Acórdão nº 995/05.8TBFND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução03 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível): * Recorrentes (Autores)……... A (…); B (…) …………………………………..C (…) ………………………………… .D (…) …………………………………. E (…) . …………………………………F (…) …………………………………G (…) …………………………………..H (…) ………………………………… I (…) ………………………………… J (…) …………………………………..L (…).

Recorrida (Ré) (…).

* I. Relatório: a) Os Autores instauraram a presente acção declarativa, constitutiva e de condenação, com processo ordinário, com o fim de obterem a anulação de uma deliberação da assembleia geral da Ré, da qual são associados, tomada em 4 de Abril de 2005, que ratificou o procedimento da direcção da Ré, constante do «Esclarecimento de 8 de Abril de 2004», e as declarações relativas à forma de executar o programa sanitário, designadamente quanto ao mecanismo para a escolha de médico veterinário diverso dos constantes do rol de veterinários contratados pela associação e documentos necessários a essa mesma implementação.

Além deste pedido, os Autores pedem ainda que a Ré seja condenada ao pagamento das quantias que vierem a apurar-se em posterior liquidação, correspondentes aos danos por si mesmos sofridos e causados pelas deliberações da direcção e da assembleia da Ré, respectivamente, em 8 de Abril de 2004 e 4 de Abril de 2005.

A acção baseia-se, em resumo, no direito que os Autores entendem pertencer-lhes de escolherem livremente um médico veterinário para cuidar dos animais das respectivas explorações pecuárias, direito estabelecido no n.º 1 do artigo 12.º da Portaria n.º 122/2003 de 5 de Fevereiro (na redacção da Portaria n.º 356/2004 de 5/4), incumbindo, depois, à Ré, contratar o veterinário escolhido e pagar-lhe os serviços prestados, não sendo obrigatório, como pretende a Ré, que os Autores tenham de escolher um dos veterinários previamente contratados pela Ré.

A Ré sustenta que o alegando direito conferido pelo n.º 1 do artigo 12.º da Portaria n.º 122/2003 de 5 de Fevereiro, não pode interferir com o direito da Ré reger a sua actividade interna, concretamente no âmbito da contratação de veterinários, impondo-lhe, contra a sua vontade, a contratação de um certo veterinário.

Por outro lado, se estivesse obrigada a contratar os veterinários que cada um dos seus 2000 associados lhe indicasse, não tinha meios financeiros para sustentar tal sistema.

Expostas as posições, saneado e instruído o processo, a acção veio a ser julgada totalmente improcedente, fundamentalmente por se ter entendido que, efectivamente, o disposto n.º 1, do artigo 12.º, da Portaria n.º 122/2003, de 5 de Fevereiro, não pode limitar o direito de liberdade contratual da Ré.

  1. Os Autores recorrem da sentença por entenderem que têm, efectivamente, o direito de escolher livremente o médico veterinário.

    Por outro lado, ao ser-lhes recusada pela Autora a efectivação deste direito sofreram diversos prejuízos patrimoniais, cuja indemnização pedem.

    Concluíram assim: 1 - A sentença recorrida sufragou o entendimento de que a norma da mencionada portaria (na redacção introduzida pela Portaria n.º 356/2004, de 5 de Abril), ao obrigar a Ré recorrida a contratar os médicos veterinários estava ferida de ilegalidade, por violação do princípio de liberdade contratual.

    2 - A autonomia privada, em geral, equivale a um espaço de liberdade reconhecido a cada um dentro da ordem jurídica.

    3 - Em termos estritos, representa uma área reservada na qual as pessoas podem desenvolver as actividades jurídicas que entenderem.

    4 - Comportando a liberdade de celebração e a liberdade de estipulação do negócio jurídico.

    5 - Da portaria em causa não resulta qualquer violação desta liberdade contratual, já que não obriga à celebração de um qualquer contrato, nem se exige a formalização do mesmo.

    6 - O que se prevê na portaria mencionada é o mesmo que já se previa, isto é, a execução de acções de profilaxia médica e sanitária, através de técnicos qualificados (veterinários).

    7 - Restava à Ré criar as condições para que os veterinários escolhidos pudessem realizar as acções, contratualizando, da forma que melhor entendesse os respectivos serviços.

    8 - A obrigação de contratar sempre existiu, existe e existirá por parte da recorrida, pois que necessário se torna estabelecer uma qualquer espécie de vinculo com o médico veterinário.

    9 - Entendeu o Sr. Juiz «a quo» que existiria colisão de direitos.

    10 - A colisão de direitos não existe se o direito dos recorrentes estiver ferido de ilegalidade.

    11 - Só não havendo qualquer violação da liberdade contratual é que o direito dos recorrentes existe.

    12 - O instituto de colisão de direitos só intervém quando o intérprete chegue à conclusão de que, tendo na sua frente uma pluralidade de direitos pertencentes a titulares diferentes, não é possível o respectivo exercício simultâneo e integral.

    13 - O exercício do direito dos recorrentes em nada colidia com o exercício de um qualquer direito da recorrida.

    14 - O exercício do direito dos recorrentes efectivava-se desde que fossem proporcionadas as mesmas condições de apoio técnico, administrativo e remuneratório que, à data, eram dados pela recorrida aos médicos que lhe prestavam serviços contratualizados.

    15 - Não se impunha qualquer acréscimo de custos à recorrida.

    16 - Daí que, não existiu, nem existe incompatibilidade de direitos subjectivos entre si, mostrando-se o respectivo exercício conciliável.

    17 - A recorrida reconheceu aos recorrentes o direito em causa (vd. factos assentes sob o alínea M).

    18 - A recorrida fixou os prazos e as regras para o exercício do direito conferido pela portaria mencionada.

    19 - Os recorrentes cumpriram integralmente todos os formalismos do exercício do direito (v. ponto 1 dos factos da base instrutória).

    20 - E fizeram-no dentro do prazo (ponto 2 da base instrutória).

    21- A recorrida, na data prevista e calendarizada para a execução das acções e em conformidade com o procedimento por ela fixado e constante do «esclarecimento», negou a entrega do material de laboratório necessário à recolha (pontos 6 e 7 da base instrutória).

    22 - Obstaculizou, assim, o efectivo exercício do direito e que anteriormente havia sido por si reconhecido.

    23 - O comportamento da recorrida deu causa ao incumprimento sanitário dos efectivos (pontos 8 e 9 da matéria de facto resultante da base instrutória).

    24 – Face à matéria de facto dada como provada competia à Ré proporcionar aos médicos veterinários escolhidos os meios técnicos inerentes à execução das acções sanitárias.

    25 - A recorrida não o fez, omitindo o comportamento que se lhe impunha e a que se obrigou.

    26 - Incumprindo a legislação.

    27 - Incumprimento que constitui facto ilícito.

    28- Foram violados os artigos 405.º e 335.º do Código Civil e artigo 12.º, n.º 1, da Portaria n.º 356/2004 de 5 de Abril.

  2. Sintetizando as questões a decidir: 1 - Em primeiro lugar, saber se uma portaria, no caso a Portaria n.º 356/2004 de 5 de Abril, que alterou a Portaria 122/2003 de 5 de Fevereiro, pode criar um direito subjectivo a favor dos associados de uma certa associação de direito privado, no caso, a Ré, exercitável contra esta mesma associação.

    2 - Se a resposta for negativa improcede o pedido de anulação da deliberação; se for positiva, cumpre verificar se a deliberação impugnada é anulável.

    3 - Em qualquer dos casos cumpre indagar, de seguida, se os Autores têm direito à indemnização que pedem.

    1. Fundamentação.

    1 - A matéria de facto provada é esta: Os Autores são todos associados da Ré, com as quotas em dia e em pleno gozo dos seus direitos associativos – a).

    A Ré é uma associação e constituiu, à luz da Portaria n.º 809-U/94, de 12 de Setembro, um agrupamento de defesa sanitária (A.D.S.) devidamente reconhecido pelo organismo público competente – b).

    Este agrupamento de Defesa Sanitária passou a designar-se Organização dos Produtores Pecuários (O.P.P.), nos termos do que veio a ser legislado pela Portaria n.º 1088/97 de 30 de Setembro – c).

    Competindo à Ré, entre outras, a execução das acções de profilaxia médica e sanitária – d).

    A execução das acções referidas compete, também, nos termos da citada portaria, exclusivamente a médicos veterinários executores – e).

    Para a execução das acções de profilaxia médica e sanitária, efectuadas pelos O.P.P., a Direcção Geral de Veterinária concede subvenções destinadas a apoiá-las (calculadas em função do tipo e número de acções sanitárias a executar, as espécies envolvidas, o número médio de animais por exploração, o estatuto sanitário e a estrutura de encabeçamento regional – f).

    Por seu turno, no mesmo quadro legal, compete à O.P.P. pagar os serviços do médico executor e proporcionar aos médicos executores todos os meios para que estes levem a cabo as acções de saúde pública e sanidade animal, o que, de resto, a Ré sempre fez até à entrada em vigor da Portaria n.º 356/2004 de 5 de Abril – h).

    A Ré, nos termos dos seus estatutos, tem como objecto a defesa sanitária do gado bovino, ovino e caprino, o melhoramento animal e a sua rentabilidade comercial – j).

    Nos termos dos mesmos estatutos todos os associados da Ré têm iguais direitos e deveres – k). Constituindo recursos financeiros da Ré, nos termos dos referidos estatutos, o produto das jóias e quotas e os subsídios e subvenções – l).

    A direcção da Ré, em 8 de Abril de 2004, subscreveu e deu a conhecer aos seus associados, concretamente aos agora Autores, um esclarecimento, nos termos do qual: «se os associados optarem pela escolha do médico veterinário que não seja um dos que presta serviço contratualizado com a (…), no ano a que diga respeito a escolha, comunica, por escrito, tal opção até 30 dias antes do início do Programa, à Direcção da (…), entendendo-se que se nada for dito prescinde, irrevogavelmente, durante o período de execução do programa, desse direito a) No ano de 2004 o prazo limite de indicação é até ao dia 6 de Maio de 2004 – m). Mais era referido que «A indicação referida no número anterior tem, obrigatoriamente, sob pena de ineficácia, de ser acompanhada de declaração de aceitação do médico...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT