Acórdão nº 361/07.0GCPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Janeiro de 2010
Magistrado Responsável | JORGE DIAS |
Data da Resolução | 28 de Janeiro de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
pág. 21 Acordam em conferência na 4º sec. criminal do Tribunal da Relação de Coimbra No processo supra identificado em que é arguido: CA.
, casado, …, filho de U e M, natural da freguesia …, nascido …/.../ 73 e residente na Rua …., Pombal.
Foi proferida sentença, sendo decidido: 1. Absolver o arguido do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152°, nºs 1, a) e 2 do CP, de que vinha acusado.
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Condenar o arguido como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143°, nº1 do CP, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 8€.
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Condenar o requerido CA a pagar a EX, a quantia de 150€, a que acrescem juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data da notificação para contestar o pedido cível e vincendos até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do que, de mais, havia sido peticionado.
***Inconformada interpôs recurso a assistente EX São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso, e que delimitam o objecto do mesmo: 1- O Recorrido vinha acusado pelo MºPº da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art° 152°/1-a) e nº 2 do C. Penal.
2- Por danos patrimoniais e não patrimoniais, a recorrente formulou pedido de indemnização cível no valor de 6.428,00€ acrescido de juros.
3- Produzida a prova, o Tribunal "a quo" considerou provados, no que ao caso interessa, que, durante um período que vem pelo menos desde 2006, o recorrido, de modo reiterado, infligiu maus tratos físicos e psíquicos à recorrente, nomeadamente: a)- "apelidou a esposa de estúpida e filha da puta." (facto n.º 8); b)- "desferiu murros no mobiliário da cozinha." (facto n.º 9); c)- "desferiu um pontapé numa cadeira da cozinha, tendo-a partido." (facto n.º 10); d)- "por vezes as filhas do casal assistiam a discussões entre os progenitores." (facto n.º 11); e)- "com força colocou-lhe a mão na zona do pescoço, do lado esquerdo, querendo impedi-Ia de abandonar o local." (facto n.° 14); f)- "representou, contudo, como possível a verificação do resultado que sobreveio, tendo-se conformado com tal previsão." (facto n.º 15); g)- "sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei." (facto n.º 16); h)- a recorrente "ficou com equimoses avermelhadas, ténues na região dorsal esquerda, junta à coluna cervical, medindo quatro centímetros e meio por três centímetros, bem como uma outra pequena escoriação, com meio centímetro, situada abaixo destas." (facto n.º 18); i)- "tais lesões foram causa de três dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho." (facto n.º 19); j)- a recorrente “já temia pela sua segurança, até porque este tinha uma arma em casa." (facto n.º 22); k)- o recorrido "foi buscar a arma (. . .) e atirou-a a um poço, (. . .), tendo-o esta visto passar com a mesma arma no corredor da habitação." (facto n.º 23); l)- ela "referiu a uma colega de trabalho que o marido a havia perseguido com a dita arma." (facto n.° 24); m)- "a ausência do marido, suspeitas de infidelidade e o fim do seu casamento, causaram profundo sofrimento à EX, que chorava frequentemente e se queixava." (facto n.º 25); n)- a recorrente "com problemas de sono e agitação, tendo sido psicologicamente tratada." (facto n.° 26); o)- "frustrada e humilhada com o fim do casamento que programou para o resto da vida." (facto n.º 27); p)- "o seu rendimento profissional diminuiu." (facto n.° 28).
q)- "após a instauração deste processo deslocou-se à GNR, ao patrono, ao GML por várias vezes, efectuou telefonemas." (facto n.º 29).
r)- "com as mesmas finalidades, faltou ao trabalho número exacto não apurado de vezes, tendo-lhe sido descontados os dias equivalentes de férias." (facto n.º 30); s)- "as lesões que lhe foram causadas provocaram dores." (facto n. ° 31); t)- "neste momento o casal, embora ainda unido pelo matrimónio permanecem em casas separadas." (facto n.º 34).
4- Contudo, o Tribunal "a quo" absolveu o recorrido do crime de violência; condenou-o por um crime de ofensas à integridade física simples em 60 dias de multa à taxa diária de 8€ e condenou-o a pagar à recorrente a quantia de 150,00€ acrescida de juros.
5- Por outro lado, afirma: "No que se refere à designação da assistente como estúpida e filha da puta (. . .) é claro que uma tal actuação é passível de integrar a prática de um crime de injúria, p. p. pelo ert" 181do C. P." 6-E: "Contudo, tendo requerido a sua constituição como assistente, esta não deduziu acusação particular e nem sequer apresentou queixa, tendo por referência tal concreto circunstancialismo, motivo pelo qual, revestindo o ilícito em causa natureza particular, por falecer tais condições objectivas, de punibilidade, tais factos não poderão levar a qualquer condenação do arguido." 7 - Entende a recorrente que, com os factos provados, o recorrido preencheu todos os requisitos do tipo e, por isso, cometeu o crime de violência doméstica p. e p. no art. 152, nºs 1 e 2 do C. Penal, de que vinha acusado.
8- Aliás, na própria sentença recorrida, encontramos expendida fundamentação susceptível de adjuvar a sua tese - cfr. fls. 9 e 10.
9- E, tendo o Tribunal "a quo" procedido à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, sempre a assistente tinha que ser expressamente notificada para deduzir, querendo, acusação particular quanto ao crime de injúrias - cfr. Art. 285/1 do CPP.
10- Sob pena de ver assim cerceado o seu direito de deduzir acusação particular, o que não é legalmente permitido.
11- Até por que, apresentou queixa na GNR e perante o Mº Pº (declarações de 19/02/2008), por todos os factos, incluindo os das injúrias; não deduziu acusação particular, porque tais factos se encontravam absorvidos pela acusação pública (cfr. ponto nº 4) no crime de violência doméstica e porque só teve conhecimento da alteração da qualificação jurídica, aquando da leitura da sentença.
12- Quanto à indemnização cível, o valor de 150,00€ em que o recorrido foi condenado, corresponde a uma autêntica absolvição: não repara qualquer dano à recorrente, nem representa qualquer esforço/sanção para o recorrido.
13- Pois, sem conceder, mesmo condenando o recorrido apenas pelo crime de ofensas à integridade física, o valor da indemnização, para ser justo e adequado tinha que ser fixado muito próximo do pedido da recorrente: por força dos danos, do contexto e da relação entre agressor e a agredida.
Não foram extraídas correcta e adequadamente as consequências jurídicas dos factos praticados pelo recorrido, dados como provados e, por isso, a recorrente pede a Vossas Excelências que a Sentença proferida no Tribunal "a quo", seja substituída por outra que: a)- Mantenha a qualificação jurídica dos factos constante da acusação e condene o recorrido pela prática de um crime de violência doméstica, p. p. art. 152°/1-a) e nº 2, do C. Penal, bem como na indemnização cível peticionada pela recorrente, ou, b)- Caso se entenda ser de alterar a qualificação jurídica dos factos, o que só como mera hipótese se admite, condene o recorrido em indemnização cível adequada e condigna, ou seja, em valor próximo do peticionado.
Foi apresentada resposta pelo Magistrado do Mº Pº, que concluiu: 1- O bem jurídico tutelado pelo crime de violência doméstica reside na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, bem como da própria saúde enquanto bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental.
2- As condutas típicas podem ser de vária espécies: maus-tratos físicos (isto é, ofensas à integridade física simples), maus-tratos psíquicos (humilhações, provocações, molestações, ameaças), tratamento cruel, desumano.
3- Este normativo penaliza a violência na família, merecendo a atenção do Conselho da Europa, que a caracterizou como "acto ou comissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade".
4- Com a revisão operada pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, veio esclarecer-se o sentido a dar ao tipo de crime, concretamente no que se referia à querela interpretativa que vinha sendo suscitada quanto ao crime de maus tratos, que se prendia com o facto de saber se o crime exigia uma actuação reiterada do agente ou bastava um único acto isolado, desde que a sua gravidade fosse tal que, por si, fosse adequado a atingir a dignidade do visado.
5- Era entendimento que, em regra, o tipo de crime de maus-tratos exigia uma reiteração da conduta delituosa, só em casos excepcionais bastava um só acto, se ele fosse suficientemente grave para afectar de forma marcante a saúde física ou psíquica da vítima.
6- E é precisamente neste último sentido que vai a actual previsão legislativa: basta um único acto para se integrar o tipo legal de crime em referência, desde que o mesmo, por si só, atinja o bem jurídico violado.
7- No caso, atento o acima explanado quanto ao tipo de crime, somos levados a concordar com a bem fundamentada decisão da Meritíssima Juiz.
8- O único acto de violência física sobre a assistente não assume uma gravidade tal que atinja a bem jurídico protegido pelo crime em apreciação.
9- As sucessivas discussões entre o casal, o sentimento de desilusão e sofrimento daí decorrentes, têm que ser devidamente apreciado e valorado no seu contexto - a degradação e ruptura da relação conjugal -, e não propriamente em termos de maus-tratos psicológicos.
10- Não são todas...
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