Acórdão nº 165/06.8TBGVA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Setembro de 2009

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução08 de Setembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1. A...

(A. e neste recurso Apelante)[1] demandou a agremiação desportiva denominada “B...” (1ª R. e Apelada no presente recurso), pedindo a condenação desta a satisfazer-lhe globalmente a indemnização de €22.500,00[2], acrescida de juros.

Invoca, suportando tal pedido, que, sendo ele atleta não profissional desta R., praticando nas equipas desta a modalidade desportiva de basquetebol, sofreu no dia 30 de Abril de 2004, cerca das 17h35m quando “[…] efectua[va] o aquecimento físico que antecedia o treino desse dia” (artigo 9º da petição inicial) um acidente com a rede de uma tabela do qual resultou a amputação de parte do dedo anelar da mão direita (o dedo ficou acidentalmente preso na rede do cesto da tabela provocando a referida mutilação por arrancamento).

A responsabilidade da 1ª R. resultaria da circunstância de, sendo ela Segurada de um “seguro de acidentes pessoais”, tomado pela Federação Portuguesa de Basquetebol (Tomador)[3], sendo entidade Seguradora a C...

(2ª R./Interveniente e Apelada no contexto deste recurso)[4], seguro do qual o A. seria, naquelas condições, a “pessoa segura”[5], sendo que a 1ª R., omitindo a participação do indicado acidente à Seguradora, inviabilizou o pagamento por esta da indemnização a que o A. se considera com direito ao abrigo desse contrato de seguro, entendendo que o evento infortunístico em causa sempre estaria coberto pelo mesmo.

Suportando este entendimento (depois de caracterizar a indicada omissão de participação à Seguradora) diz o A. no seu articulado inicial: “[…]44ºEssa falta foi culposa, tornando [a] R. [refere-se à 1ª R.] como responsável do prejuízo que a mesma causou ao A. – artigo 798º do Código Civil.

45ºSe o R. entender de forma diferente, ou seja, […] que a seguradora pode e deve ser responsabilizada, o A. sugere-lhe que requeira a intervenção principal provocada daquela.

46ºSe isso não acontecer, deve o R. pagar ao A. a quantia global de €22.500,00.

[…]” [transcrição de fls. 6] 1.1.

Contestou a R. (a 1ª R.), impugnando os factos centrais do argumentário do A., reportando o acidente a um período temporal e factualmente exterior (anterior) ao treino no qual o A. iria participar a partir das 18h[6], significando isto que o acidente não se encontraria, em função desse elemento temporal e situacional, coberto pelo seguro (pela incidência situacional deste).

Requereu adicionalmente esta R., nos termos já indicados na nota 4, a intervenção da 2ª R., adiantando que, na sequência do acidente foi informada, pela Direcção da Associação de Basquetebol da Guarda, da circunstância daquela concreta ocorrência não se encontrar abrangida na cobertura do mencionado seguro[7], omitindo, em função disso, a participação do mesmo.

1.2.

Contestou a 2ª R. (Seguradora), indicando que a não participação do sinistro implicou – teria como consequência – a sua não consideração no âmbito do contrato[8] e que a descrição do acidente fornecida pela 1ª R., excluiria a sua cobertura pela cláusula 2.1. do contrato de seguro[9], tal como não abrangeria a responsabilidade desta R. a existência (conforme indica o A.) de uma incapacidade parcial permanente de 4% (as condições gerais da Apólice apenas cobririam uma IPP igual ou superior a 10%)[10], além de que o contrato não cobriria danos não patrimoniais.

1.3.

Finda a fase dos articulados, foi o processo objecto de saneamento, fixação dos factos interlocutoriamente provados e elaboração, em vista do julgamento, da base instrutória (todos estes elementos estão contidos no despacho de fls. 138/143).

1.3.1.

Em sede de saneamento, aí qualificada como “questão prévia” e fora da apreciação tabeliónica dos pressupostos formais da instância, equacionou e resolveu o Tribunal a questão da “[r]esponsabilidade da Seguradora pelo facto do sinistro lhe ter sido comunicado para além do prazo previsto no contrato de seguro” (ou seja, a questão do sinistro não ter sido comunicado à Seguradora nos termos previstos no contrato)[11].

Aí, aludindo às alternativas interpretativas configuradas face ao artigo 440º do Código Comercial[12], considerou-se (decisoriamente) o seguinte: “[…] Tendo presente este quadro factual, contratual e legal, há que concluir que o facto do tomador do seguro [a 1ª R.] não ter participado atempadamente o sinistro apenas a faz incorrer em responsabilidade perante a seguradora, pelas eventuais perdas e danos que esta tenha sofrido derivados de tal omissão.

[…] Assim, há que concluir que a provar-se a factualidade carreada e tendo em conta a intervenção provocada e seus termos, a Seguradora poderá ser responsável, por via e nos termos do contrato de seguro celebrado, pelos danos derivados do sinistro ocorrido, não havendo razões para afastar essa responsabilidade derivada da omissão de participação daquele por parte da tomadora do seguro […]”[13] [transcrição de fls. 139] 1.4.

Realizou-se (com gravação da prova testemunhal) o julgamento documentado a fls. 251/255, 262/265 e 286/288, findo o qual, fixados que foram, por referência à base instrutória, os factos provados (despacho de fls. 289/292), proferiu a Exma. Juíza do Círculo de Seia a Sentença de fls. 299/304 (esta constitui a decisão objecto do presente recurso), julgando a acção improcedente, absolvendo ambas as RR. do pedido.

1.5.

Inconformado, interpôs o A. o presente recurso de apelação, motivando-o a fls. 316/337, formulando a rematar tal motivação as seguintes conclusões: “[…] 1) A factualidade dada como provada nas alíneas c), d), f), g), i), l) e m) da fundamentação de facto, é, por si só, suficiente para que se conclua que o R. violou o seu dever contratual de comunicar o sinistro à R. seguradora, inobservando o disposto no artigo 798º do Código Civil.

2) A apólice de seguro que assegurava os riscos inerentes à actividade que o A. desempenhava para o R., abrange não só os treinos propriamente ditos como também o período temporal que decorre entre as deslocações dos atletas até ao local do treino e deste até ao seu destino posterior.

3) Donde resulta que se o acidente ocorreu imediatamente antes da hora para a qual estava formalmente designado o treino (18 h), e já no interior do pavilhão, só pode concluir-se que o sinistro se verificou nesse período temporal e só porque o treino se iria iniciar, devendo, por isso, ser enquadrado na apólice do seguro.

4) É certo que no momento do acidente, não se encontrava ainda no interior do pavilhão nem o treinador nem nenhum dirigente do R., mas a verdade é que está demonstrado que era habitual os jovens do Clube chegarem antes da hora reservada para o basquete (ponto bb) dos factos provados) e também era habitual exercitarem-se fisicamente fazendo aquecimento de forma visível para todos os presentes.

5) Não ficou provado, nem nenhuma dos RR. alegou, que alguma vez proibiu os seus atletas de entrarem no pavilhão e começarem o treino com exercícios físicos e com bola antes das 18 horas ou antes da chegada de qualquer técnico ou treinador.

6) Sendo que a resposta afirmativa dada ao quesito 25, significando apenas que não foi dada autorização expressa aos atletas para fazerem treino físico sem a presença do treinador ou dirigente, não quer dizer o inverso, seja, que os atletas foram proibidos ou impedidos de o fazer.

7) Aliás, a matéria dada como provada nos pontos bb) e cc) da sentença, só permitem concluir que os atletas tinham autorização tácita (não expressa) para chegar antes da hora e para se exercitarem fisicamente de forma não orientada por ninguém.

8) Esta falta de proibição expressa e esta autorização tácita, constituem omissão do dever de vigilância do Clube R. sobre os seus atletas, que deviam controlar e orientar, até por serem menores, obrigando-o a reparar os danos que essa omissão provocou – artigo 486º do Código Civil e Ac. RE de 27/08/99 já citado.

9) Já estão demonstrados factos que caracterizam as lesões sofridas pelo A. e os danos morais e patrimoniais que o afectam, sendo equitativo condenar-se o R. Clube no pagamento da indemnização de €22.500,00 peticionada nos autos.

10) Foram incorrectamente julgados, por erro notório de apreciação da prova, os pontos 24, 25, 30, 32 e 34 da base instrutória, que deveriam merecer a resposta sugerida nestas alegações, em face dos depoimentos prestados pelas testemunhas D..., E... E F... (constantes das cassetes já mencionadas) e não contrariadas por nenhuma outra prova produzida.

11) A sentença recorrida violou ou interpretou incorrectamente o disposto nos artigos 483º, 486º, 798º, 566º e 569º do Código Civil.

[…]” [transcrição de fls. 334/336] A esta motivação responderam a 1ª R. (fls. 359/370) e a 2ª R. (fls. 375/379), ambas pugnando pela manutenção da Sentença apelada.

II – Fundamentação 2.

Encetando a apreciação do recurso, importa ter presente que as conclusões formuladas pelos Apelantes operaram a delimitação temática do respectivo objecto [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[14]].

Emergem das conclusões do Apelante dois elementos de discordância da Sentença recorrida, em certo sentido apresentados como alternativos. Discute-se, desde logo – suscitando o exercício por esta Relação dos poderes de modificação da decisão de facto, previstos no artigo 712º, nºs 1 e 2 do CPC –, a correcção, por referência a determinados elementos da prova testemunhal indicados pelo Apelante[15], de alguns dos factos emergentes do julgamento na primeira instância.

Este constitui o primeiro elemento (se preferirmos, o primeiro fundamento) do recurso (a).

Subsequentemente – subsequentemente, numa perspectiva lógica, já que o Apelante trocou a ordem das coisas, parecendo pretender discutir o enquadramento jurídico da situação, independentemente da impugnação dos factos –, com ou sem essa almejada alteração da matéria de facto, dirige-se a crítica do Apelante às diversas vertentes jurídicas do problema respeitante à cobertura pelo seguro do acidente aqui em causa.

Este...

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