Acórdão nº 680/09.1YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução09 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I) O instituto do enriquecimento sem causa visa evitar que alguém avantaje o seu património à custa de outrem, sem motivo que o justifique, sendo que, a relação entre o enriquecimento e o correspectivo empobrecimento, tem de assentar em vantagens exclusivamente de carácter patrimonial, que não em relações espirituais, morais, ou afectivas.

II) - Tendo o Autor, durante o seu processo de divórcio e na vigência de união de facto com a Ré, concordado que, em nome desta seria contraído um empréstimo para aquisição e remodelação de um imóvel onde iriam viver, assumindo o Autor o compromisso de satisfazer todos os encargos com esse negócio, com a condição de findo o divórcio, a Ré transferir para ele a propriedade do imóvel – que entretanto foi registado em nome dela – existe enriquecimento sem causa, por parte da Ré, quando, cessada a união de facto e decretado o divórcio do Autor, a Ré, que em termos materiais nada contribuiu para a aquisição do imóvel nem comparticipou nas despesas que tiveram de ser feitas, se recusa a honrar o compromisso assumido, porque, entretanto, ocorreu ruptura na união de facto.

III) - O enriquecimento implica vantagem material, excluindo-se do conceito legal, quaisquer vantagens que não tenham essa natureza, pelo que a Ré não pode contrapor com vantagens de índole não patrimonial proporcionadas ao Autor, alegando o seu contributo pessoal para a união de facto e a expectativa de uma relação duradoura, para daí afirmar que existe relação entre o enriquecimento e o empobrecimento.

IV) - O Autor, ao pretender que a Ré restitua as quantias por si exclusivamente despendidas com a aquisição e realização de obras no imóvel, face à violação do compromisso assumido pela Ré, não actua com abuso do direito ao desconsiderar qualquer “compensação” dada pela Ré “pelo contributo para a vida quotidiana da economia conjunta de ambos”.

  1. - Se se tivesse provado que o Autor, de alguma forma, tinha incutido na Ré, com a sua actuação, que não pretendia reaver aquilo que despendeu e que agora, quiçá pela desavença amorosa, retaliava com a exigência da transferência da propriedade, aí haveria violação da regra da boa-fé e do princípio da confiança a evidenciar claro “venire contra factum proprium”.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou, pelo Tribunal de Família e Menores de Cascais – 1º Juízo Cível – acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra: BB Pedindo que a Ré seja condenada a:

    1. Pagar-lhe a quantia de € 120.509,91, relativa ao pagamento dos montantes a que se referem os arts. 55º, 56º e 59º da P.I. (a título de empréstimos) e os juros vincendos à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, bem como a quantia de € 1.713,59, relativo ao pagamento dos montantes a que se refere o art. 63º da P.I. (indemnizações), acrescida de juros legais, desde a citação até integral pagamento, e, ainda, o montante das prestações mensais que se vencerem até pagamento integral, relativo ao empréstimo que este adquiriu, hipotecando a casa de morada de família, cujo montante será relegado para execução de sentença; b) Entregar-lhe os bens que ilegitimamente retém e que lhe pertencem assim como ao seu filho menor de idade Frederico.

    Alegou, em síntese, que: Em Setembro de 1997, o Autor decidiu sair da casa de morada de família onde habitava com a mulher, M… J… P…, e filho F…, indo viver para um quarto.

    Por motivos de saúde da esposa, o filho foi viver consigo, o que o obrigou a procurar um apartamento, tendo, em 29.10.99, formalizado contrato promessa de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra “Q”, que corresponde ao 3º andar esquerdo do prédio sito na Rua M…, nº …, J…, Parede, na perspectiva de, em Fevereiro de 2000, estar divorciado e poder realizar a escritura e assumir a hipoteca.

    O preço acordado para a compra foi de 23.500.000$00, a ser pago do seguinte modo: como sinal e princípio de pagamento, a quantia de 1.500.000$00, que o Autor pagou, com a assinatura do contrato promessa; reforço de sinal até 30.12.99, no valor de 850.000$00; restante preço, no valor de 21.500.000$00, no acto de outorga da escritura, que seria efectuado no prazo de 120 dias.

    O estado de saúde da esposa agravou-se, e o processo de divórcio foi arquivado, vindo o Autor a acordar com os promitentes vendedores, por pressão destes, em fazer um reforço de sinal no montante de 9.480.000$00, que englobava o anterior reforço de sinal previsto.

    Para pagamento da referida quantia, que efectivamente entregou, constituiu hipoteca sobre a casa de morada de família, com cuja escritura despendeu 219.098$00.

    Os promitentes vendedores continuaram a pressionar o Autor para efectuar a escritura, propondo-lhe que a mesma fosse feita em nome de alguém de confiança, prontificando-se a Ré (amiga e namorada do Autor, conhecedora de toda a situação e com quem já partilhava, em alguns aspectos, vida em comum) para o efeito.

    Acordaram, então, Autor e Ré que a escritura seria realizada em nome da Ré, a qual solicitaria um empréstimo para pagar o valor do preço ainda em falta, sendo todas as despesas daquele suportadas pelo Autor, para quem seria feita a transferência do imóvel, mal fosse decretado o divórcio.

    Assim foi feito, tendo o Autor pago as despesas com o pedido de empréstimo, registos, escritura (em montante ainda não apurado), prestações do empréstimo, despesas com EDP, TV cabo, água, gás, condomínio, contribuição autárquica, obras (num total de 12.443,00) e móveis que constituem a mobília da casa.

    Com vista a transferir a propriedade da casa para seu nome, negociou um empréstimo com o banco, para pagamento da hipoteca sobre a casa de morada de família, e fez registos provisórios, pagando honorários a solicitadora, bem como pagou a respectiva sisa.

    A escritura chegou a estar marcada por 2 vezes, não se realizando da 1ª vez, porque o banco não foi avisado, e da 2ª vez, porque a Ré não compareceu.

    Autor e Ré vieram a separar-se em Janeiro de 2005, altura em que a Ré disse ao Autor que nunca transferiria a propriedade da casa para seu nome.

    Desde Março de 2005 que a Ré veda o acesso do Autor à casa, na qual se mantém todos os móveis e bens pessoais do Autor e do seu filho F… .

    Regularmente citada, a Ré contestou, por impugnação, alegando, no essencial, que todas as quantias entregues pelo Autor à Ré foram a título de liberalidades, e deduziu reconvenção, pedindo que o Autor/Reconvindo seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 12.000,00 a título de danos morais e notificado para levantar os bens pessoais e do filho que tem depositados na residência da Ré.

    A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese, que: O Autor actuou sempre com grande baixeza de carácter, abusando da boa fé, carinho e dedicação da Ré, forçando-a a adquirir a fracção em causa, criando-lhe encargos adicionais que esta não tinha necessidade de contrair.

    O Autor exigiu que a Ré lhe doasse a fracção, continuando responsável pelo pagamento das prestações.

    A Ré, com a atitude do Autor, entrou em grave depressão psicológica.

    O Autor replicou, impugnando a matéria reconvencional e propugnando pela sua improcedência.

    Admitiu-se a reconvenção, proferiu-se despacho saneador, e foram elaboradas matéria de facto assente e base instrutória, as quais sofreram reclamação, em parte deferida.

    Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e condenou a Ré: 1) A pagar ao Autor a quantia de € 84.920,56, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

    2) Bem como a quantia que se apurar em execução de sentença de encargos com as prestações do empréstimo da quantia de € 47.286,05, excluindo o reembolso do capital.

    3) A entregar ao Autor o sofá, o tapete e o esquentador acima identificados, bem como os bens pessoais do Autor e do seu filho.

    - Absolvendo-a do resto peticionado.

    - E julgou improcedente a reconvenção, absolvendo o Autor/Reconvindo do pedido reconvencional.

    Não se conformando com a decisão, a Ré recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 31.3.2009 – fls. 642 s 657 – negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

    A Ré de novo inconformada recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

  2. Com excepção da confissão de união de facto e da explicitação da simulação do contrato promessa e do defraudar da beneficio concedido ao abrigo do empréstimo para habitação explicitamente assumidos pelo Autor que obviamente não pode invocar a simulação em seu beneficio verifica-se que a douta sentença recorrida ao não declarar a nulidade do articulado na Réplica de 2° a 58° que manifestamente não responde a qualquer excepção porque pura e simplesmente não foi apresentada defesa por excepção.

    Efectivamente, ao não considerar tal factualidade alegada na Réplica como não escrita o acórdão recorrido é nulo por violação do disposto no n°1 do art. 502° do Código de Processo Civil.

    Tal nulidade podia e devia ter si conhecida pelo Tribunal da Relação, inclusive de forma oficiosa.

  3. A douta sentença recorrida não indicou os factos julgados provados e não provados, em violação do estatuído nos artigos 304°,n°5, 653°, nº2, do Código de Processo Civil, mais precisamente não elenca os factos não provados.

    Contrariamente ao sustentando no acórdão recorrido, quer por força do disposto no n°5 do art. 304°, quer do n°2 do art. 653°, ambos do Código de Processo Civil, a douta sentença deveria ter feito constar quais os factos que considera não provados e ao assim não entender o acórdão recorrido viola tais disposições legais.

  4. No dia 17 de Maio de 2000, foi celebrada escritura de compra e venda do imóvel referido em A) da matéria assente, em nome da Ré, constando da escritura o preço da venda de 12.100.000$00, constando que a compra era feita com recurso a um empréstimo concedido pelo CPP e, no dia 28/6/2000, essa aquisição foi registada...

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