Acórdão nº 19/08.3 GBCVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução09 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1. Conjuntamente com um outro, ora não recorrente, o arguido P…, já devidamente identificado, foi submetido a julgamento no Tribunal recorrido acusado pelo Ministério Público da prática indiciária de factos consubstanciadores da co-autoria material consumada de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal.

Operado o contraditório, em cujo decurso se deu acatamento ao disposto no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal (cfr. acta de fls. 241/2), através de sentença proferida, mostra-se ele condenado, embora sob a mera forma de tentativa, pela prática de um tal tipo de crime, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, ou seja, na multa global de € 560,00.

1.2. É na irresignação com o decidido, que recorre, extraindo da respectiva motivação as conclusões seguintes: 1.2.1. O pedaço individualizado de vida trazido pela acusação foi, na sequência do julgamento, em resultado da matéria de facto dada como provada, totalmente transfigurado, com novos factos, que dão um matiz completamente diferente à actuação imputada ao arguido, pondo em causa a sua defesa.

1.2.2. Estamos, assim, perante uma nova versão dos factos, divergindo claramente a versão da sentença daquela que resulta do texto da acusação.

1.2.3. Tal modificação consubstancia uma verdadeira alteração substancial dos factos contidos na acusação, que o tribunal estava impedido de tomar em conta para efeitos de condenação neste processo, porquanto estamos perante uma valoração distinta dos acontecimentos descritos na acusação e, com isso, surpreende-se o arguido, ora recorrente, com novos factos. Em suma: 1.2.4. Da comparação do quadro factual descrito na acusação com o vertido na sentença recorrida resulta uma alteração substancial dos factos, que não pode ser tomada em conta pelo tribunal para efeito de condenação no processo em curso (artigo 359.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), pelo que, tendo-o sido, a sentença é nula, nos termos do preceituado no artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do mesmo diploma.

1.2.5. Quando assim não se entenda – no que não se concede –, afigura-se que o M.mo Juiz a quo incorreu em erro notório erro notório na apreciação da prova tal como sobressai do texto da decisão recorrida.

1.2.6. O princípio da livre apreciação da prova não permite ao julgador um juízo subjectivo, fundado em provas circunstanciais; não lhe permite fazer uma apreciação pessoal; exige-lhe que faça uma apreciação objectiva, segundo as regras da experiência, em termos tais que, face aos elementos de prova objecto desse processo cognitivo, não fique qualquer dúvida de que os factos ocorreram do modo como foram dados como provados.

1.2.7. No caso vertente, não obstante seja concebível admitir a existência de um conjunto de circunstâncias que podem indiciar o que o M.mo Juiz a quo concluiu na sentença recorrida, tais circunstâncias não permitem, porém, dar tal matéria como provada, atento o grau de certeza exigível em direito criminal.

1.2.8. As provas circunstanciais apontadas na sentença recorrida permitem conjecturar que o recorrente pode ter tido alguma ligação a um possível furto de gasóleo, o que não permitem é dar como provada a matéria que o tribunal sindicado deu como assente, sob pena de se ultrapassarem os limites dos princípios da legalidade e da livre apreciação da prova.

1.2.9. É manifesto, assim, que o tribunal valorou e interpretou erradamente a prova produzida nos autos. Finalmente: 1.2.10. Dispõe o n.º 1 do artigo 22.º do Código Penal que “quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”, estamos perante uma tentativa. Por seu turno, prescreve o n.º 2 do mesmo normativo que “são actos de execução: a) os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) os que foram idóneos a produzir o resultado típico; c) os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.” 1.2.11. Refere, a este respeito, a sentença recorrida que “ (…) o arguido decidiu cometer um crime de furto, que não chegou a consumar-se, tendo praticado um conjunto de actos de execução, designadamente estava preparado para transportar umas bilhas em plástico, as quais (14 delas) estavam cheias de gasóleo, que são idóneos a produzir o resultado típico, a subtracção de coisa móvel.” 1.2.12. Partindo do pressuposto – que se rejeita – de que o arguido decidiu cometer um crime de furto, da matéria de facto dado como assente não resulta que tenha praticado actos de execução desse crime.

1.2.13. Mesmo dando com assente que o arguido decidiu colaborar na subtracção do gasóleo referido nos autos, a sua actuação não passou da mera preparação. Ora, 1.2.14. Consubstanciando a actuação imputada ao arguido a prática dum mero acto preparatório, uma vez que estes não são passíveis de punição, deve o mesmo ser absolvido.

1.2.15. Decidindo nos termos em que o fez, a sentença recorrida violou, assim, o preceituado no citado artigo 359.º, n.º 1, enfermando, por isso, de nulidade, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), também mencionado.

1.2.16. Caso assim se não entenda, deverá a dita sentença ser revogada agora por infracção ao estatuído nos artigos 127.º do CPP; 22.º e 203.º, estes ambos do CP.

Terminou pedindo que se decida em conformidade ao alegado.

1.3. Notificado para tanto, o Ministério Público respondeu sustentando o improvimento do recurso.

Proferido despacho de sua admissão, foram os autos remetidos a esta instância.

1.4. Aqui, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntico improvimento.

Cumpriu-se com o disciplinado pelo artigo 417.º, n.º 2, do CPP.

No exame preliminar a que alude o n.º 6 deste inciso, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

Consequentemente, ordenou-se a recolha dos vistos devidos, o que sucedeu, bem como o prosseguimento do recurso com submissão à presente conferência.

Cabe, então, ponderar e decidir.

*II – Fundamentação de facto.

2.1. Na sentença recorrida, teve-se por provada (no que respeita ao ora recorrente) a factualidade seguinte: “1. No dia… de …. de 2008, cerca das 21:30 horas, o arguido P… encontrava-se junto às obras do 3.º troço do canal do Aproveitamento Hidroagrícola da Cova da Beira, próximo da localidade de…Z concelho da Covilhã, no veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula …X., marca …., modelo …, pertencente a L….

  1. O arguido estava nesse local para transportar, nesse veículo, dezasseis bilhas em plástico: catorze delas estavam cheias de gasóleo, sete das quais com capacidade de vinte litros e sete com capacidade de vinte e cinco litros, sendo que duas estavam vazias, no valor de cerca de € 350,00.

  2. Esse gasóleo havia sido retirado dos depósitos de duas máquinas industriais, urna marca Caterpillar e outra de marca Komatsu, que aí estavam estacionadas, pertencentes à sociedade comercial M…, S.A.

  3. O arguido P.. sabia que as aludidas bilhas de plástico continham gasóleo que havia sido retirado dessas máquinas industriais pertencentes à sociedade comercial M… S.A.

  4. Apesar disso, actuou com o propósito de se apropriar desse gasóleo, não obstante saber que o mesmo não lhe pertencia e que actuava sem o consentimento e contra a vontade da sociedade acima aludida, proprietária do mesmo.

  5. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal como crime.

  6. O combustível supra aludido foi integralmente recuperado pela firma proprietária, graças à intervenção de agentes da GNR, os quais se deslocaram ao local na sequência de um telefonema realizado por pessoa não apurada.

    (…) 12.

    O arguido P.. é casado e nasceu a …./1971.

  7. É técnico de venda e aufere mensalmente cerca de € 900,00.

  8. A mulher trabalha e aufere cerca de € 1.000,00.

  9. Residem em casa própria.

  10. Tem o 11.º ano de escolaridade.

  11. Os arguidos não têm antecedentes criminais.” 2.2. Na mesma sentença, mas agora relativamente a factos não provados (e arguido recorrente) exarou-se, por seu turno, que: “Não se provaram quaisquer outros factos susceptíveis de influir na decisão da causa, designadamente, que: (…).

    1. Os arguidos abriram o tampão do depósito de combustível das máquinas industriais aludidas em 3. e introduziram dentro de cada um dos depósitos uma mangueira de plástico e daí retiraram gasóleo aí existente.

    2. Os arguidos actuaram em comum acordo e em comunhão de esforços.

    3. Os arguidos não se tentaram apropriar de combustível.

    4. Os arguidos estavam no local errado, à hora errada, nada tendo a ver com qualquer furto de combustível.

    5. Os arguidos são pessoas sérias e honestas e como tal são considerados e respeitados no meio social em que se inserem.” 2.3. Por fim, e no que tange à motivação probatória da sentença sindicada, preceitua ela (mais uma vez para o mencionado arguido/recorrente): “A convicção do tribunal baseou-se na ponderação à luz das regras da experiência do conjunto da prova produzida, nomeadamente: a) Para a materialidade dada como provada e como não provada contribuiu o seguinte: A acusação imputa aos arguidos o facto de, no dia … de … de 2008, cerca das 21:30 horas, se terem dirigido às obras do 3.º troço do canal do Aproveitamento Hidroagrícola da Cova da Beira, próximo da localidade de …Z, na Covilhã, fazendo-se transportar no veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula …X., marca …., modelo…, pertencente ao primeiro, com o propósito de se apropriarem de gasóleo existente nos depósitos de máquinas industriais que aí estavam estacionadas, pertencentes à sociedade comercial M… S.A.

    A prova produzida na audiência de julgamento permite-nos concluir, desde logo, o seguinte: No dia …de …. de 2008, cerca das 21:30 horas, perto das obras do 3.º troço do canal do Aproveitamento Hidroagrícola da Cova da Beira, próximo da localidade de Z…, na Covilhã, encontrava-se o veículo automóvel ligeiro de...

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