Acórdão nº 576/08.4TBAVR..C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução17 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório «A...», com sede em ....., Itália, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra «Banco B......», com sede na ..... Funchal, pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 25.162,00, acrescida de juros vincendos desde a data da entrada da petição inicial até integral pagamento.

Para tanto e em síntese, alegou ter vendido mercadorias à sociedade «C....

», a qual para pagamento das mesmas emitiu cheques, designadamente o cheque identificado no artigo 1º da petição, que apresentado a pagamento foi devolvido com a menção de revogação por justa causa – extravio. Mais alegou que esta menção de extravio é falsa, tendo sido aceite pelo Réu, sem que antes cuidasse de averiguar da veracidade de tal declaração, designadamente interpelando o banco italiano. Conclui que o Réu não poderia aceitar tal revogação, sendo responsável pelo pagamento à Autora da quantia titulada pelo cheque, acrescida de juros.

Citado, o Réu apresentou contestação, alegando, em suma, que o cheque em causa não lhe foi apresentado a pagamento, mas antes a um banco italiano que, por sua vez, solicitou ao Réu que efectuasse a cobrança do mesmo junto da « C...», efectuando os procedimentos previstos nas Regras Uniformes Relativas às Cobranças da Câmara de Comércio Internacional – Publicação n.º 522, Revisão de 1995. Nesse seguimento o Réu solicitou à C...» instruções, sendo que no caso presente esta sociedade já tinha comunicado o extravio desse cheque. Assim conclui que o caso dos autos não é subsumível no âmbito do regime jurídico aplicável aos cheques. Finalmente alega que, caso assim se não entenda, se deverá considerar que, tendo-lhe sido comunicado o extravio não teria de averiguar mais factos concretos a fim de aferir da veracidade de tal declaração, pelo que inexiste nexo de causalidade entre o facto e o dano. Conclui pedindo a improcedência da acção.

A Autora apresentou resposta referindo, além do mais, que o cheque foi apresentado a pagamento ao Réu e que foi este e não a «C....», que recusou o seu pagamento, tendo concluído como na petição.

Foi proferido despacho saneador com selecção da matéria de facto nos termos constantes de fls. 196, tendo-se procedido à realização de audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência condenar o Réu na quantia de € 21.880,00, acrescida dos juros legais, contados desde 19.09.2006, até efectivo e integral pagamento, absolvendo o Réu do mais que foi pedido.

Inconformado, apelou o Réu, apresentando as seguintes conclusões: A. Estão inverificados nos presentes autos, porque não provados, dois dos pressupostos da responsabilidade civil: a culpa e o dano; B. Com efeito, a Autora não provou que o réu tenha agido com culpa; C. Desde logo porque os factos dados como provados não são suficientes para que se possa concluir ter o banco réu agido com culpa; D. De facto, a Autora apenas conseguiu provar, no que a esta questão da apreciação da culpa diz respeito, o que consta dos artigos 8.º a 10.º da Base Instrutória; E. E o que consta destes artigos 8.º a 10.º da Base Instrutória não é suficiente para se considerar que o banco réu devia ter concluído ser o extravio falso, como se reconhece a págs. 17 da douta sentença de que ora se recorre quando se escreve: «É certo que apenas perante a emissão dos outros três cheques, que foram protestados por falta de pagamento, a Ré não poderia concluir ser o extravio falso».

F. Por outro lado, verifica-se que a Mma. Juíz a quo faz assentar a culpa do banco ora recorrente, no essencial, na consideração de que o mesmo não agiu diligentemente como um bom pai de família, porque, e passa-se a citar: «deveria ter sido mais insistente com a sacadora, confrontando-a com o pedido de pagamento do cheque que anteriormente havia dado como extraviado e porque deveria ter entrado em contacto com o banco italiano, o que não fez».

G. Sucede que, na realidade, não foi dado como provado que o banco réu não tivesse confrontado a sacadora, sendo certo que até que a confrontou por escrito, através do envio que lhe fez da carta de 06.09.2006 junta aos autos; H. Acresce não ter ficado provado que o banco réu soubesse, aquando da aposição no cheque da menção de extravio, que tal extravio era falso.

I. Ora, se o banco réu não tinha conhecimento, no momento da aposição no cheque da menção de extravio, da falsidade desse extravio, este facto implica que não tinha motivo para confrontar a sacadora, não sendo por isso exigível que o fizesse, nem reprovável que não o fizesse J. Acresce que já não teria qualquer efeito, no que respeita ao pagamento à Autora, fazer essa confrontação depois de já ter colocado a menção de extravio e enviado o cheque para o banco italiano; K. A consideração de que o banco réu não contactou com o banco italiano, a qual está implícita ou subjacente à afirmação produzida na sentença a quo de que o banco réu. «deveria ter entrado em contacto com o banco italiano, o que não fez» está em contradição com a resposta negativa ao artigo 13.º da base instrutória; L. Com efeito, o facto de se dar como não provado o artigo 13.º da base instrutória significa que não se apurou se esse contacto podia e devia ter sido feito.

M. Ora, se não se sabe se o contacto podia e devia ter sido feito, não se pode presumir que o mesmo não foi feito.

N. No que respeita ainda à ausência de culpa do ora recorrente cumpre ainda acrescentar, que todos os factos dos quais eventualmente poderia ser extraída a culpa do banco recorrente foram dados como não provados.

O. Com efeito, foi dado como não provado que: 1 - o banco réu tivesse optado por favorecer a sacadora do cheque sua cliente (resposta negativa ao artigo 17.º da B.I.); 2 - que fosse evidente para o banco réu que estava perante um abuso do instrumento de revogação, como forma ilegítima para evitar um pagamento devido (resposta negativa ao artigo 15.º da B.I.); 3 - que o banco réu devia interpelar a Autora, através do banco italiano apresentante relativamente ao pedido de revogação por extravio recebido (resposta negativa ao artigo 13.º da B.I.); 4 - que o banco réu sabia que o pedido de revogação era falso (resposta negativa ao artigo 12.º e restritiva ao artigo 7.º da B.I.); 5 - que o banco réu tivesse aceitado a revogação por extravio apresentada pela sacadora porque tivesse feito tábua rasa do acontecido relativamente aos anteriores três cheques (resposta restritiva ao artigo 14.º da B.I.).

P. Ao dar-se como não provados todos estes factos excluiu-se por completo a culpa do banco réu por ausência de prova nesse sentido.

Q. Foi considerado provado que o cheque dos autos não foi apresentado a pagamento ao banco réu no sentido que resulta da Lei Uniforme de Cheques, mas antes no sentido de que o mesmo foi entregue pela Autora ao banco italiano com o qual a mesma trabalha e com o esclarecimento de que este banco, por sua vez, o apresentou em nome da Autora à cobrança junto da Ré; R. Esta forma de apresentar o cheque ao banco réu determinou que o mesmo fosse forçado a adoptar os procedimentos previstos nas Regras Uniformes da Câmara de Comércio Internacional relativas a Cobranças, uma vez que foi isso que a Autora, através do Banco Italiano, lhe pediu expressamente e por escrito, para fazer; S. Estes procedimentos são diversos daqueles a que o banco réu estaria obrigado se o cheque lhe tivesse sido apresentado a pagamento «no sentido que resulta da Lei Uniforme de Cheques» e implicam designadamente que o banco réu não podia examinar o cheque.

T. Se não podia examinar o cheque não podia averiguar sobre a eventual autenticidade do mesmo nem comparar o mesmo com cheques anteriores emitidos pela Autora U. Assim, os procedimentos que o banco recorrente cumpriu de acordo com as instruções recebidas do banco Italiano, não permitiam, nem tinham como pressuposto, uma averiguação da veracidade do motivo da declaração de recusa de pagamento do cheque por parte do banco réu.

V. Não sendo assim exigível esse comportamento ao banco réu, nem por consequência reprovável que não o tenha adoptado no caso dos autos.

W. A apresentação apagamento de um cheque que não seja feita a uma câmara de compensação envolve, para além do acto de mera exibição física do cheque (que serve para o portador tentar demonstrar ao banco sacado a aparente legitimidade da sua posse), o pedido. ao banco sacado, de que pague ou entregue a quantia inscrita no mesmo.

X. No caso dos autos, este pedido de pagamento não foi feito ao banco sacado, podendo por isso concluir-se que este cheque não lhe foi apresentado apagamento.

Y. Não foram dadas como provadas circunstâncias concretas relativas à aceitação da declaração de extravio que tornassem exigível outro comportamento por parte dos funcionários do banco ora recorrente.

Z. O banco recorrente entende por isso que a sua culpa foi deduzida de factos que não foram dados como provados.

AA. Não está assim provada a culpa, mas também não foi provado o dano.

BB. Com efeito, a única matéria que se encontra dada como provada nos autos a respeito do dano, encontra-se no artigo 17.º da petição e consiste no facto de se ter dado como provado que a Autora não recebeu a importância de € 21.880,00 que se encontrava titulada pelo cheque.

CC. Ora deste facto apenas, não de pode imediatamente concluir, como faz a Mma. Juíz a quo na sentença, que foi esse o prejuízo da Autora.

DD. A sentença tem subjacente a ideia de que o portador de um cheque sofre automaticamente danos e que estes se medem pelo valor nele titulado.

EE. Sucede que os danos não se presumem, nem a sua medida se poderá aferir por tal critério.

FF. Como não se presumem, os danos ou os factos que os originaram, têm que ser alegados, o que não ocorreu no caso dos autos.

GG. Acresce não revelarem os factos provados que a conduta do banco réu tenha provocado à recorrida, em termos de...

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