Acórdão nº 3370/05.0TBPVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Sumário : 1. Sendo o contrato de arrendamento celebrado pelo usufrutuário, o arrendatário só goza do direito de preferir na venda ou dação em cumprimento do direito de usufruto, - e não da raiz ou nua propriedade - já que o titular desta é inteiramente alheio à relação de arrendamento em que se fundamenta o direito de preferência, nada tendo a ver com a relação locativa, que se extingue, de resto, logo que o usufruto termine.

  1. A titularidade do direito de preferência legalmente outorgado ao arrendatário de prédio onde se situa o local arrendado pressupõe que o preferente tenha a posição jurídica de arrendatário, quer na data em que se consumou o acto de alienação lesivo da preferência, quer no momento temporal em que , por se tornarem cognoscíveis os elementos essenciais do negócio, fica colocado em condições de exercer o direito real de aquisição de que é titular.

  2. Praticado à revelia do preferente o acto de alienação, passa este a ter um ónus de acompanhamento diligente da situação do prédio que é objecto mediato do seu direito de preferência, de modo a evitar que venha a ser exercitado com uma dilação indevida, frustrando as legítimas expectativas do adquirente na consolidação do negócio e a própria confiança e segurança do comércio jurídico – sendo violadora do princípio da boa fé e envolvendo exercício abusivo do direito de preferência, nos termos do art.334º do CC, a proposição da respectiva acção apenas cerca de 30 anos após consumação do acto de alienação, num caso em que o preferente dispunha de elementos que seguramente indiciavam ter sido infringido o seu direito.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.AA, BB e CC intentaram acção de preferência, na forma ordinária, contra os RR. DD e mulher, EE, e FF – Ourivesaria e Joalharia, SA., alegando que a sociedade, 3ª R., teria vendido ao 1º R. a raiz ou nua propriedade do prédio urbano em que se situava a sala locada ao primitivo arrendatário, GG, entretanto falecido, e a quem sucederam os AA., sem que lhe fosse facultado o exercício do direito de preferência em tal alienação.

    Os RR. defenderam-se por excepção, arguindo a simulação do negócio, a inexistência do direito de preferência exercitado pelos AA., a caducidade da acção de preferência, o abuso de direito e a falta de depósito do preço, impugnando ainda a matéria de facto articulada e deduzindo pedido reconvencional. Seguram-se os demais articulados e – após saneamento e condensação – procedeu-se a julgamento, sendo proferida sentença a julgar a acção totalmente procedente, reconhecendo-se o invocado direito de preferência e operando o respectivo e típico efeito constitutivo, substituindo-se os AA. ao 1º R. no referido negócio, translativo da nua propriedade sobre o imóvel onde se situava o locado; por sua vez, a reconvenção foi julgada improcedente.

    Inconformados, os AA. apelaram para a Relação que confirmou, mediante mera remissão para os termos da sentença recorrida, a solução dada ao litígio – limitando-se a considerar procedente o fundamento subsidiário invocado pelos apelantes, de modo a ser aplicado ao preço declarado o coeficiente de desvalorização da moeda, fixando em €47.555,86 a quantia a pagar pelos apelados.

  3. É esta decisão que vem interposto o presente recurso, que os recorrentes encerram com as seguintes conclusões – que, como é sabido, delimitam o objecto da presente revista: 1.ª- O presente recurso vai interposto da douta acórdão dado em 01/06/2009. Os recorrentes têm legitimidade para o presente recurso, o douto acórdão de 01/06/2009 é recorrível e o recurso foi interposto em tempo.

    1. - No caso de os fundamentos constantes do presente recurso serem julgados procedentes e, dessa forma, concedida a revista, ficará necessariamente prejudicado o acórdão recorrido na parte em que apreciou e julgou procedente o pedido subsidiário formulado pelos recorrentes.

    2. - O direito de preferência, enquanto direito real de aquisição, implica uma séria restrição ao direito de propriedade e entrave ao comércio jurídico, assumindo, por essa razão, natureza excepcional não devendo, em consequência, ser admitido para a satisfação de simples interesses individuais, mas apenas naqueles casos em que existe um interesse público em pôr fim a uma situação inconveniente sob o ponto de vista económico ou social.

    3. - No caso subjudice, a 3.ª recorrente apenas vendeu ao 1.° recorrente, em 1976, a nua propriedade do prédio urbano identificado na alínea I) da Matéria Assente, pelo preço de PTE 459.918$20.

      Á 5.ª - Importa, pois, apurar se a venda da nua propriedade feita pelos aqui recorrentes, atribui, ou não, ao arrendatário o direito de preferir naquela transmissão.

    4. - Para fixar o sentido e alcance decisivos da Lei, não deve o intérprete limitar-se à análise do elemento gramatical. Torna-se necessário recorrer ao elemento lógico da interpretação, designadamente ao seu elemento racional (ratio legis), pois só assim será possível determinar o fim visado pela Lei e, em consequência, o seu verdadeiro sentido e alcance.

    5. - A ratio do direito de preferência do arrendatário comercial é o reconhecimento da vantagem em eliminar quaisquer conflitos resultantes da contitularidade de direitos sobre o mesmo prédio - vide doutrina citada a pág. 11 supra.

    6. - Sendo esse o fim visado pela atribuição do direito de preferência no arrendamento comercial, no caso sob análise, o usufruto continuaria sempre em vigor mantendo-se uma contitularidade de direitos sobre o mesmo prédio, ficando até o arrendatário numa situação insólita, pois seria, simultaneamente, proprietário e arrendatário da usufrutuária! O que implicaria que o preferente, que passava a ser proprietário do prédio, continuasse obrigado, por força de um contrato de arrendamento celebrado com a usufrutuária, a pagar a renda a esta.

    7. - Vale dizer, não deve ser atribuído aos recorridos o direito de, com base num arrendamento comercial, preferirem na venda da nua propriedade do prédio, pois o fim visado pelas normas constantes dos art 1117.° do Cód. Civil (aplicável à data da transmissão da nua propriedade) e do art. 47.° do Regime do Arrendamento Urbano - a eliminação de «conflitos e dificuldades resultantes da existência de uma pluralidade de titulares de direitos sobre o prédio ou a este relativos» - não seria alcançado.

    8. - No caso dos autos, a 3ª recorrente não celebrou qualquer contrato de arrendamento com o arrendatário GG, já que foi a usufrutuária HH, no âmbito dos seus poderes de uso e fruição - cfr. art. 1446.° do Cód. Civil -, que deu de arrendamento o rés-do-chão do referido prédio a GG. Vale dizer, este contrato de arrendamento é, em relação à 3.ª recorrente, res inter alios acta, do que resulta não estar a 3.a recorrente vinculada para com o arrendatário GG a cumprir uma obrigação (dar preferência) emergente de uma relação jurídica da qual aquela não foi parte e, por isso, se encontra distante - cfr. doutrina e jurisprudência citada a págs . 13 a 15 supra.

    9. - Tendo o local arrendado sido dado de arrendamento pela usufrutuária HH, o arrendatário GG, só poderia preferir na venda ou dação em cumprimento do direito de usufruto, já que o proprietário radiciário nada tem que ver com o contrato de arrendamento - cfr. doutrina e jurisprudência citada a págs. 13 a 15 supra.

    10. - É essa a doutrina já firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 21/10/2004 - anexo às presentes alegações.

    11. - Do exposto resulta que arrendatário GG não podia preferir na venda da nua propriedade, pelo que não podem os sucessores daquele, aqui recorridos, pretender exercer um direito de que o falecido arrendatário não era titular.

    12. - O objecto do direito de preferência é, de acordo com o preceituado no art. 47.° do R.A.U , o local arrendado, pelo que o exercício do direito de preferência só é possível nos casos em que existe autonomização jurídica do local arrendado. Tratando-se de um arrendatário de um prédio não constituído em propriedade horizontal, não é possível a autonomização jurídica do local arrendado pelo que o arrendatário não goza de direito de preferência na venda do prédio, pois, nesse caso, o objecto da venda não é o local arrendado - cfr. doutrina e jurisprudência citada a págs . 16 a 17 supra.

    13. - No caso sob análise, o local arrendado foi a sala da frente do rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua da J…, n.° …, na Póvoa de Varzim, o qual não está constituído em regime de propriedade horizontal, o que significa que o local arrendado não está juridicamente autonomizado. Destarte, o exercício do direito de preferência revela-se, in casu, impossível - cfr. doutrina e jurisprudência citada a págs. 16 a 17 supra..

    14. - Com a morte do arrendatário GG, ocorrida em 21/05/1998, o contrato de arrendamento comercial relativo ao rés-do-chão do supra citado prédio urbano transmitiu-se aos seus sucessores, aqui A.A.. Este contrato de arrendamento cessou os seus efeitos por revogação em 01/03/2002, data em que a usufrutuária senhoria deu de arrendamento à sociedade comercial "AA & Filhos. Lda." o mesmo local: o rés-do-chão do prédio sito na Rua da J…, n.° …, na Póvoa do Varzim. - cfr. art. 62.° do Regime do Arrendamento Urbano, aplicável à data dos factos.

    15. - Destarte, os recorridos deixaram de ser, desde 01/03/2002, arrendatários do rés-do-chão do prédio sito na Rua da J…, n.° …, na Póvoa do Varzim, para passar a ser arrendatária a sociedade "AA & Filhos, Lda". E, mesmo que assim se não entendesse, sempre se dirá que o contrato arrendamento celebrado com GG caducou com a morte da usufrutuária senhoria, ocorrida em Maio de 2005.

    16. - Para que o direito de preferência seja transmitido aos sucessores do arrendatário, torna-se necessário que os mesmos continuem a ser arrendatários, pois não basta que os recorridos sejam herdeiros do arrendatário falecido, tornando-se necessário, para que ocorra aquela sucessão, que estes alegassem e provassem, que, segundo o direito substantivo, lhe sucederam na relação jurídica...

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