Acórdão nº 53/04. 2TBAVZ.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução14 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA AMBAS AS REVISTAS Sumário : I-O contrato de transporte é, nos termos da definição gizada pelo grande civilista e tratadista que foi Luís da Cunha Gonçalves «o que se celebra entre aquele que pretende fazer conduzir a sua pessoa ou as suas coisas de um lado para o outro e aquele que por um determinado preço se encarrega dessa condução» (Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, 2º vol, pg. 394).

II-Trata-se de um contrato de prestação de serviços que obedece a uma disciplina específica, designadamente quando assume natureza mercantil, como é o caso, atento o seu enorme e indiscutível relevo na vida empresarial e económica das sociedades contemporâneas.

III- Entre outros aspectos relevantes deste contrato, sobreleva justamente o regime de responsabilidade do transportador, estabelecendo-se no corpo do artº 377º do dito Código. o que se transcreve: «O transportador responderá pelos seus empregados, pelas mais pessoas que ocupar no transporte dos objectos e pelos transportadores subsequentes a quem for encarregando do transporte».

Logo no § 1º a referida norma estatui que: «Os transportadores subsequentes terão direito a fazer declarar no duplicado da guia de transporte o estado em que se acharem os objectos a transportar, ao tempo em que lhes foram entregues, presumindo-se, na falta de qualquer declaração, que os receberam em bom estado e na conformidade das indicações do duplicado».

IV- Ainda segundo Cunha Gonçalves, a responsabilidade cumulativa dos transportadores, que resulta da lei e não do contrato, constitui uma obrigação indivisível. A responsabilidade indivisível no transporte cumulativo pode ser, evidentemente, a consequência de ser paga a indemnização pela empresa que nenhuma culpa teve do dano (Cunha Gonçalves, citado por Abílio Neto in Código Comercial e Contratos Comerciais, anotado, Setembro/2008, Forum, pg. 138).

V-A responsabilidade do transportador perante quem com ele estabelece um contrato de transporte é de natureza contratual sempre que do mesmo resultem danos relativamente ao objecto do contrato, por forma a que se verifique uma situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso.

VI- Desta forma, não há que buscar a analogia com o regime da responsabilidade objectiva do comitente pelos danos que o comissário causar, cujo regime legal se compendia no artº 500º do Código Civil e que se situa no domínio da responsabilidade extracontratual, mas sim com a responsabilidade do devedor pelos actos dos seus representantes legais ou auxiliares, cujo regime é gizado pelo artº 800º do mesmo diploma substantivo civil.

Na verdade, será este o preceito jurídico-civil que encontra o seu paralelismo mais perfeito com o do contrato mercantil cujo arquétipo acha a sua sede legal no artº 377º do Código Comercial.

VII- Ora, como é sabido, na responsabilidade contratual ou obrigacional, a culpa do devedor presume-se, nos temos do artº 799º do Código Civil, pelo que, no caso do contrato de transporte, caberia ao Recorrente (transportador) provar que havia desenvolvido as necessárias diligências, para que o automóvel de cujo transporte foi contratualmente incumbido pelo Autor, fosse entregue ao mesmo em tempo, no local do destino convencionado e sem os defeitos que resultaram do transporte e da retenção pelo 2º Réu.

Decisão Texto Integral: Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra BB e CC, todos com os sinais dos autos, pedindo a condenação dos Réus: – a devolverem de imediato ao A. a viatura ligeira de passageiros com a matrícula ........., marca BMW, modelo 3B/325, com o número de chassis 000000000000000 ; – no pagamento de uma revisão/reparação a fazer à viatura do A., em oficina da marca, previamente à entrega da viatura ; – no pagamento da quantia diária de 50 euros desde 28/7/2003 até à entrega da viatura ao A. ; – no pagamento da quantia mensal de l .200 euros desde Setembro de 2003 até que a viatura lhe seja entregue ; – no pagamento da indemnização de 5.000 euros a título de danos morais ; quantias estas acrescidas de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento .

Alega, em resumo, ser emigrante no Luxemburgo e ser proprietário do veículo automóvel de marca BMW, com a matrícula .........1, modelo 3B/325, e que no Verão de 2003 contratou o 1° R. para efectuar o transporte desse veículo para Portugal, pelo preço de 450 euros.

O 1° R. comprometeu-se a colocar a viatura na residência do A. no prazo máximo de uma semana após 18 de Julho e que, depois do decurso do prazo, o A. verificou que o veículo se encontrava junto à casa do 2° R., apresentando-se riscada no tejadilho, na mala e no capot, com o guarda-lamas amolgado e com a frente do pára-choques partido, pelo que o A. se recusou a recebê-la ; Um empregado do 2° R. conduziu a viatura para a residência do A. e este reclamou junto do 1° R. pelos danos que o veículo padecia, tendo-lhe este dito que os danos eram da responsabilidade do 2° Réu, pois ele é que tinha efectuado o transporte, pelo que ele próprio o iria contactar.

Depois de aguardar e de contactar o 1° R. e o 2° R., este último disse que iria proceder à sua reparação, mas no dia combinado para a entrega da viatura ao A, tal entrega foi recusada com o argumento de que o 1° R, devia dinheiro ao 2° R.

Em consequência, o A. continua privado da sua viatura, não tendo outros meios de transporte; Adiou o seu regresso ao Luxemburgo aguardando a todo o momento que os RR. lhe entregassem a sua viatura, sendo que auferia um salário líquido mensal de l .200 euros e esta situação traz o A. nervoso, preocupado e à beira de um esgotamento nervoso, tanto mais que as suas economias já foram consumidas com a sua estadia involuntária e prolongada em Portugal.

Regularmente citados, ambos os RR. contestaram.

O R. CC impugnou a factualidade descrita pelo A. e alegou que o 1° R. solicitou ao legal representante da sociedade S......P..., Lda que reparasse a viatura do A., dizendo que a mesma não deveria ser entregue ao A. sem a sua autorização.

Por sua vez, o R. BB alegou ter ajustado com o 2° R., na qualidade de gerente da sociedade S......P..., Lda, que fosse esta a efectuar o transporte do Luxemburgo para Portugal; solicitou várias vezes ao gerente da S......P..., Lda a reparação dos veículos danificados durante o transporte, o que ele sempre recusou, pelo que o 1° R. se recusou a pagar a parte do preço do transporte ainda em falta ; o gerente da S......P..., Lda entrou em acordo directamente com o A. em reparar-lhe o seu carro, mas recusou a sua devolução dizendo que não o fazia enquanto o 1° R. não pagasse o preço que restava. Por último, invoca que os prejuízos alegados pelo A. são descabidos e exagerados .

Por despacho de fls. 135 a 138 foi admitida a intervenção principal provocada, como ré, de S......P...-Transportes e Representações, Lda, requerida pelo A., contra a qual este deduziu o pedido inicialmente formulado na petição inicial.

Uma vez citada, a interveniente fez sua a contestação apresentada pelo 2° Réu.

O A. respondeu a fls. 169 .

Foi proferido despacho saneador e elaborada lista de factos assentes e a base instrutória, que sofreu reclamação, parcialmente atendida a fls. 241 a 243.

No decurso do julgamento, a interveniente S......P..., Lda confessou o primeiro pedido formulado pelo A., pelo que foi condenada a devolver de imediato a viatura de matrícula ........., marca BMW, modelo 3B/325 ao A..

Também no decurso do julgamento o A. apresentou articulado superveniente, alegando ter recebido o seu veículo, o qual se encontrava com bastantes danos, que descreve, pelo que ampliou o seu pedido no sentido de os RR. e a interveniente serem condenados no pagamento de uma revisão/reparação a fazer à viatura do A. em oficina da marca, no pagamento da quantia diária de 50 euros desde a data da entrega até à realização de tal revisão/reparação e em todos os danos morais e patrimoniais resultantes da privação da viatura por parte do A. até que tal viatura seja reparada .

O 1° R. respondeu ao articulado superveniente, alegando que o veículo do A., nas instalações da interveniente, ficou fora do seu alcance e domínio factual, pelo que impugnou os factos alegados, invocando que o valor comercial daquele veículo rondaria os 3.000 euros, não se justificando a reparação por excessivamente onerosa .

Também o 2° R. e a interveniente responderam, alegando que o valor comercial e real da viatura do A. no ano de 2004 não era superior a 2.500 euros e negando os danos invocados .

Por despacho de fls. 768 e 769 foram aditados mais factos à base instrutória.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que absolveu a interveniente Solução-Pan Transportes e Representações Lda do pedido e condenou os RR BB e CC, solidariamente, a pagarem ao Autor: – Uma revisão/reparação à viatura do Autor, de matrícula ......... em oficina da marca; – A quantia de € 15,00 por dia desde 1/9/2003 até à realização da revisão/reparação e – A quantia de € 2000,00 ( dois mil euros) a título de danos não patrimoniais, quantias essas acrescidas de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da sentença proferida.

Inconformados, interpuseram os Réus recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, não tendo logrado sucesso, pois aquele Tribunal julgou improcedentes as apelações, confirmando a sentença recorrida.

Novamente inconformados, os mesmos vieram interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.

São, portanto, dois recursos de Revista que foram interpostos no presente processo, de que cumpre conhecer.

Dado que a factualidade provada nos presente autos interessa a ambos os recursos interpostos, sendo fundamento factual comum a ambos, comecemos por transcrever a matéria fixada pelas Instâncias.

Importa dizer, no entanto, que certamente por manifesto lapso, a Relação não teve em atenção ao transcrever para o acórdão...

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