreciação da prova, mas para além da enumeração das razões de facto e de direito, a sentença, nos termos do artº 374º/ 2 do CPP, reclama do juiz o exame crítico das provas, que é a sua descrição e o juízo de valor que elas oferecem em termos de suporte decisório, ou seja, a crítica porque umas merecem credibilidade e outras não, impondo que o juiz indique todas as provas a favor ou contra que constituam a decisão e diga as razões pelas quais não atendeu às provas contrárias à decisão tomada – cfr. Ac. do STJ de 31-10-2007/ Procº nº 3280/07, 3ª Secção; VIII – A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar a prova e que neste caso, não aconteceu.

    IX – Neste caso não sucedeu igual valoração, assinalando-se só para um lado o interesse na causa e aceitando-se como bom apenas baseado na versão do ofendido e o 1º interrogatório dos arguidos, existindo uma nítida violação do disposto no artº 374º/2 do CPP, porquanto antes da vigência da Lei nº 59/98 de 15 de Agosto entendia-se que o artº 374º/2 do CPP não exigia a explicitação e valoração de cada meio de prova...

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