Acórdão nº 1389/04.8TBVIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução27 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Da leitura dos arts. 1.º do RAU e 1022.º e 1023.º do CC resulta que o contrato de arrendamento é um contrato temporário, sinalagmático, de execução temporária ou periódica e oneroso, sendo três os seus elementos essenciais: a) a obrigação de proporcionar o gozo de uma coisa imóvel; b) assumida por prazo determinado; c) a obrigação de retribuição.

II - A falta de pagamento da renda não determina, sem mais, a resolução do arrendamento e subsequente despejo; é preciso, paralelamente, que o inquilino esteja em mora, i.e., que lhe seja imputável o retardamento da prestação – cf. art. 804.º, n.º 2, do CC.

III - Não resultando demonstrado, através de contrato escrito ou por outro meio, o local em que a renda deveria ser paga, deve aplicar-se a regra supletiva da 2.ª parte do n.º 1 do art. 1039.º do CC; nesta situação (lugar de pagamento no domicílio do locatário), não tendo sido feito o pagamento, presume-se (presunção não ilidida) que o locador não veio nem mandou receber (n.º 2 do mesmo normativo), o que se reconduz à mora do credor (art. 813.º do CC), com a consequente impossibilidade de este resolver o contrato com base na falta de pagamento.

IV - A resolução do contrato, com fundamento no encerramento do estabelecimento por mais de um ano (cf. art. 1093.º do CC, na redacção anterior à Lei n.º 6/2006, de 27-02), visa acautelar o interesse do senhorio em não ver desvalorizado o prédio com o seu encerramento e proteger o interesse mais geral de fomentar o aproveitamento efectivo de todos os espaços utilizáveis, dependendo da verificação de três pressupostos: a) o arrendamento para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal; b) o encerramento por mais de um ano; c) não se dever o encerramento a caso de força maior ou ausência forçada do arrendatário, mas, se o for, que estas circunstâncias se prolonguem por mais de dois anos.

V - Decorre do disposto no art. 1031.º, al. b), do CC , que o locador está obrigado a assegurar o gozo da coisa para os fins a que se destina; nessa conformidade, tem de entregar o locado em condições de poder ser utilizado para o fim a que se destina, efectuar as reparações e pagar as despesas necessárias à sua conservação e uso e evitar a prática de actos que impeçam ou diminuam o respectivo gozo – cf. arts. 1032.º a 1034.º e 1037.º do CC.

VI - Tendo a coisa locada vício que a impeça de realizar os fins a que se destina, o locador não será responsável se o locatário conhecia o defeito quando celebrou o contrato ou recebeu a coisa; o defeito já existia ao tempo da celebração do contrato e era facilmente reconhecível, a não ser que o locador tenha assegurado a sua inexistência ou usado de dolo para o ocultar; o defeito for da responsabilidade do locatário ou este não avisou o locador do defeito (cf. art. 1033.º do CC).

VII - Se o vício que impediu a apelada (locatária) de extrair do arrendado as utilidades pretendidas e contratadas – posto de recepção de leite – só surgiu quando a apelante (locadora) cortou o abastecimento de água, extraindo-se do contrato ser o locador o fornecedor de água, e provando-se que foi esse corte que inviabilizou a exploração do locado, está demonstrado não ter o locatário culpa no encerramento do estabelecimento, uma vez que esta situação foi criada pela apelante. Quem incumpriu foi a locadora, que não assegurou o gozo da coisa, o que, inclusive é, além do mais, fundamento de resolução do contrato por parte do locatário (cf. arts. 1083.º e 801.º do CC).

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I ─ AA, intentou, no 1.º Juízo de Competência Cível do Tribunal da Comarca de Viseu, acção declarativa, com forma de processo sumário, contra BB – Cooperativa Agrícola de Viseu, CRL e contra CC, pedindo a declaração de nulidade do contrato de arrendamento ou, subsidiariamente, a sua resolução, sempre com a correspectiva condenação dos réus na entrega do espaço, livre e devoluto de pessoas e bens, bem como a condenação solidária dos réus no pagamento de uma importância mensal de € 50,00, desde 1997 e até efectiva entrega do espaço.

Para tanto alega, em síntese: Por escritura de partilhas por óbito de DD, com quem foi casada, foi-lhe adjudicado o usufruto vitalício da uma casa de habitação com rés do chão e 1.º andar, sita ao Lameirinho, Casal, limite e freguesia de Torredeita, Viseu, inscrita na matriz urbana sob o artigo 1213.

Em data imprecisa de 1995, ao que supõe, o seu falecido marido, por contrato de arrendamento verbal, cedeu a utilização do rés-do-chão da dita casa à ré BB, mediante a renda mensal de 3.250$00, com a finalidade de aí ser instalado um posto de recepção de leite, renda que, no ano de 1996, era de 3.370$00.

O locado está licenciado, apenas, para habitação, o que acarreta a nulidade do contrato de arrendamento, o mesmo sucedendo, aliás, com a circunstância de o contrato não ter sido celebrado por escrito.

Por outro lado, desde o óbito do seu finado marido, ocorrido em 06.03.1997, que a arrendatária não paga a renda estabelecida.

Não é visto no local movimento algum de pessoas ou veículos relacionados com a ré BB, nem conhecida qualquer actividade desta conexionada com o comércio de leite. É o réu CC que abre e fecha as portas do local, que é visto neste e que aí se movimenta, como se fosse o titular do contrato de arrendamento, desconhecendo a autora qualquer cessão onerosa ou gratuita da posição da ré BB, que não lhe foi comunicada e, consequentemente, não foi autorizada.

O réu CC deixa, por vezes, detritos e sujidade na propriedade da autora, permite que dejectos das vacas conspurquem a entrada da sua habitação e passou, com habitualidade, a deslocar-se ao local a horas tardias da noite, onde faz barulhos que incomodam a autora e perturbam o descanso de quem reside na habitação; perante tal, pressionou-o para entregar livre e devoluto o espaço ocupado e deu conta à CM de Viseu e às entidades sanitárias e económicas das condições de funcionamento da actividade desenvolvida no referido rés-do-chão, vindo o Ministério da Agricultura a encerrar o local como posto de recepção de leite; não obstante, o réu CC continua a deslocar-se ao local e a manter em funcionamento uma máquina que é fonte de barulhos e incómodos para a autora.

Um espaço idêntico ao ocupado é susceptível de proporcionar uma renda mensal de € 50,00, montante esse de que deve ser compensado pela ocupação que vem sendo feita desde, pelo menos, o início de 1997 até efectiva entrega.

Devidamente citados, os réus contestaram, por excepção e por impugnação, tendo, ainda, a ré BB deduzido pedido reconvencional.

Por excepção, sustentaram a ilegitimidade do réu CC e da autora, aquele por não ter subscrito o contrato de arrendamento e esta por estar desacompanhada dos demais herdeiros de DD, tendo acrescentado, ainda, que a exigência de licença de utilização só entrou em vigor um ano depois da celebração do contrato em causa.

Por impugnação, negaram alguns dos factos alegados pela autora e declararam ignorar, sem obrigação de conhecer, outros.

Especificadamente, declarou o réu CC que deposita leite no arrendado, na qualidade de produtor de leite, como outros produtores já o fizeram, que não conspurca o local, que a autora cortou o fornecimento de água como forma de inviabilizar a utilização do locado e que não ocorreu o seu encerramento, mas, tão-só, a suspensão do levantamento do leite, por acto culposo daquela.

Disse, por sua vez, a ré BB que no arrendado está instalado um posto de recepção de leite, em virtude de contrato de arrendamento celebrado em 1 de Janeiro de 1991; as rendas mensais, sucessivamente actualizadas, sempre foram atempadamente pagas; é falso estar o local licenciado, apenas, para habitação; para instalação do posto de recepção de leite, foram feitos melhoramentos no locado, que descreve; depois da morte do marido da autora, por sugestão desta, foi acordado o pagamento semestral da renda, por forma a evitar transtornos do seu pagamento mensal, pelo que a alegada constituição em mora procede de culpa sua, uma vez que se recusou a receber a renda; a autora, unilateralmente, em 31 de Março de 2003, cortou o abastecimento de água, inutilizando o arrendado, contra o estipulado na cláusula oitava do contrato de arrendamento e apresentou uma queixa de salubridade que levou a Divisão de Intervenção Veterinária de Viseu a suspender o levantamento de leite até estar regularizado o abastecimento; a partir do corte da água, a autora recusou receber as rendas; mesmo depois da recusa da A. em receber as rendas, a ré continuou a proceder ao seu pagamento, mediante o respectivo depósito na CGD, para além de que efectuou o pagamento de todas as rendas em atraso nos termos e para os efeitos dos artigos 1041.º e 1048.º do Código Civil.

Reconvindo, mas, apenas, para o caso de não serem julgadas procedentes as excepções deduzidas e improcedente a acção, alegou a ré BB que levou a cabo no arrendado as obras necessárias ao normal desempenho da sua actividade, que orçaram...

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